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3.2 Interac¸˜ao entre Radiac¸˜ao e Mat´eria

3.2.1 Absorc¸˜ao, Emiss˜ao e Espalhamento

Como foi dito anteriormente, a intensidade espec´ıfica ´e uma grandeza invariante com a distˆancia, caso n˜ao haja nem fontes e nem sumidouros ao longo do caminho atravessado pela radiac¸˜ao. O que ocorre, na realidade, ´e que sempre h´a interac¸˜ao entre a radiac¸˜ao e a mat´eria, e sempre ocorrem diversos processos que adicionam ou retiram energia do campo de radiac¸˜ao. Esses processos f´ısicos podem ser classificados em dois tipos distintos: absorc¸˜ao/emiss˜ao t´ermicos e espalhamento.

Os processos puramente de absorc¸˜ao ou de emiss˜ao s˜ao conhecidos como t´ermicos, pois, nestes casos, a energia removida do feixe de radiac¸˜ao ´e convertida parcialmente ou totalmente em energia t´ermica do material. E, na emiss˜ao, parte da energia t´ermica do material ´e convertida em energia radiativa. A seguir, citamos alguns exemplos desses tipos de processo:

(a) Um ´atomo absorve um f´oton com energia suficiente para ioniz´a-lo, e, ent˜ao, libera um el´etron, que antes se encontrava ligado, para o cont´ınuo e com energia cin´etica finita. Este processo ´e conhecido como fotoionizac¸˜ao ou absorc¸˜ao ligado-livre. Na fotoionizac¸˜ao o f´oton ´e destru´ıdo, e a energia cin´etica do el´etron liberado ´e termalizada ap´os um n´umero finito de colis˜oes el´asticas no meio, ou seja, parte da energia radiativa se transforma em energia cin´etica do g´as e torna-se parte do reservat´orio t´ermico do material. O processo inverso ´e conhecido como recombinac¸˜ao, e neste processo um el´etron livre se liga ao ´atomo e emite radiac¸˜ao com energia igual `a soma das energias cin´etica e de ligac¸˜ao do el´etron, ou seja, parte da energia t´ermica do material ´e convertida em energia radiativa.

(b) Um ´atomo absorve um f´oton com energia suficiente para induzir a transic¸˜ao de um el´etron num estado ligado de menor energia para um estado ligado de maior energia. Este processo ´e conhecido como fotoexcitac¸˜ao ou absorc¸˜ao ligado-ligado. Ap´os a fotoexcitac¸˜ao, o ´atomo sofre uma colis˜ao inel´astica e transfere parte da energia absorvida para a outra part´ıcula envolvida na colis˜ao. O el´etron que havia sido excitado ´e de-excitado pela colis˜ao, sem que haja liberac¸˜ao de um f´oton. Parte da energia radiativa absorvida foi, ent˜ao, convertida em energia t´ermica do material, e diz-se que o f´oton foi destru´ıdo por uma de-excitac¸˜ao por colis˜ao. No processo inverso, ap´os uma colis˜ao, o ´atomo tamb´em perde energia, e um el´etron ligado qualquer sofre transic¸˜ao para um estado menos energ´etico e libera um f´oton.

(c) O ´atomo ´e fotoexcitado ao absorver um f´oton e logo em seguida sofre ionizac¸˜ao por colis˜ao, liberando o el´etron que antes estava num estado ligado de baixa energia para o cont´ınuo. A energia do el´etron contribui para o reservat´orio t´ermico de energia das part´ıculas. O processo inverso ´e conhecido como recombinac¸˜ao por colis˜ao (de trˆes corpos).

(d) Um el´etron livre se move com numa ´orbita hiperb´olica ao redor de um ´ıon. Esse el´etron, ent˜ao, absorve um f´oton e passa para uma ´orbita de maior energia ao redor do ´ıon. Este pro- cesso ´e conhecido como absorc¸˜ao livre-livre. O processo inverso ´e conhecido como bremss-

trahlung.

Notamos que, nos casos do processo de absorc¸˜ao, os f´otons s˜ao destru´ıdos e sua energia se converte diretamente em energia cin´etica do g´as, e o processo inverso ocorre quando h´a emiss˜ao. No caso do espalhamento, o f´oton interage com um n´ucleo espalhador, podendo produzir ou n˜ao uma variac¸˜ao no estado de excitac¸˜ao do espalhador, reaparecendo, ent˜ao, numa direc¸˜ao

diferente com uma pequena variac¸˜ao em sua energia. Neste caso, a energia que vai para o re- servat´orio t´ermico do material ´e muito pouca, ou mesmo, inexistente. Como exemplo desses processos:

(a) O ´atomo absorve um f´oton que ´e capaz de excitar um el´etron ligado de um estado a para um estado de maior energia b, e logo em seguida, ocorre a transic¸˜ao inversa de b para a com a criac¸˜ao de um f´oton. Este f´oton, geralmente, n˜ao ser´a emitido na mesma direc¸˜ao que o f´oton incidente. Os n´ıveis de energia a e b n˜ao s˜ao infinitamente finos, e ambos possuem uma pequena largura. Qualquer perturbac¸˜ao m´ınima muda a energia do el´etron dentro do n´ıvel, e faz com que a energia do f´oton emitido seja diferente da energia do f´oton incidente.

(b) Um el´etron livre interage e absorve um f´oton incidente ao oscilar em seu campo el´etrico, e ent˜ao reemite outro f´oton numa direc¸˜ao diferente da direc¸˜ao de incidˆencia (espalhamento Thompson).

(c) Um f´oton colide inelasticamente com um el´etron livre, produzindo uma pequena variac¸˜ao na energia cin´etica do el´etron, e sendo reemitido com uma pequena diferenc¸a de energia, numa direc¸˜ao, geralmente, diferente da direc¸˜ao de incidˆencia (espalhamento Compton).

(d) Espalhamento Rayleigh, onde um f´oton com energia muito menor que as energias de transi- c¸˜ao entre estados de um ´atomo ou mol´ecula interage com este centro espalhador e muda sua direc¸˜ao de propagac¸˜ao.

Nos processos radiativos t´ermicos existe um acoplamento muito grande entre a radiac¸˜ao e a mat´eria, ou seja, estes processos dependem e influem ao mesmo tempo nas propriedades ter- modinˆamicas locais do g´as, j´a que eles produzem transferˆencia quase-direta de energia entre o campo de radiac¸˜ao e o reservat´orio de energia t´ermica do g´as. No caso do espalhamento, este acoplamento ´e muito fraco, e a intensidade de energia espalhada depender´a principalmente da intensidade de radiac¸˜ao que chega ao local, radiac¸˜ao esta que pode ter sido gerada numa regi˜ao bem distante da regi˜ao onde ocorre o espalhamento. O espalhamento, portanto, depende muito pouco das propriedades locais do g´as.

Esta classificac¸˜ao tem suas limitac¸˜oes, e, em alguns casos, fica dif´ıcil classificar se o que ocorre ´e espalhamento, ou absorc¸˜ao/emiss˜ao t´ermica. Por exemplo, um ´atomo com n´ıveis de ligac¸˜ao com ordem crescente de energia a, b e c absorve um f´oton e ´e excitado de a para c. Logo depois o el´etron em c decai radiativamente para b, e, ent˜ao, decai novamente de b para a. O f´oton incidente, ent˜ao, se transforma em dois f´otons menos energ´eticos. N˜ao houve espalhamento, j´a que os dois f´otons resultantes tˆem energia bem diferentes do f´oton inicial, e n˜ao houve trans- ferˆencia da energia radiativa para energia cin´etica do g´as, portanto, tamb´em n˜ao houve absorc¸˜ao. Para o tratamento correto, inclusive desses casos indefinidos, ´e necess´ario utilizar equac¸˜oes de equil´ıbrio que considerem todos os processos radiativos e colisionais que afetam o sistema e, ao mesmo tempo, resolver as equac¸˜oes de transferˆencia que descrevem os processos de absorc¸˜ao, emiss˜ao e de transporte de radiac¸˜ao ao longo do volume do material em quest˜ao.

Mas, antes de falarmos sobre equac¸˜oes de equil´ıbrio radiativo e equac¸˜ao de transferˆencia, devemos quantificar os processos de emiss˜ao, absorc¸˜ao e espalhamento de radiac¸˜ao. Para quan- tificar esses processos de perda e ganho de energia atrav´es da radiac¸˜ao, devemos definir os coefi- cientes de extinc¸˜ao e de emiss˜ao. Quando a radiac¸˜ao atravessa um material, parte de sua energia ´e removida e isso ´e descrito atrav´es da opacidade ou coeficiente de extinc¸˜ao χ(r, n, t, ν). A opa- cidade ´e definida de modo que o feixe de radiac¸˜ao com intensidade espec´ıfica I(r, n, t, ν) com frequˆencia no intervalo (ν, ν+dν), incidindo sobre o ˆangulo s´olido dω, perde uma quantidade de

energia

δE = χ(r, n, t, ν) I(r, n, t, ν)dl dS dω dν dt (3.17) durante o intervalo de tempo dt. O coeficiente de extinc¸˜ao χ, ou opacidade, ´e calculado fazendo- se o produto das sec¸˜oes retas de absorc¸˜ao (cm2) de cada ´atomo pela densidade populacional

