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Para entendermos como funciona o modelo de acrec¸˜ao magnetosf´erica, vamos, primeiramente, supor que a componente principal do campo magn´etico estelar seja a componente dipolar, e que todas as outras componentes sejam desprez´ıveis na regi˜ao onde ocorre o truncamento do disco. Se a intensidade deste campo magn´etico B da estrela for suficientemente alta, haver´a uma distˆancia dentro do disco de acrec¸˜ao onde a press˜ao magn´etica (pB=B2/8π) ultrapassar´a o

valor da press˜ao dinˆamica do material sofrendo acrec¸˜ao (pdin=1/2ρv2, onde ρ ´e a densidade e v a

velocidade do material). Esta distˆancia ´e o raio de truncamento do disco RT. Para raios menores

que o raio de truncamento, o movimento do material do disco, caso este esteja suficientemente ionizado, passar´a a ser controlado principalmente pelo campo magn´etico da estrela, ou seja o material passar´a a seguir as linhas de campo indo em direc¸˜ao `a fotosfera da estrela.

O truncamento do disco circunstelar, ent˜ao, ocorre quando

B2

8π = ρv2

2 . (2.26)

Considerando, inicialmente, que a acrec¸˜ao seja esf´erica, a Eq. (2.26) pode ser reescrita como

B2= M˙acrv

R2 T

, (2.27)

onde ˙Macr ´e a taxa de acrec¸˜ao de massa. Tamb´em vamos considerar que o campo ´e totalmente

dipolar ao redor de RT, podendo ser escrito como B(r)=B(R/r)3, sendo Bo campo magn´etico

na superf´ıcie da estrela, e R o raio da estrela. Utilizando como a velocidade do material a velocidade de queda livre, o raio de truncamento pode ser calculado atrav´es da relac¸˜ao,

RT R = B4 ∗R5∗ 2GMM˙2 acr !1/7 , (2.28)

onde G ´e a constante gravitacional, e M a massa da estrela. Com propriedades de uma estrela T Tauri t´ıpica (M=0,5 M, R=2,0 Re ˙Macr=10−8M⊙/ano), e B=1 kG, encontramos RT≈7R⊙.

Apesar da relac¸˜ao acima ter sido calculada para o caso de acrec¸˜ao esf´erica, a raz˜ao entre os parˆametros da estrela e da acrec¸˜ao continuam valendo para acrec¸˜ao n˜ao-esf´erica, sendo ne- cess´ario apenas que se multiplique a relac¸˜ao por um fator Γ, com valor da ordem de unidade. O material em um disco de acrec¸˜ao est´a em orbita ao redor da estrela girando com velocidade Kepleriana, que ´e um fator de √2 menor que a velocidade de queda livre, e muito maior que sua velocidade radial. Para que seja mantida a mesma taxa de acrec¸˜ao de massa do caso da acrec¸˜ao esf´erica, a densidade no disco deve ser bem mais alta, o que implica que a press˜ao dinˆamica do material ´e, tamb´em, muito mais alta que no caso da acrec¸˜ao esf´erica, ou seja, o raio de trunca- mento do disco estar´a bem mais pr´oximo `a estrela. Portanto, a Eq. (2.28) nos d´a o limite superior para o valor do raio de truncamento do sistema.

O raio no disco de acrec¸˜ao onde sua velocidade angular se iguala `a velocidade angular da estrela ´e chamado de raio de corrotac¸˜ao (Rco). Aceita-se que campos magn´eticos s˜ao uma ma-

neira eficiente de se transportar momento angular. Com base nisso, podemos dizer que linhas magn´eticas ligando a estrela a uma regi˜ao do disco exterior ao raio de corrotac¸˜ao ter˜ao uma tendˆencia de transferir momento angular da estrela para o disco, desacelerando o giro da estrela, e acelerando o giro do disco. Esta ´e uma das maneiras que a estrela tem para perder momento angular durante sua evoluc¸˜ao at´e a sequˆencia principal. Na regi˜ao fora de Rco, a velocidade

angular das linhas de campo magn´etico (que giram com a mesma velocidade que a estrela), ´e maior que a do disco. Ent˜ao, quando o material passa a seguir as linhas de campo para ir em direc¸˜ao a estrela, sua velocidade angular aumenta e ele passa a girar com velocidade superior `a velocidade Kepleriana; consequentemente, a forc¸a centr´ıfuga sobre o material passa a ser maior que a forc¸a gravitacional, o que faz o material ir para uma regi˜ao mais exterior do disco, impe- dindo o processo de acrec¸˜ao. Este efeito pode ser mostrado a partir da equac¸˜ao de Bernoulli,

(2.25), na aproximac¸˜ao de campos magn´eticos fortes, e desprezando o termo de press˜ao t´ermica. Derivando-a em relac¸˜ao ao raio, na regi˜ao ao redor do raio de truncamento, temos

vp dvp = − GM R2 T + RTΩ20 = − GM R2 T (1− f2), (2.29) onde fΩ= Ω0T = RT Rco !3/2 , (2.30)

Note que, se fΩ>1, ou seja, RT>Rco, o sinal da acelerac¸˜ao ser´a positivo e o g´as se mover´a radial-

mente para o exterior do disco. Para que ocorra a acrec¸˜ao atrav´es das linhas de campo magn´etico, ent˜ao RT<Rco, e, com isso, h´a transferˆencia de momento angular do disco para a estrela, o que

faz o giro da estrela aumentar. Portanto, o valor de RT em relac¸˜ao a Rco ´e muito importante na

determinac¸˜ao da velocidade angular da estrela, e ser´a o valor da taxa de rotac¸˜ao Kepleriana, onde o disco ´e truncado pelo campo magn´etico, que determinar´a a taxa de rotac¸˜ao da estrela. Essa teoria ´e geralmente conhecida como “disk locking” ou “travamento de disco”.

Observac¸˜oes indicam que muitas ETTCs tˆem per´ıodo de rotac¸˜ao que variam de 7 a 10 dias (Bouvier et al. 1993, 1995; Herbst et al. 2002), e durante sua evoluc¸˜ao at´e a sequˆencia principal, estas estrelas ainda tendem a perder parte de seu momento angular. Para que seja mantida uma situac¸˜ao de equil´ıbrio, onde essas estrelas continuem girando lentamente, ´e necess´ario que linhas de campo magn´etico cruzem o disco na regi˜ao exterior ao raio de corrotac¸˜ao, ao mesmo tempo que a acrec¸˜ao ocorre seguindo as linhas na regi˜ao interior a esse raio. A soluc¸˜ao desse problema foi proposta por Ghosh & Lamb (1979b), que postularam uma regi˜ao finita do disco, atravessada pelas linhas de campo magn´etico estelar, comec¸ando em um raio interior ao raio de corrotac¸˜ao e indo at´e um raio exterior ao mesmo. Uma diferenc¸a, mesmo pequena, entre as velocidades de rotac¸˜ao do disco e do campo magn´etico provoca dentro de alguns ciclos um processo de reconex˜ao magn´etica1(van Ballegooijen 1994; Aly & Kuijpers 1990). Essas reconex˜oes liberam

a energia magn´etica armazenada nas linhas de campo, gerando, talvez, erupc¸˜oes altamente ener- g´eticas e/ou o aquecimento da mat´eria nos funis de acrec¸˜ao ou mesmo no disco.

