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Capítulo III – A Compatibilidade do Contrato de Concessão Comercial com as

2. As (potenciais) práticas restritivas da concorrência

2.6. Imposição de quotas mínimas de aquisição

Como já supra referimos é bastante comum incluir-se no contrato de concessão

comercial uma cláusula de aquisição mínima, ou seja, uma cláusula em que o concessionário obriga-se durante um certo período a comprar uma determinada quantidade mínima de produtos; por vezes a obrigação em causa estende-se igualmente à aquisição de peças de substituição e acessórios.

Ora estas cláusulas podem acarretar impactos negativos no que ao funcionamento do

mercado diz respeito. Nas palavras de MARIA HELENA BRITO, ―a imposição de uma quantidade

mínima de compras (ou de um volume de negócios mínimo) é susceptível de conduzir indirectamente à limitação do número e da implantação de pontos de distribuição do produto. Esta imposição está na base de uma selecção quantitativa dos distribuidores, geralmente condenada por restritiva da concorrência, em virtude de poder conduzir à exclusão de operadores económicos que todavia preencham os requisitos objectivos de qualificação (selecção qualitativa)‖ 342.

Ao impor ao concessionário uma cláusula de quotas mínimas este fica obrigado a adquirir uma determinada quantidade dos produtos ao concedente, o que pode conduzir a que o concessionário abstenha-se, durante um determinado período de tempo, de abastecer-se junto de outros fornecedores concorrentes, bem como pode dificultar o acesso ao mercado de outros

produtores, dependendo do real alcance da cláusula. Como realça MARIA HELENA BRITO, ―se

bem que a chamada cláusula de quotas diga respeito aos contratos a celebrar entre concedente

e concessionário, ela pode ter repercussões no funcionamento do mercado‖ 343.

Ao abrigo das regras da concorrência a imposição de compras mínimas é passível de enquadramento nos termos da alínea b) do nº1 do art.101º do TFUE e da alínea b) do artigo

102º do TFUE (al. b), nº1 do art.9º e alínea b), do nº2, do art. 11º da LdC) -―limitar ou controlar

342

Op. cit., p. 249 e nota 36.

343

a produção, a distribuição, o desenvolvimento técnico ou os investimentos‖ -, principalmente quando essas cláusulas são seguidas de penalizações.

Com a imposição desta cláusula o concedente garante um escoamento mínimo dos seus produtos, o que confere uma certa estabilidade à sua produção, e permite-lhe antever as encomendas dos seus concessionários e preparar-se para o efeito, uma vez que sabe sempre o número mínimo de pedidos a que irá responder. A inserção de uma obrigação de compra de quantidades mínimas pode ajudar a serem alcançadas economias de escala na distribuição e

deste modo obter preços mais atrativos344.

No entanto, esta cláusula pode ser uma forma indireta de induzir o concessionário a concentrar as suas compras apenas junto de determinado fornecedor, abstendo-se de adquirir os produtos em causa a outros concorrentes. Nas palavras da Comissão Europeia, ―a obrigação de compra de uma determinada quantidade, imposta ao comprador, é uma forma mais fraca de não concorrência, em que os incentivos ou as obrigações acordadas entre o fornecedor e o comprador fazem com que este último concentre as suas compras em grande medida num único fornecedor. Esta obrigação pode, por exemplo, assumir a forma de exigências mínimas de

compra…‖ 345.

Pense-se por exemplo no caso em que o mínimo imposto corresponde na realidade às necessidades totais do concessionário, ou porque o concedente conhece o normal volume de negócios daquele concessionário ou porque o número imposto é demasiado alto o que conduzirá a que o concessionário não tenha qualquer possibilidade de sequer equacionar a hipótese de encomendar os produtos em causa a outros fornecedores. Neste último caso falamos aqui das obrigações desproporcionadas de compras mínimas, suscetíveis de provocar efeitos anticoncorrenciais.

O poder de mercado que o concedente possui também é um importante fator a ter em linha de conta, com especial destaque para os casos em que o mesmo detém uma posição dominante. A utilização de uma cláusula de quotas por regra é aceitável numa situação normal de concorrência, mas há que abordar com cuidado os casos em que a cláusula é imposta num mercado em que a concorrência já se encontra reduzida. Dada a especial posição que o concedente ocupa no mercado, o concessionário pode ver-se obrigado na prática a nunca

344

Ponto 107, g), ―Orientações relativas às restrições verticais‖.

345

comprar os produtos a outras empresas concorrentes, com os efeitos negativos que daí emanam.

Não obstante, na realidade a maior parte dos problemas que normalmente estão associados a uma imposição de quotas mínimas prendem-se precisamente com as situações em que esta cláusula é estabelecida diretamente em conjunto com outras restrições verticais, como sejam uma cláusula de exclusividade de compra, o que é a prática mais usual. Nestes casos, o concessionário obriga-se, assim, expressamente a adquirir uma determinada quantidade mínima dos produtos objeto do contrato apenas ao concedente.

O caso Nestlé é um exemplo desta situação. Em 20.05.2006 a Autoridade da

Concorrência decidiu condenar a Nestlé Portugal, S.A. ao pagamento de uma coima de um

milhão de euros por violação da legislação da concorrência.

Estavam em causa contratos de fornecimento de café ao canal Horeca que continham

cláusulas restritivas da concorrência, contratos esses de adesão e que abrangiam todo o

território nacional. Em específico, a Nestlé impunha aos seus clientes obrigações de compra

exclusiva a par de obrigações de compra de determinadas quantidades (imposição de quotas mínimas), com duração incerta. Os contratos de fornecimento previam, aliás, que decorridos cinco anos de compra exclusiva de café da marca se o cliente não tivesse cumprido com as quotas mínimas o contrato era prolongado, sob pena de ter de pagar uma indemnização.

Nas palavras da Autoridade da Concorrência,

―As obrigações de não concorrência (o comprador não pode adquirir, vender ou revender bens ou serviços que entrem em concorrência com os bens ou serviços objecto do contrato de fornecimento), conjugadas com a imposição de compra de quantidades mínimas de café, resultavam na impossibilidade prática, para o cliente, de recorrer a outro fornecedor por um período sem termo certo.

Como efeito prático, este tipo de contrato condiciona a liberdade de escolha dos estabelecimentos do canal Horeca em relação aos seus fornecedores de café por largos períodos

de tempo, reduzindo a concorrência entre marcas‖ 346.

Esta decisão foi impugnada judicialmente pela Nestlé, tendo o Tribunal de Comércio de Lisboa devolvido o processo à AdC com vista à reformulação das peças processuais. Em 29.05.2008 a Autoridade da Concorrência adotou uma decisão de arquivamento com

346

Disponível em:

compromissos, tendo a Nestlé retirado as cláusulas em dissídio dos seus contratos de distribuição.

Deste modo, aquando da presença de uma cláusula de quotas mínimas há que apreciar com especial cuidado o acordo em que ela se insere e perceber se a mesma é combinada com outras cláusulas potencialmente restritivas da concorrência (por exemplo, obrigações de abastecimento exclusivo) e que no seu conjunto poderão assim acarretar graves efeitos anticoncorrenciais.

Tudo dependerá, assim, da análise particular da cláusula em questão: da maior ou

menor margem que é concedida ao concessionário para adquirir produtos concorrentes347, das

específicas quantidades mínimas que são impostas, do volume de negócios do concessionário, do contexto económico em que a cláusula se insere, da posição de mercado do concedente, etc.