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Capítulo II – A Concorrência

3. Apreciação e interpretação da legislação de defesa da concorrência

3.7. O abuso de dependência económica

A figura do abuso de dependência económica (também denominada de posição

dominante relativa), sem consagração expressa no Direito da União Europeia206, encontra-se

plasmada no artigo 12.º da Lei n.º19/2012 já supra citado (ver em especial o n.º 2, onde

constam os exemplos de situações abusivas).

A figura em causa surgiu, a nível nacional, com o DL nº 371/93 (art. 4º), na senda da

Lei da Concorrência francesa de 1986 (em especial o nº2 do art. 8º da Ordonnance nº

86/1243, de 01.12.1986). Na vigência deste diploma, no que concerne ao abuso de dependência económica, o Conselho da Concorrência proferiu duas decisões de condenação, ambas atinentes a práticas anticoncorrenciais na distribuição de cerveja: processo nº 3/98 (caso Centralcer) e processo nº 2/99 (caso Unicer); em ambos os casos estava em causa a dependência dos distribuidores em relação aos produtores. De realçar, que naquela altura ainda não era feita qualquer referência à suscetibilidade de afetação do funcionamento do mercado ou a estrutura da concorrência, tendo tal requisito apenas surgido com a Lei nº18/2003.

Trata-se de uma prática restritiva da concorrência, referindo-se aos casos em que a ascendência de uma empresa em relação a outra é explorada abusivamente, e foi precisamente pensada para as relações verticais (entre produtores e distribuidores). Pretende-se com a consagração legal desta figura abranger aquelas empresas que apesar de deterem grande poder económico, não possuem uma posição dominante de acordo com o art.102º TFUE/ art. 11º LdC, ou seja, ―esta figura surge na exata medida em que aquela que a precede – a do abuso de

posição dominante – é insuficiente para prevenir certos comportamentos anticoncorrenciais‖ 207,

sendo assim necessário que as empresas em causa não preencham os requisitos do art. 102º.

205

Bibliografia essencial a consultar para este tema: MARIANO PEGO, A Posição Dominante Relativa no Direito da

Concorrência, Almedina, Coimbra, 2001; VICTOR CALVETE, «Abuso de Posição Dominante II: o abuso de dependência

económica», in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Aníbal de Almeida, Coimbra Editora, Coimbra, 2012, pp. 289-315;

MIGUEL MOURA E SILVA, Direito da Concorrência – uma introdução jurisprudencial, Almedina, Coimbra, 2008; JOSÉ ENGRÁCIA ANTUNES, «Contratos Comerciais - Noções fundamentais», Direito e Justiça, vol. especial, Universidade Católica Portuguesa,

Faculdade de Direito, 2007, pp.152-155; FERNANDO A. FERREIRA PINTO, op. cit., pp.157-169 (aborda o tema de forma

interessante distinguindo a dependência económica da figura propriamente dita existente na LdC, que aqui apenas pretende evitar comportamentos anticoncorrenciais).

206

Não obstante, é possível encontrar ordenamentos jurídicos de alguns Estados-Membros da UE com a consagração de figuras similares (ordenamento jurídico alemão, 1973; austríaco, desde 19 de outubro de 1988; italiano, 2001; e o grego,

desde a alteração introduzida pela Lei 2000/91 à sua lei de defesa da concorrência de 1977). Cfr. VICTOR CALVETE, op. cit.,

p.295, nota 11.

207

«Comentários a nova lei da concorrência (Decreto-Lei 371/93 de 29 de Outubro)», JOÃO DE MENEZES FERREIRA e

De sublinhar, ainda, que tal como no abuso de posição dominante, o que é proibido é o abuso em si e não a relação de dependência existente entre as partes.

Nas palavras da Autoridade da Concorrência ―o abuso de dependência económica é

uma prática que decorre da utilização ilícita por parte de uma empresa do poder ou ascendente de que dispõe em relação a outra empresa, que se encontra em relação a ela num estado de dependência, por não dispor de alternativa equivalente para fornecimento dos bens ou prestação

dos serviços em causa‖ 208.

Face ao consagrado na lei, importa realçar as seguintes características fundamentais para a existência de um abuso de dependência económica:

i) A figura in casu foi construída tendo como base as relações bilaterais verticais.

Precisamente por isso, a verticalidade é um requisito a preencher. A relação de dependência tanto se pode observar do lado do produtor/fornecedor, como do distribuidor, realce-se209.

ii) A empresa que se encontra sob dependência não deve dispor de alternativas

equivalentes. Considera-se que inexistem tais alternativas quando o fornecimento do produto ou serviço em causa é garantido apenas por um número limitado de empresas no mercado e a empresa dependente não consegue obter idênticas condições num prazo dito razoável (nº3, art.12º). Fatores por exemplo, como a (im)possibilidade de a empresa facilmente se poder libertar da situação de submissão em que se encontra são determinantes para aferir do estado de dependência. A falta de alternativa pode prender-se com

os investimentos realizados (tipo, valor ou montante)210 ou com o facto das

outras empresas presentes no mercado imporem encargos notoriamente

excessivos face aos previamente suportados pela empresa dependente211.