Ao utilizar a equac¸˜ao de Bernoulli, escrita como na Eq. (2.25), j´a estamos utilizando a apro- ximac¸˜ao de MHD ideal para o sistema. As densidades dentro dos fluxos de acrec¸˜ao, combinadas com as altas temperaturas encontradas dentro desta regi˜ao, acabam implicando numa alta den- sidade eletrˆonica e, consequentemente, numa alta condutividade do meio, e por isto podemos utilizar esse tipo de aproximac¸˜ao para estudar esse tipo de sistema. A partir da equac¸˜ao de Bernoulli, ent˜ao, fica f´acil calcular o campo de velocidades dentro do funil de acrec¸˜ao, e as- sim torna-se, tamb´em, f´acil calcular as outras grandezas observ´aveis nesta regi˜ao. Novamente, considerando o limite onde o campo magn´etico ´e forte o suficiente para manter o g´as girando `a velocidade de corrotac¸˜ao na magnetosfera, e desprezando o termo de press˜ao t´ermica, podemos encontrar a velocidade do g´as a uma distˆancia R ao longo de uma linha de campo que corta o disco perto do raio de truncamento RT,

v2p 2GMr 1− r RT ! + Ω20(̟2− R2T), (2.31) 1A reconex˜ao magn´etica ´e um processo de reconfigurac¸˜ao dinˆamica das linhas de campo magn´etico que ocorre

quando linhas de diferentes polaridades aproximam-se muito uma das outras e acabam se unindo, liberando assim a energia magn´etica acumulada nestas linhas. O processo de reconex˜ao aparece somente quando consideramos um meio de condutividade el´etrica finita, ou seja, MHD n˜ao ideal.

com r=√̟2+ z2. Se o raio de truncamento, R

T, estiver pr´oximo ao raio de corrotac¸˜ao, Rco,

v2p 2GMr 1− r RT ! +GMRT ̟2 R2T − 1 ! . (2.32)

Como a maioria das ETTCs gira lentamente, Rco≃RT≫R∗, e, numa primeira aproximac¸˜ao, pode-

se ignorar a velocidade azimutal. Nesse caso a velocidade poloidal ´e a velocidade de queda-livre, vp = " 2GM R R rR RT !#1/2 , (2.33)

onde R´e o raio da estrela. Vamos considerar que a componente dipolar do campo magn´etico ´e a dominante; neste caso, podemos dizer que o campo magn´etico poloidal Bp ´e representado pelas

linhas de um dipolo. O m´odulo do campo magn´etico de um dipolo, alinhado com o seu eixo, pode ser escrito em coordenadas esf´ericas como

Bp(r, θ) = mBr−3(4− 3 sen2θ)1/2, (2.34)

onde mB ´e o momento de dipolo magn´etico. Uma determinada linha de campo, passando por r e

chegando at´e a superf´ıcie da estrela, ´e definida por

r sen2θ = R sen2θ s ≡ constante, (2.35) onde θs´e o ˆangulo da posic¸˜ao na qual a linha de campo est´a ancorada na superf´ıcie da estrela. Se,

ao inv´es do ponto onde a linha chega na estrela, utilizarmos o ponto onde a linha cruza o disco de acrec¸˜ao (θ=π/2), rm, a equac¸˜ao acima pode ser reescrita como

r = rmsen2θ. (2.36)

A Figura 2.1 mostra um esquema da magnetosfera. O valor de rm est´a limitado pelos valores de

rmi e rmo, raios por onde passam as linhas que limitam a regi˜ao do funil de acrec¸˜ao. As linhas

limites chegam `a superf´ıcie da estrela entre os ˆangulos θi e θo, dos pontos onde se ancoram as

linhas definidas por rmoe rmi, respectivamente.

Em coordenadas cil´ındricas, as componentes em ̟ e em z do campo magn´etico s˜ao,

B̟ = 3mBsen θ cos θ ̟3 , (2.37) Bz = mB(3 cos2θ− 1) ̟3 . (2.38)

Ao utilizarmos a condic¸˜ao de MHD ideal, a Eq. (2.14) torna-se v´alida, e, portanto, podemos dizer que o fluxo de mat´eria est´a acoplado ao campo magn´etico, ou seja, a velocidade poloidal up ´e

paralela `as linhas de campo. Se fizermos y=r/rm= sen2θ,

up =−vp " 3y1/2(1 − y)1/2̟ +ˆ (2 − 3y)ˆz (4− 3y)1/2 # . (2.39)

