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E VIVA A VIDA DE ARTISTA, VIVA O TEATRO DE REVISTA!

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E VIVA A VIDA DE ARTISTA, VIVA O TEATRO DE REVISTA!

O texto ou roteiro da estética popular sempre tem espaço destinado à improvisação. Dramaturgia de teatro popular é elástica permitindo a inserção da atualidade, que é a chave para a comunicação rápida e direta com o público.

Neyde Veneziano37 O teatro de revista foi o gênero ligeiro que mais sucesso de público teve no país, tornando-se por suas estratégias de atualização do repertório público e pelo estreito diálogo com a platéia, sinônimo de teatro popular brasileiro.

Originalmente, veio da Europa, através de Portugal, França ou Espanha e numa sucessão rápida de quadros de dança, canto e humor, passava em revista os principais acontecimentos do ano.

A primeira revista da qual por aqui se tem notícia foi As surpresas do Sr. José da

Piedade, escrita por Justino de Figueiredo Novais e levada no Rio de Janeiro, em

1859, em dois atos e quatro quadros. Sabe-se também que esta não ficou em cartaz nem por uma semana. Além de não atrair público, foi proibida pela censura.

Em 1875, fez-se nova tentativa, mas A Revista do Ano de 1874, escrita por Joaquim Serra também não obteve sucesso. Trazia de Portugal a sátira política, com a qual os brasileiros estavam pouco acostumados, principalmente sobre um tablado de teatro.

No entanto, ainda nesse mesmo ano, Rei morto, Rei posto, também de Serra, consegue melhor recepção. E em 1883, com o sucesso de O Mandarim, de Artur

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34 Azevedo e Moreira Sampaio, da qual participava o ator e compositor popular Xisto Bahia, viria a consagração definitiva do gênero.

Começava, então, a evolução da revista em solo nativo. A princípio, manteve a estrutura básica de um fio condutor puxado por um casal de compères, em torno dos quais se aglomeravam os quadros, lançando sempre um olhar de estranhamento cômico ao mundo ao redor e assim comentando alegre e musicalmente os fatos do ano. Com a chegada, em 1877, da companhia espanhola Velasco, trazendo como novidade as coristas que acompanhavam as músicas com movimentos dinâmicos e dançantes, adota um maior cuidado com as coreografias. E de influência em influência, sempre buscando suplantar a concorrência estrangeira, foi se reformulando até chegar, em princípios do século XX, à fórmula brasileira38.

Essa se caracterizaria pelo afrouxamento das qualidades didáticas do gênero, pois praticamente abandonaria o texto inicial, colocado em segundo plano pela música e pela dança. E embora jamais abdicasse das referências cômicas e paródicas aos acontecimentos recentes, que mais do que uma convenção de gênero tratava- se de atualização necessária para a efetivação de um espetáculo genuinamente popular, já não se obrigava a repassá-los de forma linear. Fragmentava-se livremente e alternava quadros rápidos e praticamente autônomos, entre monólogos, cançonetas e esquetes, inclusive com paródias a gêneros eruditos. Mas a nota nativa principal se tornava a música e a dança, em especial os requebros e as modinhas de carnaval, que passaram a ser lançadas pelas revistas, tornando-as conhecidas como revistas carnavalescas39.

Das marchinhas de carnaval a outros ritmos populares foi um passo. Esses ficavam não só conhecidos e caiam na boca e gosto do povo, como migravam

38 Cf. CD: E VIVA O TEATRO DE REVISTA! – Imagem 1. Elenco da revista Ai se eu pudesse voá – 1919: Brandão Sobrinho sob o estandarte, Vicente Celestino, ultimo à esquerda, e com o leque, Vitória Soares.

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Cf. CD: Idem – Imagens 2 a 5. A revista brasileira ou teatro “de ocasião” ilustrada por Di Cavalcanti em 1929. Quadros de revista: Penas de Pavão, de Marques Porto e Alonso de Carvalho (1923), e Comidas, meu santo, de Marques Porto e Ari Pavão (1925).

35 para a recente indústria fonográfica do país. Exemplo foi Vem cá mulata, de Arquimedes de Oliveira, na revista Maxixe, do escritor e revistógrafo Bastos Tigre, em 1906. Cantada pela também atriz e dançarina Maria Lino, fez tanto sucesso que foi imediatamente registrada em chapa de gramophone na voz da própria Maria e, em seguida, também na de Pepa Delgado.

Durante a primeira grande guerra mundial, as visitas das companhias estrangeiras ao Brasil diminuíram, contribuindo para firmar-se a revista de trejeito brasileiro. Os ritmos populares nacionais, como os maxixes, sambas, lundus e cateretês se tornaram definitivamente a tônica. Adotado em primeira mão pela revista carioca, o carnaval, com suas alegorias, já era atributo da revista nativa. E em nenhum outro lugar ou região, por mais que o gênero mostrasse atualizações específicas, se ousava apresentar como revista um espetáculo despojado dos devidos préstitos carnavalescos.

A partir da década de vinte, já perfeitamente abrasileirado, esse teatro passou a enfrentar a concorrência de novos meios de comunicação, como o cinema e o rádio. Acostumado a responder com diálogo ao que vinha de fora, adotou-lhes de pronto a linguagem e absorveu-os na medida em que se desenvolviam no país, emprestando-lhes artistas e procedimentos. Resultou dessa mélange o teor cada vez mais musical e popular dessas mídias, mas igualmente companhias como a

Tro-lo-ló, de Jardel Jércolis. Inspirada desde o nome na companhia francesa Ba-

Ta-Clan, que fizera algumas temporadas cariocas, no entanto a modernizava, inserindo por influência do cinema musical americano, ritmo de jazz à orquestra e andamento de show-business às revistas40.

Dercy era fluminense, mas chegou à revista carioca através da revista paulista, que já era carnavalesca, como toda revista brasileira, mas pontuava concreta e regionalmente o espírito de carnaval.

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Cf. CD: E VIVA O TEATRO DE REVISTA! – Imagens 6 a 8. Cartaz da francesa Ba-ta-clan e quadros da Tro-lo-ló, de Jardel Jércolis.

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2.1. DE PAULISTAS E CARIOCAS: