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O Acampamento organizado em movimento: O Projeto da Primeira Cidade da Reforma Agrária do País

3.1 HISTÓRICO DA OCUPAÇÃO DO LATIFÚNDIO GIACOMEDI-MARONDIN

3.1.2 O Acampamento organizado em movimento: O Projeto da Primeira Cidade da Reforma Agrária do País

Em 1997, a partir da organização instituída no acampamento, almejando um assentamento diferente daquele proposto pelo INCRA, iniciou-se uma discussão entre os acampados, mediada por dirigentes do MST referente à precária condição em que viviam, às limitações impostas pelos recursos destinados ao financiamento da produção e às perspectivas que se desenhavam a partir dos pressupostos estabelecidos pelo Programa Oficial de Reforma Agrária.

Contrariando a idéia estrutural, geográfica e política de assentamento, proposto pelo Programa Oficial de Reforma Agrária que, segundo o MST resulta no isolamento geográfico e político dos assentados, as lideranças locais do MST, a coordenação do acampamento e os acampados passaram a discutir a idéia de manter a unidade do grupo, que poderia ser perdida com o estabelecimento de cada família em seu lote. Esta nova centralidade proposta permitiria melhor articulação do grupo, com a intenção de estabelecer uma gestão do assentamento contrapondo-se à dispersão e ao isolamento. Seria possível

também, segundo os entrevistados, implementar algumas alternativas de produção que exigem organização e infra-estrutura centralizada como, por exemplo, postos agroindustriais para beneficiamento da produção do assentamento, micro-indústrias, marcenaria de mobiliário e tecelagem, além de “atividades alternativas de geração de emprego e renda como cooperativas de consumo e de construção civil, sistemas de atividades culturais e de formação, até pequenas instalações para serviços tipo oficinas mecânica sapataria” (Entrevistado A. em 12- 04-2007).

O local escolhido para viabilizar a proposta de assentamento, seria a Vila Velha, local dentro da fazenda Giacomedi-Marondin, às margens do lago formado pela barragem da Usina Hidrelétrica de Salto Santiago. Nesse local, conhecido como Vila Velha, permanece ainda hoje a estrutura da antiga Vila Barrageira, ‘cidade’ construída para acomodar os operários e técnicos durante a construção da Usina que, no auge da construção, chegou a abrigar 13 mil pessoas. A usina foi concluída em 1983 e essa vila havia sido planejada tendo em vista sua total desativação no momento em que o trabalho fosse concluído, porém, grande parte daquela estrutura permaneceu, como todo o sistema viário, instalações de drenagem, esgoto, reserva e abastecimento de água com capacidade de aproximadamente 1,4 milhões de litros, piscinas, quadras esportivas, a estrutura dos dois cinemas e do que na época funcionava uma rodoviária, além da estrutura de um hospital para 68 leitos bem como as fundações de todas as edificações (residências, escritórios, refeitório, etc.)

“Nós pensava um espaço onde as famílias pudessem ter uma área de lazer [...] tinha lá quadras de esportes, piscina olímpica, tinha toda a estrutura asfáltica feita, sistemas de abastecimento [...] muita coisa dava pra ser aproveitada, nós pensava em cria um colégio agrícola pros filhos dos assentados depois do colégio poder se formar melhor e isso também se interrompeu [...]” (Entrevistado E. em 12-04-2007).

Os relatos explicam que as discussões para concretizar o projeto de assentamento nesse local passaram a acontecer em cada uma das cinco comunidades, nas quais os grupos de famílias assentadas agregaram-se territorialmente e nos quais estabeleceram-se núcleos de articulação de serviços como escola primária, comércio de produtos de primeira necessidade, e pontos de encontro para o lazer e cultos religiosos.

A Superintendência Regional do INCRA, na possibilidade de construir a primeira cidade da reforma agrária do país, auxiliava as discussões, inclusive financeiramente, na reforma da Vila. Por outro lado, estabeleciam-se novos focos de conflitos, já que a “cidade” pretendida pelo MST não era a mesma pretendida pela instância regional do INCRA.