De acordo com a Eq. (2.16), da continuidade, podemos encontrar que a densidade ao longo das linhas de campo magn´etico, ρ, ´e

ρ = ηpBp vp

Figura 2.1: Esquema da magnetosfera projetada no plano poloidal. O c´ırculo amarelo representa a fotosfera da estrela, o retˆangulo cinza representa o disco, e as linhas vermelhas representam as linhas de campo magn´etico dipolares que saem da estrela. As linhas que cruzam o disco em rmie rmodelimitam a magnetosfera.

e, substituindo as Eqs. (2.33) e (2.34), encontrarmos que ρ(r, θ) = ηpmB r3 (4− 3y)1/2 (2GM/R)1/2(R/r− R∗/rm)1/2 . (2.41)

Caso se saiba o valor da taxa de acrec¸˜ao de massa, ˙Macr, ´e poss´ıvel encontrar a densidade, ρ(R∗), na superf´ıcie da estrela, sem a necessidade de se saber o valor do momento de dipolo magn´etico da estrela. A taxa de acrec¸˜ao de massa pode ser dada por

˙

Macr = 2

Z θi

θo

2πR2sen θdθρ(R)vr(R∗), (2.42) onde vr ´e a componente radial esf´erica da velocidade, e θi e θo s˜ao os ˆangulos onde as linhas

que passam por rmi e rmo encontram a superf´ıcie da estrela, respectivamente, e que delimitam

a regi˜ao dos an´eis de acrec¸˜ao. Como existem an´eis de acrec¸˜ao nos dois hemisf´erios da es- trela, multiplicamos o valor da integral por um fator 2. Pela Eq. (2.40), podemos tirar a relac¸˜ao ρ(R)vr(R)=ηpBr(R), e substitu´ı-la na Eq. (2.42), obtendo

˙

Macr = 2

Z θi

θo

2πR2sen θdθηpBr(R). (2.43)

Br ´e a componente radial em coordenadas esf´erica do campo magn´etico, que para um campo de

dipolo pode ser escrita como Br(r, θ)=2mBR−3cos θ. Para simplificar, consideremos que o valor

de ηpseja o mesmo para todas as linhas de campo (Hartmann, Hewett, & Calvet 1994). Assim,

˙ Macr = 8π ηpmB R Z θi θo sen θ cos θdθ = 4πηpmB R R rmi − R rmo ! . (2.44)

Isolando o valor de ηpmB na equac¸˜ao acima, e substituindo-o na Eq. (2.41), encontramos uma

nova func¸˜ao para a densidade dentro da coluna de acrec¸˜ao, que depende do valor de ˙Macr,

ρ(r, θ) = M˙acrR4π (R/rmi− R/rmo) r−5/2 (2GM)1/2 (4− 3y)1/2 (1− y)1/2 . (2.45)

Figura 2.2: Alguns exemplos de estrutura de temperatura dentro das colunas de acrec¸˜ao segundo Martin (1996). (a) Estrutura de temperatura em diferentes linhas de fluxo. Linha cheia: r0=rmi; linha trac¸o-pontilhada: r0 = (rmi+

rmo)/2; linha tracejada: r0=rmo. (b) Estrutura de temperatura ao longo de r0=rmi, para diferentes taxas de acrec¸˜ao.

Linha cheia: ˙Macr=10−7M⊙/ano; linha trac¸o-pontilhada: ˙Macr=10−6M⊙/ano; linha tracejada: ˙Macr=10−8M⊙/ano. (c) Estrutura de temperatura ao longo de r0=rmi, para diferentes temperaturas inicias (na base do disco de acrec¸˜ao).

Linha cheia: T0=3000 K; linha tracejada: T0=4000 K; linha trac¸ada-pontilhada: T0=5000 K.

