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Acções compagináveis com uma utilização quotidiana dos espaços

5. Acções municipais de animação do espaço público

5.3. Acção cultural e recreativa

5.3.1. Acções compagináveis com uma utilização quotidiana dos espaços

espaços

Nas actividades compagináveis com uma animação quotidiana dos espaços, o seu teor de “coisa para ver e fazer” surge como particularmente relevante, não prescindindo de outros fins que, eventualmente, presidam à sua realização. Ao não inviabilizarem dinâmicas quotidianas de utilização dos espaços, pela sua escala, parece-me que o seu propósito primordial deverá ser o de as transformar / intensificar via um aumento do leque de possibilidades de envolvimento com o espaço e um incremento do conforto e agradabilidade do mesmo, assim aumentando o número de utilizadores e/ou a duração da sua estadia e/ou o leque de acções que os indivíduos desempenham no espaço. É pela sua adequação a dinâmicas quotidianas dos espaços e relativa reprodutibilidade (por serem pouco complexas dum ponto de vista logístico) que Alves (2003: 163) as considera preferenciais na animação dos espaços públicos: «programas mais modestos em escala, melhor distribuídos no tempo e com maior frequência das actividades mais apelativas pela sua diversidade (…) parecem responder melhor à harmonia e aproveitamento da utilização do espaço» comparativamente a eventos de maior escala, espalhados ao longo do ano, de onde resulta sobretudo a «transformação do uso (ou da sua intensidade) pela população apenas nos dias dessas ocorrências».

Recordando, muito brevemente, o disposto a propósito da potenciação deste tipo de ocorrências nos espaços públicos ao longo do trabalho, esta depende, naturalmente, de uma prática de gestão mais ou menos proactiva, mas também pode ser contemplada desde os momentos iniciais do acto projectual. Assim, no que à gestão concerne, esta pode ser sobretudo reactiva face a dinâmicas já instaladas, podendo adoptar postura mais ou menos laxista, ou, inversamente, adoptar atitude pró-activa na programação das mesmas, envolvendo audições de performers de rua prévias ao licenciamento da sua actividade ou, em última instância, a própria construção de um programa propriamente dito.

Depreende-se da eventual existência de licenciamento, audições ou de programação que critérios como a qualidade da performance ou o virtuosismo dos performers deverão presidir a estes actos (ainda que Whyte dê conta de entretenimento de rua agradavelmente mau, verdadeiros sucessos de público nas ruas nova-iorquinas). Não deverão ser, contudo, os únicos. Ainda que o até agora afirmado o possa sugerir, a programação de actividades deverá, sempre que possível, rejeitar uma instrumentalização da rua e da cidade como mero cenário; estas actividades deverão, no caso das artísticas, assumir-se como arte de rua e não uma mera arte na rua, trabalhando o espaço público como matéria-prima (Chaudoir, 1999).

Relembro, a este propósito, a valorização da existência de elementos trianguladores nos espaços públicos e da postura de “ver e conviver”, herdeira da figura do festival público de Rousseau, que defendi anteriormente. No fundo, trata-se de advogar a programação de actividades que, para além de tornarem a ambiência mais agradável, fomentem igualmente a convivialidade no espaço público, seja interacção entre pessoas, seja interacção destas com o espaço.

A relação da actividade de programação com o parâmetro da publicidade é potencialmente ambígua, havendo opções sensíveis a tomar entre actividades generalistas que agradem a um público alargado e outras, mais de nicho, que, apesar de apelo mais restrito, frisem a diversidade intrínseca ao contexto urbano. Estas questões serão mais aprofundadas, conforme dito anteriormente, aquando da discussão da organização de eventos de maior dimensão.

Independentemente do conteúdo das actividades, há outras tarefas, ainda no âmbito da sua programação, que caberão à administração do espaço, como a provisão de equipamento e material de apoio, a calendarização cuidada das actividades, a promoção da instalação de actividades complementares e a divulgação dos eventos. A administração do espaço deverá contemplar a ideia de possuir um stock adequado de, pelo menos, cadeiras, mesas, estrados e sistemas de amplificação. O momento da concepção dos espaços também pode jogar um papel nas acções culturais e recreativas para a animação dos espaços públicos, conforme adiantei aquando da apresentação das coisas para ver e fazer como factor de animação. Sintetizando, poderão ser fomentadas pela provisão, no mínimo, de espaços abertos ou, em alternativa, de espaços para palco, permanente ou temporário, que acolham facilmente outras utilizações quando não haja actividades programadas; para ambos, a sua localização deverá ter em conta os fluxos pedonais e a exposição solar e poderá procurar-se capitalizar eventuais desníveis existentes. Espaços onde se preveja a ocorrência frequente de eventos poderão prever dotação infra-estrutural específica para o efeito.

Todas estas considerações são muito orientadas por uma noção algo estrita de “actividade cultural e recreativa”, muito associada à arte e ao entretenimento de rua. É importante ressalvar, por isso, que há um conjunto de actividades que se posiciona na fronteira entre a administração urbanística e a acção cultural e recreativa, do qual o exemplo paradigmático serão as feiras ou mercados no espaço público. As exigências que farão ao espaço público dependerão bastante da sua dimensão e do quanto

transformam as dinâmicas quotidianas de utilização dos espaços, salvaguardando-se os já mencionados princípios de gestão e, por vezes, de instalação de equipamento complementar, visando intensificar a qualidade da experiência e aumentar os níveis de conforto dos utentes. Quando de pequena escala e não interferindo grandemente com uma utilização habitual dos mesmos, creio que se lhe aplicarão a generalidade das considerações feitas a propósito do fomento de actividades organizadas (nomeadamente das de teor comercial). Se de maior monta, efectivamente transformando o espaço habitual num outro, aplicar-se-lhes-á o grosso das disposições tecidas a propósito de eventos de grande escala. É destes que o próximo ponto se ocupará.