destes ´atomos (cm−3) em um determinado volume, e somando este resultado sobre todos os estados que podem interagir com f´otons de frequˆencia ν. A dimens˜ao de χ, ent˜ao, ´e cm−1, e a grandeza 1/χ representa o livre caminho m´edio do f´oton, ou seja, a distˆancia m´edia que o f´oton percorre antes de ser absorvido ou espalhado pela material. Em um meio est´atico, onde o material n˜ao tem uma direc¸˜ao preferencial de movimento, a opacidade ´e isotr´opica. J´a se o meio estiver em movimento em relac¸˜ao a algum referencial, o pr´oprio efeito Doppler far´a com que a opacidade seja anisotr´opica.

O coeficiente de extinc¸˜ao pode ser separado em duas componentes, a de absorc¸˜ao t´ermica κ(r, t, ν) e a de espalhamento σ(r, t, ν). Ambos os processos s˜ao independentes entre si, e

χ(r, n, t, ν) = κ(r, n, t, ν) + σ(r, n, t, ν). (3.18) A energia adicionada a um feixe de radiac¸˜ao com intensidade espec´ıfica I(r, n, t, ν), frequˆen- cia no intervalo (ν, ν+dν), incidente sobre um ˆangulo s´olido dω, durante o intervalo de tempo dt, ao atravessar um volume de material com sec¸˜ao reta dS orientada na mesma direc¸˜ao de propagac¸˜ao do feixe n, e comprimento dl ´e

δE = η(r, n, t, ν)dS dl dω dν dt, (3.19) onde η(r, n, t, ν) ´e chamado de coeficiente de emiss˜ao ou emissividade. Quantitativamente, a emissividade ´e calculada pelo produto das densidades populacionais dos n´ıveis superiores, pela probabilidade de ocorrer a transic¸˜ao necess´aria para criar o f´oton de frequˆencia ν, e somando os produtos de todos os processos que geram f´otons de mesma frequˆencia. A emissividade η tem unidades de ergs cm−3sr−1Hz−1s−1, e tamb´em pode ser decomposta numa componente de emissividade t´ermica ηte numa componente de espalhamento ηs, independentes entre si,

η(r, n, t, ν) = ηt(r, n, t, ν) + ηs(r, n, t, ν). (3.20) Como a opacidade t´ermica, a emissividade t´ermica, num meio est´atico, tamb´em ´e isotr´opica. J´a o termo de espalhamento possui uma certa dependˆencia angular, mesmo nos casos est´aticos, e esta dependˆencia ´e dada pela func¸˜ao de redistribuic¸˜ao, R(n′, ν′; n, ν), que indica a probabilidade de um f´oton com direc¸˜ao ne frequˆencia νinteragir com o n´ucleo espalhador e ser re-emitido como um f´oton na direc¸˜ao n e frequˆencia ν. A func¸˜ao de redistribuic¸˜ao possui uma dependˆencia temporal que ser´a mantida impl´ıcita, tanto em R(n′, ν′; n, ν) como nas outras vari´aveis para sim- plificar a notac¸˜ao e tamb´em porque neste trabalho estamos interessados apenas em casos esta- cion´arios. A func¸˜ao R(n′, ν′; n, ν) deve ser uma func¸˜ao normalizada de modo que

(4π)−2 I dω′ I dω Z ∞ 0 dν′ Z ∞ 0 R(n′, ν′; n, ν) dν = 1. (3.21) Isto quer dizer que, todo f´oton incidente sobre o n´ucleo espalhador (e que n˜ao sofre absorc¸˜ao t´ermica), independente de direc¸˜ao e frequˆencia, deve ser espalhado numa direc¸˜ao n qualquer e frequˆencia ν. A func¸˜ao de redistribuic¸˜ao cont´em um perfil de absorc¸˜ao φ(ν′) e um perfil de emiss˜ao ψ(ν), ambos normalizados. Integrando a Eq. (3.21) sobre todos os ˆangulos s´olidos e

frequˆencias de emiss˜ao, obtem-se a probabilidade de um f´oton com direc¸˜ao de incidˆencia n′ e frequˆencia ν′ ser espalhado pelo n´ucleo espalhador,

φ(ν′) dν′(dω′/4π) = dν′(dω′/4π) I (dω/4π) Z ∞ 0 R(n′, ν′, n, ν) dν, (3.22) ou seja, φ(ν′) = I (dω/4π) Z ∞ 0 R(n′, ν′, n, ν) dν. (3.23) Se σl(r) indicar o coeficiente total de espalhamento de uma determinada linha espectral, podemos escrever σ(r, ν′)=σl(r)φ(ν′). A probabilidade de uma quantidade de energia σl(r)I(r, n′, ν′) ser retirada, ent˜ao, de um feixe de radiac¸˜ao com frequˆencia ν′ vindo de dω′, e ser espalhada como um f´oton em dω e frequˆencia ν, ´e