A estrutura da temperatura dentro das colunas de acrec¸˜ao ainda ´e uma grande inc´ognita. Se- gundo Martin (1996), os mecanismos reguladores de temperatura mais importantes dentro do funil de acrec¸˜ao s˜ao o aquecimento adiab´atico, o resfriamento devido `a radiac¸˜ao “bremsstrah-

lung”, e as linhas de emiss˜ao de Ca II e Mg II. A Figura 2.2 mostra exemplos de perfis de

temperatura, calculados por Martin (1996). Nela χ ´e a raz˜ao entre o comprimento do caminho medido de r=r0, θ=π/2 (o raio onde uma determinada linha de campo cruza o plano do disco) e

o comprimento total da linha de fluxo. χ=0,3 representa o in´ıcio do fluxo, pouco acima do disco de acrec¸˜ao, e χ=1 representa o fluxo j´a chegando `a fotosfera da estrela. Entretanto, o uso des- ses perfis de temperatura nos modelos de transferˆencia radiativa para o c´alculo de perfis de linha (Muzerolle, Calvet, & Hartmann 1998a), n˜ao conseguiu reproduzir os perfis de linha observados. A lei de temperatura utilizada por Hartmann, Hewett, & Calvet (1994) se baseia numa taxa

QT de aquecimento volum´etrico (∝r−3) combinada com um esquema para a taxa de resfriamento

radiativo Λ(T ) (Hartmann, Avrett, & Edwards 1982), e leva a uma estrutura de temperatura que ´e proporcional a ρ−2da seguinte forma

Λ(T ) = QT

nenH

= QTfρ(µMH)

ρ2 , (2.46)

onde QT(r)=QT,0(r30/r3), QT,0 ´e a taxa de aquecimento volum´etrico a uma distˆancia r0da estrela,

ne e nHs˜ao as densidades populacionais de el´etrons e de hidrogˆenio, (µMH) ´e o peso molecular

m´edio por part´ıcula, e fρ ´e a constante de proporcionalidade entre a densidade total de part´ıculas e nenH. Sabendo o valor de Λ(T ) (unidades de erg cm−3s−1), a temperatura pode ser calculada

da Tabela (2.1). Esta lei de temperatura, ao ser utilizada nos mesmos modelos de transferˆencia radiativa, reproduz perfis de linha compat´ıveis com as observac¸˜oes. Um exemplo de estrutura de temperatura dentro da coluna de acrec¸˜ao calculada por esta lei pode ser visto na Figura 2.3.

As duas estruturas de temperatura s˜ao bem diferentes entre si, mas em ambas, o fator deter- minante principal ´e a taxa de acrec¸˜ao de massa, que est´a diretamente ligada `a densidade dentro do fluxo. No modelo de Hartmann et al. (1994), a temperatura inicial influencia bastante na tempe- ratura m´axima dentro do funil, e tamb´em na temperatura do g´as logo antes de atingir a fotosfera da estrela, enquanto que no modelo de Martin (1996), a temperatura inicial praticamente n˜ao in- flui nem na temperatura m´axima, nem na temperatura do g´as antes de atingir a regi˜ao de choque. Apesar do modelo de Hartmann et al. (1994) conseguir reproduzir os perfis de linha observados,

log T log Λ(T ) 3,70 -28,3 3,80 -26,0 3,90 -24,5 4,00 -23,6 4,20 -22,6 4,60 -21,8 4,90 -21,2 5,40 -21,2

Tabela 2.1: Lei de Resfriamento Radiativo adotada por Hartmann et al. (1982) Magnetoaccretion funnel temperature

0 1 2 3 Radius (R*) 6500 7000 7500 8000 8500 Temperature (K)

Figura 2.3: Exemplo de estrutura de temperatura dentro das colunas de acrec¸˜ao calculada pelo m´etodo descrito em Hartmann et al. (1982), e utilizada por Hartmann et al. (1994). R ´e a posic¸˜ao radial de um ponto dentro do funil de acrec¸˜ao, em coordenadas cil´ındricas, em unidades de R.

ele ´e determinado de maneira praticamente “ad-hoc”, e o modelo de Martin (1996), apesar de ter sido desenvolvido de maneira auto-consistente, n˜ao consegue reproduzir as observac¸˜oes. Isto nos leva a crer que ainda ´e necess´ario realizar estudos mais detalhados dos processos de aquecimento e de resfriamento dentro dos funis de acrec¸˜ao.

