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Capítulo III – A Compatibilidade do Contrato de Concessão Comercial com as

2. As (potenciais) práticas restritivas da concorrência

2.3. Descontos condicionais

Com a expressão descontos condicionais pretendemos referir-nos àqueles descontos ―que são atribuídos em função do comportamento de compras da entidade beneficiária,

procurando recompensá-la pela concentração das mesmas junto da empresa que os concede‖307.

304

Cfr. MARIA HELENA BRITO, op. cit., p. 261.

305

Acórdão do TJ de 13.02.1979, proc. 85/76, ponto 107, 2º parágrafo.

306

Outras designações como ―descontos de fidelidade‖ e ―descontos de lealdade‖ também podem ser apontadas. Não obstante, preferimos utilizar o termo ―descontos condicionais‖ tendo em conta que é precisamente essa a terminologia

utilizada pela Comissão na suaComunicação — ―Orientação sobre as prioridades da Comissão na aplicação do artigo 82º do

Tratado CE a comportamentos de exclusão abusivos por parte de empresas em posição dominante‖ (adiante designada por ―Orientação sobre o art. 82º‖).

307

Estes descontos podem adotar diversas formas, desde a mais simples em que existe um abatimento no preço fixado em troca de uma certa lealdade, àquelas em que os descontos só são concedidos a partir de um determinado nº de produtos adquiridos pelo concessionário (por exemplo, se o concessionário adquirir 1000 unidades do produto em causa recebe um desconto, caso contrário será aplicável o preço normal). Podem também adotar formas ainda mais complexas, em que a atribuição de descontos fica dependente do alcance de determinados

objetivos, como por exemplo, aumentar o volume de compras atingido no ano anterior308.

Os descontos condicionais são atribuídos como forma de retribuir o concessionário por certos comportamentos de compra levados a cabo, como por exemplo, a aquisição de x

produtos por um determinado período de tempo309. Podem ser retroativos ou progressivos,

consoante o desconto seja concedido sobre a totalidade das compras ou apenas sobre os produtos adquiridos acima do limiar imposto, respetivamente. Os descontos condicionais atribuídos também podem ser descontos por objetivos de compras: aqui há que distinguir entre descontos individualizados (―os que têm por base uma percentagem sobre o total de pedidos do cliente, i.e. em que o objetivo de volume é individualizado‖ ), e os descontos normalizados (―aqueles em que o objetivo é igual para todos os clientes ou para um mesmo grupo de clientes‖)310.

Nas palavras do Acórdão do Tribunal de Justiça, de 13 de fevereiro de 1979311,

―O desconto de fidelidade, ao contrário dos descontos de quantidade, relacionados exclusivamente com o volume das compras efetuadas junto do produtor interessado, tem por objetivo impedir o abastecimento dos clientes junto dos produtores concorrentes através da

concessão de uma vantagem financeira‖.

A atribuição de descontos condicionais são uma prática corrente, adotada por empresas de diferentes áreas, com ou sem posição dominante. Como realça a Comissão Europeia as

empresas oferecem ―este tipo de desconto para atraírem os clientes e, desta forma, podem

estimular a procura e beneficiar os consumidores‖ 312.

308

Ibidem.

309

Por contraposição aos descontos não condicionais que são atribuídos ―em função de uma qualquer característica

que não se relaciona com o comportamento dos clientes enquanto compradores do produto, e aplicam-se a todas as compras que estes efetuem, independentemente do seu comportamento enquanto comprador. É o caso dos descontos oferecidos apenas a clientes situados numa determinada região mais exposta a outros fornecedores, ou a clientes de uma certa idade‖ – RICARDO BORDALO JUNQUEIRO,op. cit., p.381.

310

RICARDO BORDALO JUNQUEIRO, op. cit., p.381.

311

Processo 85/76, Caso Hoffmann – La Roche c. Comissão, pág. 252, ponto 90.

312

De realçar, porém, que os descontos podem levantar sérios problemas precisamente quando praticados por empresas em posição dominante, suscitando mais uma vez idênticas preocupações às dos acordos exclusivos, uma vez que contribuem para o encerramento do acesso ao mercado por parte das empresas adversárias (encerramento horizontal do mercado)313.

