• Nenhum resultado encontrado

4. A animação do espaço público como estado

4.3. Factores de animação do espaço público

4.3.5. Conforto climático

Carr et al. (1992) identificam o conforto como uma das cinco necessidades dos indivíduos no espaço público. No seu seio, o conforto climático é uma das componentes de maior relevo; em função das condições climatéricas do local, o espaço público deverá estar organizado de forma a permitir aos utentes o usufruto de estados do tempo agradáveis ou a protegê-los de eventuais inclemências. O conforto climático oferecido por um espaço é, por conseguinte, sempre definido em função do clima do local: «oferecem protecção razoável dos elementos sem tentarem evitar ou negar o ambiente natural» (Jacobs, 1995: 275). Ou seja, é importante proteger os indivíduos de climas adversos, mantendo simultaneamente a sua capacidade de experimentar os distintos estados do tempo (Gehl, 2006).

Marcus et al. (1990a) designam a “zona de conforto”, conjunto de condições meteorológicas fisicamente agradáveis para uma pessoa à sombra com roupas casuais, como o cenário desejável no espaço público, que deverá ser desenhado de forma a ter a maior área possível caindo nesta descrição. Nesse sentido, o conforto climático tanto pode implicar o facultar de acesso a ou de alívio do sol (Carr et al., 1992). Dever- se-á permitir a máxima insolação e calor em áreas frescas ou permitir alívio da luz e calor provenientes do sol e do reflexo nos elementos construídos em áreas quentes. O limiar de conforto ideal situa-se entre os 13 e os 24ºC (Marcus et al., 1990a) e, por isso, os estudos dos padrões sol-sombra deverão ser feitos para os meses em que a temperatura média ao meio-dia é igual ou superior a 13ºC. Em áreas onde as temperaturas no Verão ultrapassem os 24ºC, deverão ser providas áreas ensombradas.

A insolação do espaço é um dos factores mais importantes para a sua utilização intensa33, propiciando tanto luz como calor, motivo pelo qual o espaço público deve ser desenhado de forma a receber o máximo de luz que o espaço permita34. Os movimentos sazonais do sol e as estruturas existentes e projectadas devem ser, por conseguinte, levadas em conta de forma a garantir esta insolação máxima, tanto no Verão como no Inverno (Marcus et al., 1990a). Uma exposição a Sul deverá, por conseguinte, ser procurada e aproveitada sempre que possível, ainda que espaços com outras orientações possam ter usos intensos, desde que a qualidade do desenho o fomente (Whyte, 1990). Já Sarandeses (1990 apud Sá, 2010) defende que os espaços verdes deverão ser localizados de forma a terem um mínimo de 4 horas de insolação diária em pelo menos 2/3 da sua área total e que a orientação das praças deve ser tal que permita exposição solar no solstício de Inverno, ou seja, a maior dimensão da praça deverá dispor-se a N-NE / S-SO. Em casos onde as estruturas existentes privem os espaços de luz solar, o recurso a “luz

33 Whyte (1990) afirma, contudo, que a exposição solar não é um factor crítico no número de utilizadores num dado

espaço, em particular nos meses mais quentes. Defende, contudo, que a ausência de sol significa uma menor qualidade da experiência do espaço, nem que seja pela ausência de escolha entre sol, sombra ou situação intermédia.

34 Exemplo paradigmático desta consideração é a inclusão, nos regulamentos da cidade de San Francisco, do

impacto da construção na insolação dos espaços como um dos critérios de avaliação de projectos, rejeitados caso não permitam, no mínimo, a entrada de luz solar no espaço público entre as 11h e as 14h (Marcus et al., 1990a).

emprestada”, reflectida pelos elementos artificiais marginando o espaço, poderá ser solução interessante para a melhoria do conforto climático no espaço. (Marcus et al., 1990a)35.

Para além da insolação directa, a luz secundária também é um factor importante. Importa, neste aspecto, ter em mente o carácter composto da sombra; a perda de céu desobstruído, que tem lugar em áreas de construção em altura, pode significar a perda de luz «que faz a diferença entre estar à sombra e estar no fundo de um poço» (Whyte, 1990: 257).

Nas áreas quentes é, então, necessário providenciar alguma forma de abrigo / ensombramento, seja sob a forma de árvores, chapéus-de-sol ou outro tipo de cobertura. As arcadas surgem como uma forma de cobertura que protege os utentes das inclemências do estado do tempo tanto no Verão como no Inverno (Jacobs. 1995). Alves (2003) relembra, contudo, que o efeito microclimático da vegetação não se cinge exclusivamente ao ensombramento – que também tem influência na temperatura dos materiais, eventualmente sentáveis, e que protege pavimentos e fachadas do desgaste causado pelos raios solares –, sendo relevante também na regulação dos níveis de humidade atmosférica e da temperatura do ar e, já para lá do conforto climático em sentido estrito, na qualidade do ar.

Relacionada com a insolação está a questão do encandeamento, potencial fonte de desconforto para os utentes do espaço. A utilização de materiais com menor albedo poderá, no entanto, resultar na criação de ambientes algo soturnos (Marcus et al., 1990a). É, por conseguinte, importante conciliar a necessidade de aproveitar fontes secundárias de iluminação em áreas pouco iluminadas com os efeitos nefastos do encandeamento, não só ao nível do conforto dos utentes, mas, inclusivamente, ao nível da segurança rodoviária e fluidez do tráfego (Whyte, 1990).

O vento é um outro elemento climático fundamental para o conforto da estadia no espaço público, uma questão que surge com particular premência em contextos onde a construção em altura abunda. No entanto, não é só ao nível dos efeitos nefastos da construção em altura (que gera e/ou intensifica rajadas de vento que se fazem sentir nos espaços públicos que marginam) que a problemática do vento se coloca. Whyte (ibid.), notando que a temperatura parece ser mais relevante que a insolação para o uso do espaço público, refere que a existência de recantos e espaços protegidos do vento pode ser fundamental para intensificar a utilização dos espaços. A importância da função do espaço urbano como abrigo do vento é sublinhada pela afirmação de Jacobs (1995) de que os ventos nas ruas da cidade terão 25% a 40% da intensidade em campo aberto, excepto se a disposição e altura dos edifícios os não acelerarem. Tanto a construção de edifícios baixos como a de traçados sinuosos potencia a protecção do vento (Gehl, 2006).

35 Para mais detalhes sobre métodos de avaliação do impacte dos edifícios na insolação do espaço público, formas

de capitalizar luz secundária e formas de inclusão destas prescrições em regulamentos da administração, vide Whyte (1990), capítulos 17 e 18.

O conforto climático constitui-se como factor de animação, então, na medida em que se afirma como uma condição mínima para a estadia dos indivíduos no espaço público: «o conforto é uma necessidade básica. A necessidade de comida, bebida, abrigo dos elementos ou de um lugar para descansar quando se está cansado requerem, todas elas, algum grau de conforto para serem satisfeitas. Sem conforto é difícil imaginar como as outras necessidades36 poderão ser supridas, apesar de as pessoas se sujeitarem, por vezes, a grandes desconfortos em tentativas de passar um bocado» (Carr et al., 1992: 92). Nesse sentido, apesar de a quantidade de pessoas no espaço público e as actividades a serem desenvolvidas variarem com a estação do ano, a protecção do clima assume-se sempre como fundamental para que o espaço funcione todo o ano (Gehl, 2006).

Esta manutenção do conforto climático implica, conforme se depreenderá do disposto anteriormente, de operações a escalas distintas, envolvendo não só o desenho global do espaço, mas também a localização dos percursos e dos lugares de estância no seu seio (ibid.).