Utilizando os parˆametros t´ıpicos para uma ETTC e a Eq. (2.33), encontramos velocidades da ordem de centenas de km s−1para o g´as logo acima da superf´ıcie da estrela. Na regi˜ao de choque com a fotosfera da estrela, o g´as ´e desacelerado abruptamente e se aquece at´e temperaturas de ≃106K, o que o faz emitir fortemente em raios-X. A regi˜ao ao redor do choque ´e opticamente

espessa, e os raios-X produzidos pelo choque s˜ao quase instantaneamente reabsorvidos local- mente e reemitidos na regi˜ao do ´optico e do ultravioleta (Calvet & Gullbring 1998; Gullbring et al. 2000). Este processo termaliza a regi˜ao do choque, criando as chamadas manchas quentes, exatamente onde o campo magn´etico intercepta a superf´ıcie estelar. Este fenˆomeno ´e a fonte do excesso de ultravioleta e ´optico observado nestes objetos. Se considerarmos que toda a energia cin´etica da queda-livre ´e termalizada e transformada em energia radiativa na regi˜ao da mancha quente, e, novamente, considerarmos que a mancha ´e um anel ao redor dos polos da estrela con- tido pelos ˆangulos θie θo, a luminosidade da mancha, LHS, pode ser escrita como (Hartmann et al.

1994) LHS = GMM˙acr R " 1 2R(rmo+ rmi) # . (2.47)

Se a mancha quente irradia como um corpo negro, sua luminosidade pode ser escrita, tamb´em, como

LHS = 2

Z θi

θo

2πR2sen θdθσRTHS4 , (2.48)

onde σR ´e a constante de Stephan-Boltzmann, e THS ´e a temperatura da mancha quente. Resol-

vendo, encontramos THS = " LHS 4πR2 ∗σR(cos θo− cos θi) #1/4 . (2.49)

Usando esta equac¸˜ao, encontramos um valor de THS ´unico para toda a mancha, ou, neste caso,

para todo o anel de acrec¸˜ao. Al´em disso, podemos notar que a temperatura vai depender, basica- mente, dos valores da taxa de acrec¸˜ao de massa e da velocidade de choque do g´as com a fotosfera da estrela (j´a que a luminosidade da mancha quente depende da distˆancia na qual o fluxo comec¸a a cair em queda-livre na estrela).

Outra equac¸˜ao para THS foi derivada por Romanova et al. (2004), e considera que, al´em da

convers˜ao da energia cin´etica em energia radiativa, a energia interna do g´as tamb´em se converte em energia radiativa. Nesse caso, THS pode ser calculada a partir da equac¸˜ao

THS =       ρ|vr| σR 1 2v 2+w !2      1/4 , (2.50)

onde w=γ(γ− 1)(p/ρ) e representa a entalpia espec´ıfica do g´as. Os valores de p e γ representam a press˜ao e o ´ındice adiab´atico do g´as/plasma. Neste modelo, a temperatura da mancha quente n˜ao ´e ´unica, e varia com a posic¸˜ao dentro da mancha, dependendo, al´em da taxa de acrec¸˜ao de massa e da velocidade de choque do g´as, tamb´em das propriedades do material sendo acrescido. O valor t´ıpico que se costuma usar para THSem uma ETTC ´e da ordem de 8000 K.

As equac¸˜oes acima apresentam v´arias simplificac¸˜oes que ajudam no tratamento num´erico do fenˆomeno da acrec¸˜ao magnetosf´erica. Apesar das aproximac¸˜oes, o modelo ´e amplamente utilizado, e v´arios resultados interessantes podem ser obtidos atrav´es dele, resultados estes prin- cipalmente relacionados `a formac¸˜ao das linhas espectrais magnetosf´ericas, e que ser˜ao discutidos mais adiante (ver Sec¸˜ao 5.1).