σl(r) R(ν, n, ν, n) I(r, n′, ν′)dν′dν (dω′/4π)(dω/4π). (3.24) Se integrarmos sobre todas as frequˆencias e ˆangulos de incidˆencia, encontraremos a quantidade total de energia emitida com frequˆencia ν na direc¸˜ao dω,

ηs(r, n, ν) dν(dω/4π) = σl(r) dν(dω/4π) I (dω′/4π) Z ∞ 0 dν′R(ν, n, ν, n) I(r, n′, ν′), (3.25) que, simplificando, torna-se,

ηs(r, n, ν) = σl(r) I (dω′/4π) Z ∞ 0 dν′R(ν, n, ν, n) I(r, n′, ν′). (3.26) Se considerarmos que o espalhamento ´e isotr´opico, ou seja, n˜ao possui direc¸˜oes preferenciais nem de absorc¸˜ao e nem de emiss˜ao, a func¸˜ao redistribuic¸˜ao vai ser independente das direc¸˜oes n e

n′, e consequentemente independente do ˆangulo entre ambas as direc¸˜oes. Se o campo de radiac¸˜ao

I(r, n, ν) tamb´em for isotr´opico, a emissividade por espalhamento pode ser escrita como

ηs(r, n, ν) = σl(r) Z ∞

0

R(ν, ν) J(r, ν′) dν′, (3.27) onde R(ν′, ν)=φ(ν′)ψ(ν). Os perfis de absorc¸˜ao e de emiss˜ao dependem apenas das caracter´ısticas do ´atomo e do meio, portanto, se n˜ao houver correlac¸˜ao entre as frequˆencias dos f´otons antes e depois do espalhamento, os perfis de linha de absorc¸˜ao e de emiss˜ao s˜ao iguais (φ(ν′)=ψ(ν)), e ambas as frequˆencias estar˜ao distribu´ıdas aleatoriamente sobre um mesmo perfil. Esta situac¸˜ao ´e conhecida como redistribuic¸˜ao completa, e podemos escrever

ηs(r, ν) = σl(r)φ(ν) Z ∞

0

φ(ν′)J(r, ν′) dν′. (3.28) A redistribuic¸˜ao completa, tamb´em conhecida como n˜ao-coerˆencia completa, ´e uma boa apro- ximac¸˜ao em meios onde os ´atomos sofrem v´arias perturbac¸˜oes externas durante o processo de espalhamento, o que faz com que os el´etrons excitados pelo f´oton incidente se redistribuam ale- atoriamente nos subestados de energia do n´ıvel superior da transic¸˜ao. A redistribuic¸˜ao completa continua uma aproximac¸˜ao v´alida mesmo se houver alargamento t´ermico da linha.

Podemos derivar uma relac¸˜ao muito importante entre as componentes t´ermicas da opacidade e da emissividade num meio em Equil´ıbrio Termodinˆamico (ET). Neste caso, a quantidade de

energia do campo de radiac¸˜ao que ´e absorvida pelo material ´e igual `a quantidade de energia emitida pelo material em forma de radiac¸˜ao, e ent˜ao temos

ηt(r, n, ν, t) dS dl dω dν dt = κ(r, n, ν, t)I(r, n, ν, t) dS dl dω dν dt. (3.29) Se o meio est´a em Equil´ıbrio Termodinˆamico, suas propriedades devem ser homogˆeneas e iso- tr´opicas, e a equac¸˜ao acima ´e simplificada e reescrita como

ηt(ν) = κ(ν)I(n, ν), (3.30)

que ´e conhecida como Lei de Kirchhoff. O campo de radiac¸˜ao gerado por material em Equil´ıbrio Termodinˆamico depende apenas da temperatura T do meio, e ´e descrito pela func¸˜ao de Planck

Bν(T ) = 2hν3

c2



ehν/kT − 1−1 (3.31)

de modo que a Eq. (3.30), torna-se

η∗(ν) = κ∗(ν)Bν(T ), . (3.32)

Toda vez que utilizarmos o ´ındice ∗ superescrito ao lado de grandeza, significa que a grandeza teve seu valor calculado considerando Equil´ıbrio Termodinˆamico. Esta relac¸˜ao, conhecida como

rela¸c˜ao de Kirchhoff-Planck, ´e v´alida para qualquer meio que esteja em ET, e n˜ao depende da

composic¸˜ao do material.