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Capítulo II – A Concorrência

3. Apreciação e interpretação da legislação de defesa da concorrência

3.6. A proibição do abuso de posição dominante

3.6.2. A Posição Dominante

3.6.2.3. O abuso propriamente dito

O que releva é a empresa em questão, a partir de determinados comportamentos, abusar da sua posição dominante. É este comportamento abusivo que é sancionado e que

levanta problemas concorrenciais195.

Ora, há desde logo que atentar que existem duas categorias principais de abuso: os abusos por exclusão e os abusos por exploração. Um abuso por exclusão corresponde, nas

palavras de MIGUEL MENDES PEREIRA, ―a um comportamento pelo qual uma empresa em

posição dominante procura manter ou aumentar o seu poder de mercado prejudicando os seus concorrentes, impedindo ou dificultando a sua entrada no mercado, debilitando a respectiva

posição concorrencial ou excluindo-os mesmo do mercado‖ 196 (por exemplo, prática de preços

191

Op. cit., p.294.

192

Nas palavras de JOÃO CALVÃO DA SILVA, Banca, Bolsa e Seguros…, cit., p.353, ― fala-se de posição dominante

colectiva quando os comportamentos das empresas coenvolvidas são interdependentes, paralelos ou o resultado de um cartel, sejam sociedades independentes ou sociedades pertencentes ao mesmo grupo e estejam numa relação horizontal ou vertical: decisiva é a correlação entre as empresas que detém colectivamente uma posição dominante, traduzida em linha de acção comum ou comportamento uniforme no mercado relevante‖.

193

V. considerações supra explanadas a este respeito.

194

«Artigo 102º», cit., p. 501.

195

O abuso de posição dominante é por si só proibido – se preenchidos os requisitos -, não sendo necessária uma

decisão prévia da Comissão Europeia ou da Autoridade Nacional da Concorrência (art.1, nº3 do Regulamento nº1/2003).

196

predatórios, a compressão de margens, a recusa de fornecimento…). Já um abuso por

exploração consiste num ―comportamento (por exemplo, preços excessivos, condições não

equitativas ou discriminação) pelo qual a empresa dominante explora as possibilidades que lhe são oferecidas pelo seu poder de mercado para prejudicar directamente os seus clientes ou parceiros comerciais‖ 197.

De realçar que o conceito de abuso de posição dominante assume uma natureza intrinsecamente objetiva, ou seja, exige-se apenas a verificação do facto propriamente dito, sem serem necessárias análises posteriores acerca da concreta intenção das partes.

Nas palavras do Tribunal Geral, no caso Clearstream Banking/Comissão, o

―comportamento de uma empresa em posição dominante pode considerar-se abusivo, na aceção do artigo, independentemente de qualquer culpa (…). Por conseguinte, o argumento das recorrentes, segundo o qual não prosseguiram qualquer objetivo anticoncorrencial, é irrelevante para a qualificação jurídica dos factos. Neste contexto, a demonstração do objetivo das recorrentes de adiar a abertura do acesso com o intuito de impedir um cliente e concorrente do Grupo Clearstream de prestar os seus serviços de forma eficaz pode reforçar a conclusão da

existência de um abuso de posição dominante, mas não é uma condição de tal existência‖ 198.

Ou seja, a circunstância de as partes não terem em específico qualquer intenção

anticoncorrencial não é um argumento a utilizar de per se como meio de defesa. O

preenchimento do artigo 102º do TFUE basta-se com o elemento objetivo, não necessitando assim da verificação da componente subjetiva. De frisar que este entendimento resulta quer da

jurisprudência do TJUE, quer da doutrina199.

NUNO RUIZ, em anotação ao artigo em questão, sublinha que ―o comportamento abusivo tem de ter consequências ao nível da exploração do consumidor, da evicção de concorrentes ou da modificação da estrutura do mercado, ou, pelo menos, tem de ser apto a tê-las. No entanto, o objetivo de conquistar clientes ou de aumentar o volume de negócios e os lucros, é por norma legítimo, pelo que a fronteira entre o que constitui e não constitui um abuso pode não ser

197

Op. cit., p. 173.

198

Acórdão do Tribunal Geral, de 09.09.2009, Proc. T-301/04, Clearstream Banking/Comissão

199

Cfr., a título de exemplo, o Acórdão Hoffmann – La Roche & Co./Comissão, Proc. 85/76, Col. 1979, ponto 91;

Acórdão do TG de 30.09.2003, Proc. T-203/01, Michelin/Comissão, Col. 2003 II -04071, ponto 54 (ter em conta igualmente a

jurisprudência aí referida); Acórdão do TG de 01.04.1993, Proc. T-65/89, BPB Industries e British Gypsum/Comissão, Col. p. II

389, ponto 70; Acórdão do TG de 23.10.2003, Proc. T-65/98, Van den Bergh Foods/Comissão, Col. 2003 II – 04653, ponto

evidente, carecendo de ser traçada com o auxílio de prova suficiente e de uma análise

económica robusta, tendo em atenção os objetivos de atuação da empresa e os seus efeitos‖200.

O art. 102º contempla nas suas alíneas várias situações exemplificativas de práticas abusivas, como a prática de preços e de condições de venda não equitativos (v.g. preços e margens excessivos, preços predatórios e de esmagamento de margens - alínea a.), os comportamentos limitativos da produção, distribuição ou desenvolvimento técnico em prejuízo dos consumidores (v.g. obrigações de compra exclusiva e de não concorrência, as restrições de

revenda a certos clientes e em determinadas áreas geográficas, as recusas de venda – alínea

b.), as práticas discriminatórias em relação aos parceiros comerciais (v.g. práticas discriminatórias em relação aos preços ou condições de transacção - alínea c.) e os contratos vinculados (condutas usualmente designadas por tying ou bundling – alínea d.).

O art. 11º da Lei nº19/2012, além de estipular os mesmos exemplos supra referidos,

nas suas alíneas a) a d), acrescenta ainda uma outra forma possível de exploração abusiva de uma posição dominante.

Dispõe assim a sua alínea e): ―recusar o acesso a uma rede ou a outras infraestruturas

essenciais por si controladas, contra remuneração adequada, a qualquer outra empresa, desde que, sem esse acesso, esta não consiga, por razões de facto ou legais, operar como concorrente da empresa em posição dominante no mercado a montante ou a jusante, a menos que esta última demonstre que, por motivos operacionais ou outros, tal acesso é impossível em condições de razoabilidade‖. Trata-se no fundo de uma concretização do já previsto na alínea b) de ambas as legislações201.

De realçar que muitas das condutas abusivas levadas a cabo não se inserem facilmente

no âmbito de aplicação das alíneas supra aludidas ou então enquadram-se em mais do que

uma.

200

«Artigo 102º», cit., p. 502.

201

Cfr. JOÃO CALVÃO DA SILVA, Banca, Bolsa e Seguros, cit., pp.359-360, quanto á explicação histórica da

3.6.3. Sanções Legais