Neste sentido caminhou precisamente a Comissão, na sua ―Orientação sobre o artigo

82º‖, defendendo o seguinte:

―Este tipo de desconto — quando oferecido por empresas dominantes — pode produzir efeitos efetivos ou potenciais de encerramento semelhantes aos das obrigações de compra exclusiva. Os descontos condicionais podem produzir esses efeitos sem constituírem

necessariamente um sacrifício para a empresa dominante‖ 314.

De notar que nesta situação a probabilidade de encerramento do mercado é maior quando as empresas concorrentes não podem competir em igualdade de circunstâncias quanto

à procura de cada cliente315. Pense-se no caso em que a empresa dominante é um ―parceiro

comercial inevitável‖, pelo menos no que concerne a uma parte da procura. Isto pode suceder

porque, por exemplo, a marca da empresa é um ―produto incontornável‖316.

A existência de descontos acarreta uma descida do preço final a pagar para quem adquire os produtos à empresa em questão e cumpre com os requisitos, situação que tem bastante peso no momento da escolha do fornecedor: se o concessionário tem conhecimento de que se comprar os produtos a outra empresa concorrente perde os seus descontos claramente que tal compra será a seu ver não muito desejada. De notar que o uso de um sistema de

313

Consultar com bastante interesse para o caso as seguintes decisões, em que os descontos condicionais foram

analisados (e sancionados) aquando da sua utilização por uma empresa em posição dominante: caso Hofman-La Roche

(Acórdão TJ de 13.02.1979, Processo 85/76, Caso Hoffmann – La Rochec. Comissão, Col. 1979-I, p. 217); caso Michelin I

(decisão da Comissão de 07.10.1981, Proc. IV/29.491, Bandengroothandel Frieschebrug BV/NV Nederlandsche Banden-

Industrie Michelin, JOUE 1981, L 353, p. 33; Acordão do TJ de 09.11.1983, Proc. C-322/81, Michelin/Comissão, Col. 1983

03461); caso Irish Sugar (decisão da Comissão de 14.05.1997, Proc. IV/34.621,35.059/F-3 – Irish Sugar plc, JOUE L 258, p.

1; Acórdão do TG de 07.10.1999, Proc. T-228/97 Irish Sugar/Comissão, Col. 1999- II 2969); caso Michelin II (Acórdão TG, de

03.09.2003, Proc. T-203/01, Michelin/Comissão, Col. 2003 II-04071); caso Solvay (decisão da Comissão de 19.12.1990, Proc.

IV/33.133D: Carbonato de Sódio –ICI, JOUE 1991, L 152; acórdão do TG de 17.12.2009, Solvay/Comissão, Proc. T 57/01,

Col. 2009 II-04621. Este acórdão foi anulado pelo TJ, no âmbito do proc. C-109/10 P de 25.10.2011, por violação dos direitos

de defesa); caso Intel (decisão da Comissão, de 13.05.2009, cujo sumário foi publicado no JOUE C 227, de 22.09.2009, p. 13;

acórdão do TG, Intel Corp./Comissão, proc. T-286/09) e caso Tomra (decisão da Comissão de 29.03.2006, proc. COMP/E-

1/38.113, Prokent-Tomra, cujo sumário foi publicado no JOUE C 219, de 28.08.2008, p. 11; acórdão do TG de 09.09.2010,

proc. T 155/06, Tomra/Comissão; acórdão do TJ de 19.04.2012, Tomra/Comissão, proc. C 549/10 P).

314

Ponto 37.

315

Ponto 39, ―Orientação sobre o art. 82º‖.

316

Ver processo T-203/01, Michelin/Comissão (Michelin II), Col. 2003, pontos 162 e 163. Ver, igualmente, processo

descontos de fidelidade acaba por conduzir à eliminação da liberdade de escolha do concessionário, assim como a um reforço da posição dominante que a empresa concedente detém. Ora, isto pode ter um sério impacto no mercado da concorrência, com efeitos negativos a apontar para o seu lado.

De uma forma geral, quanto maior for o desconto atribuído maior será a probabilidade de encerramento do mercado, com a exclusão de empresas concorrentes (atuais ou potenciais, sublinhe-se)317.

Como defendeu o Tribunal de Justiça, no Acórdão supra referido318:

― (…) Os descontos de fidelidade têm como efeito a aplicação de condições desiguais a parceiros comerciais no caso de prestações equivalentes, na medida em que dois compradores de uma mesma quantidade de um produto pagam um preço diferente consoante se abasteçam exclusivamente junto da empresa em posição dominante ou diversifiquem as suas fontes de abastecimento.