Se por um lado, o Movimento não dispunha de recursos para promover a reestruturação da Vila e, além disso, pretendia manter relações cordiais com aquela Superintendência, por outro, discutia a idéia de uma nova “cidade” em direção oposta àquela pretendida pela representação Estatal. Já para os assentados, a questão central, distante de concepções ideológicas, era a garantia aos créditos financeiros. Portanto, apoiar inicialmente o INCRA significava evitar conflitos que pudessem resultar na inviabilidade daquilo que era central no momento: o financiamento para a produção.

“Pensamos numa cidade de outro tipo [..] diferente daquela cidade identificada como lugar de exploração onde fosse possível congregar produção agrícola e atividades urbanas, que se tivesse uma condição mais ampla, associando vida rural e urbana, um lugar onde o diferencial se desse pela forma de organização, onde o próprio assentado gerava o emprego para ele mesmo, possa fazer-se dono de si próprio [...] uma cidade com estrutura montada sobre outra concepção social e que se faça permeável à consciência e ao modo de viver que o meio rural produz” (Entrevistado A. em 13-04-2007).

Juntamente nesse processo, estava a idéia de se formar um núcleo educacional na Vila Velha, aglutinando desde o ensino infantil até cursos Universitários e o grupo da Escola Iraci Salete Strozak, na época com outro nome, tinha efetiva participação em tal processo.

“[...] lá também era pra ter um núcleo de educação mais avançado e daí trazer umas indústrias pra geração de emprego, só que tudo foi na mesma época do caso da cooperativa quando o governo retirou todos os recursos [...] toda aquela estrutura lá da Iraci Salete que tem hoje, era pra ser este núcleo de educação lá na Vila, só que foi tudo daí disperso pelo poder público municipal da época que não compartilhava a mesma idéia, que ao contrário, trabalhou na retirada primeiro daquele núcleo de educação de lá e construiu outros núcleos menores [...] tirou a energia que na Vila nós tinha gerador, daí começou a dispersão [...] longe mais de 40 Km um do outro e. tinha a necessidade de começar a se viabilizar na propriedade e era difícil tira o assentado da propriedade pra fica uma discussão mais permanente e daí ter mais força” (Entrevistado E. em 12-04-2007).

Essa idéia do núcleo educacional na Vila Velha que o entrevistado aponta, abordamos no tópico seguinte, no qual dissertamos sobre a trajetória da Escola Iraci Salete Strozak que teve, também, neste período, um interessante processo de organização e foi essencial no processo de organização do acampamento e do assentamento.

No final do ano de 1998, os assentados receberam o crédito referente à construção das residências que seriam construídas na Vila. Iniciou-se a demarcação e distribuição dos primeiros lotes e a construção das primeiras casas. Montou-se uma

cooperativa de serviços de construção civil denominada COOPROTERRA – para “habilitar os moradores a gerir os recursos da construção e fazer os serviços [...] essa foi uma proposta do Movimento [...] organizados em agrovilas e coletivamente, o próprio INCRA queria que na Vila Velha se consolidasse ali uma Sede do Assentamento e nós tivemos a proposta de agrovilas e fazer núcleos [...] isso infelizmente não aconteceu” (Entrevistado E. em 12-04- 2007).

A construção das primeiras casas logo gerou um conflito entre os assentados, uma vez que temiam o projeto da cidade da reforma agrária, pois, de acordo com o projeto, teriam que morar em dois lugares ao mesmo tempo e várias famílias consideravam inútil dispor de um lote na ‘cidade’ e outro na roça. “O lugar do agricultor é junto da plantação, do gado e do pasto” (Entrevistado A. em 13-04-2007).