208

Citação retirada a 03.11.2014 do seguinte endereço:

http://www.concorrencia.pt/vPT/Praticas_Proibidas/Praticas_Restritivas_da_Concorrencia/Abuso_de_Dependencia_Economic a/Paginas/Abuso-dependencia-economica.aspx

209

O próprio autor ANTÓNIO PINTO MONTEIRO, Direito Comercial…, cit., pp. 50-51, chama a atenção para a relação de

dependência que está a surgir do lado do fornecedor em prol do distribuidor (setor da grande distribuição).

210

Por exemplo, pense-se num concessionário de veículo automóveis, que para cumprir as determinações do concedente (contratação de pessoal especializado, construção de armazéns devidamente equipados…) realizou investimentos avultadíssimos que só a longo prazo estarão integralmente pagos.

211

iii) A empresa que exerce a dominância sobre a outra deve adotar determinados comportamentos que sejam considerados abusivos. O nº2 do artigo em questão fornece um catálogo exemplificativo de situações consideradas abusivas.

iv) A conduta só é proibida, sublinhe-se, se a par com os outros requisitos for

suscetível de afetar o funcionamento do mercado ou a estrutura da concorrência212.

De realçar, e transcrevendo um excerto do Acórdão do TRL de 04.10.2011213, que ―todos

esses elementos integrativos do tipo legal do abuso da dependência económica configuram factos constitutivos da proibição estatuída e da correspondente sanção civil, recaindo o respetivo ónus probatório sobre a parte que desta se pretenda valer, nos termos do n.º 1 do artigo 342.º do CC, ainda que o possa conseguir através da prova de factos indiciários‖.

No que concerne às circunstâncias suscetíveis de gerar dependência económica podemos salientar, desde logo, quatro: i) ―dependência em função da escassez‖ (monopólio dos bens por determinadas empresas, devido ao seu acesso escasso, o que torna assim quem a elas

acede dependente); ii) ―dependência em função do sortimento‖ (obrigatoriedade do distribuidor

oferecer produtos de certas marcas conhecidas para assim ter capacidade concorrencial); iii) ―dependência em função da relação entre as empresas‖ (quanto mais duradoura for a relação mais dependente o distribuidor se encontrará, em função dos elevados investimentos realizados e obrigações assumidas); iv) ―dependência em função da procura‖ (inexistência de alternativas

adequadas do lado da procura)214.

Por outro lado, mas na mesma senda, quanto ao estado de dependência económica

propriamente dito, o autor MARIANO PEGO socorrendo-se dos ensinamentos da doutrina e

jurisprudência francesa, recorre a quatro elementos indicadores para apreciar a dependência

dos distribuidores em relação aos fornecedores215: «1) notoriedade da marca; 2) quota de

mercado do fornecedor; 3) parte representada pelos produtos do fornecedor no volume de

212

Nas palavras do autor FERNANDO A. FERREIRA PINTO, Contratos de Distribuição…, cit., p. 169, ―aquilo que ao

legislador interessa é, portanto, o risco que determinadas práticas apresentam para o nível de competição entre as empresas, existente em determinado sector; fora desse âmbito, o abuso de dependência não se mostra relevante, tendo em conta os fins concretamente prosseguidos pela lei que consagra o instituto: a protecção do mercado‖.

213

Disponível em www.dgsi.pt, processo nº107/2001.L1-7.

214

JOSÉ PAULO MARIANO PEGO, «Artigo 12º - Abuso de dependência económica», in Lei da Concorrência: Comentário Conimbricense, Miguel Gorjão-Henriques (Dir.),Almedina, Coimbra, 2013,pp.167-168.

215

negócios do distribuidor; 4) possibilidade que este tem de obter, junto de outros fornecedores,

―produtos equivalentes‖» 216.

Deste modo, quanto maior for a notoriedade da marca, a participação do fornecedor no mercado e o peso dos seus produtos no volume de negócios do distribuidor, maior será o estado de dependência económica. Por outro lado, quanto maior for a possibilidade para o distribuidor de adquirir, a curto prazo, produtos equivalentes aos do fornecedor, menor será então o estado de dependência. O que importa aqui realçar é que nenhum dos critérios deve ser analisado isoladamente, sob pena de conclusões precipitadas.

Já quanto à dependência económica relativamente aos fornecedores/produtores, ou

seja, a dependência destes em relação aos seus distribuidores, MARIANO PEGO sempre auxiliado

pelos ensinamentos do ordenamento jurídico francês, recorre igualmente a quatro critérios para tal apreciação: «1) importância das relações com aquele distribuidor no volume de negócios do fornecedor; 2) peso do distribuidor na comercialização do produto em causa; 3) razões que levaram à concentração de vendas junto de certo cliente (mera escolha ou necessidade técnica

sentida pelo produtor); 4) existência de ―soluções alternativas‖» 217.

3.8. Restrições à concorrência: quando podem ser autorizadas? A