(…) Estas práticas visam reforçar a posição dominante de uma empresa detentora dessa posição, em especial, num mercado em expansão, mediante uma concorrência que não está baseada em prestações e, consequentemente, falseada‖.

No que concerne aos descontos retroativos e progressivos, os retroativos são os que de uma forma geral são mais passíveis de encerrar o mercado de forma substancial, ―na medida em que podem tornar menos atrativa para os clientes a possibilidade de transferirem pequenas quantidades da procura para um fornecedor alternativo se esta decisão tiver como consequência

a perda de descontos retroativos‖ 319. A atribuição por uma empresa em posição dominante de

―descontos por cumprimento de objetivos individualizados‖ também corre um maior risco de originar efeitos anticoncorrenciais.

Há que analisar efetivamente se os descontos colocam entraves ao desenvolvimento das empresas que já se encontram no mercado e/ou barreiras à entrada de novas. Nesta senda, a

Comissão Europeia ―procederá à estimativa do preço que uma empresa concorrente teria de

oferecer, por forma a compensar o cliente pela perda do desconto condicional no caso de este último transferir uma parte da sua procura («a fração relevante») em detrimento da empresa dominante. O preço real com o qual a empresa concorrente tem de se alinhar não é o preço médio da empresa dominante, mas o preço normal (tabela) menos o desconto perdido pelo

317

―Orientação sobre o art. 82º‖, ponto 40.

318

Processo 85/76, Caso Hoffmann – La Roche c. Comissão, pág. 252, ponto 90.

319

cliente por ter procedido à transferência, calculado sobre a fração relevante das vendas e o período pertinente‖ 320.

Não se olvide que nestas situações, em que uma empresa dominante concede descontos, as restantes empresas para competirem com aquela, atraindo os distribuidores, têm de praticar preços abaixo dos que a outra pratica, o que pode em muitos casos consubstanciar- se em algo se não impossível bastante difícil para pequenas e médias empresas, que não detêm naturalmente a margem de manobra dos grandes potentados económicos.

A concessão de descontos condicionais por uma empresa em posição dominante, com os seus efeitos negativos, pode ser considerada um comportamento abusivo e como tal anticoncorrencial, tanto por via do artigo 102º, alínea b), do TFUE como pelo artigo 11º, nº2,

alínea b) da Lei nº19/2012321.

Não obstante, nem só efeitos negativos devem ser apontados uma vez que estes podem ser suplantados pelos efeitos positivos existentes. Por exemplo, o sistema de descontos (progressivos) pode revelar-se necessário de modo a incentivar os concessionários a aumentar o volume de negócios ou possibilitar uma redução dos preços praticados aos clientes finais, devido

à poupança obtida, o que estimula assim as vendas322.

Na realidade nunca devemos partir do pressuposto que um desconto condicional –

praticado por uma empresa em posição dominante – traduz-se automaticamente em efeitos

anticoncorrenciais. Bom senso e cuidado na análise são aqui requeridos atente-se. Deste modo há que ponderar os prós e contras de modo a retirar a melhor conclusão do caso. Como frisa

RICARDO BORDALO JUNQUEIRO ―uma abordagem que leve à censura com base na forma é, a

nosso ver, desaconselhável, sendo mais apropriada uma análise casuística com base nos efeitos da prática‖ 323.

Por conseguinte, a verificação de um abuso de posição dominante, resultante da atribuição de descontos condicionais (ou de outras obrigações de exclusividade aliás) exige o preenchimento de três pressupostos: i) a existência de uma posição dominante pela empresa

320

―Orientação sobre o artigo 82º‖, ponto 41.

321

Como sabemos o elenco de práticas abusivas é exemplificativo, pelo que um determinado comportamento para ser proibido não necessita de estar previsto nas alíneas em questão, bastando para o efeito enquadrar-se na proibição geral da

disposição legal em causa (i.e. primeira parte do art.102º TFUE e nº1 do artigo 11º da Lei 19/2012).

322

Ver o processo Michelin II, pontos 56 a 60, 74 e 75.

323

que atribui os descontos; ii) a existência de exclusividade, neste caso induzida pelos descontos, e

efeitos anticoncorrenciais; iii) ausência de uma justificação objetiva324.