Além desta questão levantada por algumas famílias, segundo os depoimentos, o Prefeito de Rio Bonito do Iguaçu na época, além de outras ‘ações’, interditou judicialmente o projeto de implementação da cidade de reforma agrária justificando judicialmente que o local situava-se às margens da represa Hidrelétrica Salto Santiago, o que fazia de todo aquele território, de acordo com a Legislação brasileira, uma área de preservação ambiental. “O governo [...] conseguiu, por exemplo, logo no começo do Marcos Freire contratar uma equipe técnica do município para dar assistência lá, então conseguiu se influir lá [...] nós muitas vezes não tinha espaço pra discutir, nós vinha discutir mas nossa proposta de planejamento, de discussão de organização não eram mais aceita, eram impostas” (Entrevistado E. em 12-04-2007).

Percebemos que a interferência econômica e política do Estado foi determinante na desestruturação do processo relatado devido às concepções, interesses e objetivos distintos daqueles pretendidos pela dirigência do MST e acabou se formando uma outra estrutura organizacional no assentamento. Em seu trabalho, Fabrini (2002) também observa esse conflito entre Estado e Movimento Social, e descreve alguns mecanismos segundo os quais o Estado faz uso para desestruturar alternativas de mobilização social e destaca o caso por nós exposto.

“As prefeituras têm estimulado a criação de cooperativas e associações geralmente para criar um mecanismo de intervenção nos Assentamentos. Como isso pode ser verificado nos Assentamentos Marcos Freire e Ireno Alves onde a prefeitura de Rio Bonito do Iguaçu estimulou a criação de mais de 20 Associações nestes Assentamentos [...] para ter o controle nas decisões dos assentados e dificultar, entre outras influências, a possível criação de outro município a partir desses assentamentos [...] com argumento de que seria mais fácil conseguir recursos [...] mas a prefeitura tinha receio da autonomia do assentamento” (FABRINI, 2002, p. 205).

Com o fim do projeto, as famílias foram assentadas de acordo com as deliberações do INCRA, e a organização passou se dar através de associações comunitárias, em que cada família ficou com um lote individual e cada associação mantém um centro comum no qual se encontram a igreja, as escolas, o posto de saúde, etc.

“[...] a gente tinha ainda daí grupos de família por Setores [...] toda e qualquer informação a gente reunia o grupo, tomava decisões importantes junto [...] daí a Administração da época foi pra Base, assim, foi uma estratégia dela e individualizou tudo isso aí. O que fez, formou associações comunitárias aplicando uma outra metodologia que não seria a organização do MST” (Entrevistado E. em 12-04- 2007).

A respeito do projeto específico de se montar um núcleo educacional na Vila Velha observamos que, em agosto de 2007, iniciaram as aulas da primeira turma do curso de Agroecologia neste mesmo local, em parceria com a Prefeitura Municipal de Rio Bonito do Iguaçu, Universidade Técnica Federal do Paraná e o MST.

“A iniciativa faz parte do esforço dos movimentos sociais para a construção de um projeto de educação popular na Reforma Agrária. O objetivo do MST é construir uma escola técnica em agroecologia, na antiga vila que fica dentro do assentamento Ireno Alves dos Santos, chamada de Vila Velha. O projeto está sendo discutido com um grupo de professores da Universidade Tecnológica Federal do Paraná/Campus Dois Vizinhos. O local conta com a infra-estrutura de uma pequena cidade e foi construído pela Eletrosul para moradia dos empregados da Usina Salto Santiago, que após o término da construção da barragem abandonaram o local [...] a primeira turma com 60 estudantes começa nesta quinta-feira 16, como extensão do Ceagro, em parceria com a Escola Técnica da Universidade Federal do Paraná e a prefeitura de Rio Bonito do Iguaçu. Curso de agroecologia inicia em, Rio Bonito do Iguaçu” Disponível em: <http://www.oindependenteonline.com.br/ noticia.php?id=39>, acesso em 14/08/2007>.

Depois da desestruturação da iniciativa de assentamento na Vila Velha, a organização observada no acampamento se dispersou e passou a ser substituída por Associações Comunitárias de Moradores.

3.2 ESTRUTURAÇÃO E ORGANIZAÇÃO DOS ASSENTAMENTOS IRENO ALVES DOS SANTOS E