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ASPECTOS DA EDUCAÇÃO RURAL NO BRASIL E A PERTINÊNCIA DA PROPOSTA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS DO CAMPO

O MST NA DÉCADA DE 80: ALGUNS PONTOS DO SEU PROCESSO DE ESTRUTURAÇÃO E ORGANIZAÇÃO

2.3 ASPECTOS DA EDUCAÇÃO RURAL NO BRASIL E A PERTINÊNCIA DA PROPOSTA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS DO CAMPO

Neste tópico abordamos a trajetória da educação rural no Brasil na tentativa de compreender a emergência da proposta educativa elaborada pelos Movimentos Sociais do Campo, sintetizando-se na Proposta pedagógica do MST.

Para Barros (1997, p. 02), a educação tem um objetivo a ser alcançado e, no Brasil, desde o ensino básico até a universidade, a educação tem se tornado treinamento de técnicos para a sociedade, para o mercado de trabalho. Dessa forma, a escola e a educação apenas referendam e aprofundam o modelo social e econômico com o qual a sociedade dominante organiza o convívio social através de mecanismos de adaptação que evitam a transformação.

As contradições da sociedade de classe, inerentes ao sistema capitalista, impossibilitam a universalização do acesso ao saber, o que leva o Estado a propor um tipo de educação a uma classe e outro tipo para outra. Assim, o desenvolvimento da educação na escola pública entra em contradição com as exigências da sociedade de classes. Esta ao mesmo tempo em que exige universalização da educação escolar, não a pode realizar porque o acesso a todos, em igualdade e condições das escolas públicas organizadas com o mesmo

padrão de qualidade, resultaria na apropriação do saber pelos trabalhadores e a sociedade capitalista funda-se exatamente na apropriação privada dos meios de produção e o trabalhador deve ser proprietário apenas de sua força de trabalho. Desse modo, a escola pública concebida como instituição de instrução popular destinada, portanto, a garantir a todos o acesso ao saber, entra em contradição com a sociedade capitalista.

Assim, a presença do Estado no processo escolar faz-se na implementação de uma política educacional em função da manutenção da estrutura social necessária ao capitalismo. Sua intervenção acontece a partir das funções sociais e políticas que a escola assume via planejamento e coordenação das atividades implementadas.

As ações do Estado através da escola visam à manutenção, à ampliação e à sustentação do sistema de produção, mediante mecanismos de dominação sociocultural, fazem prevalecer o status quo dos grupos sociais, perpetuando a dependência econômica e social dos excluídos e o faz, também, através da formação intelectual e capacitação profissional mínima direcionada às relações produtivo-capitalistas. Nesse sentido, o papel histórico da educação escolar tem sido determinante à formação da estrutura societal.

Nesse sentido, segundo Leite (2002), a sociedade brasileira somente despertou para a educação rural por ocasião do forte movimento migratório interno nos anos 1910/1920, quando por ação do Estado é implementado o Ruralismo Pedagógico, cujo objetivo era manter a população rural no campo, defendendo-se as virtudes da vida campesina, evitando o esvaziamento populacional das áreas rurais, o enfraquecimento social e político do patriarcalismo e a fixação do homem no campo como uma maneira de evitar a explosão de problemas sociais na cidade. Desse modo, o ruralismo pedagógico preconizou uma escola rural voltada aos interesses e necessidades regionais e técnicas para o aumento da produção. Sob o paradigma modernizador tentou adequar a escola rural às exigências do desenvolvimento econômico, contudo, o êxodo rural se intensifica em razão dos processos de industrialização em que a educação cumpriu função de controle e nacionalização do imigrante.

O ruralismo no ensino permaneceu até a década de 30, a escolaridade mantinha-se vinculada à tradição colonial e distanciada das experiências econômicas do período. No Estado Novo, a escolarização urbana passou a fazer parte do ideário industrial/urbano como suporte para a industrialização, mas o processo escolar rural permaneceu inalterado. Entre 1945 e 1960, há campanhas de alfabetização e programas de educação popular destinados aos jovens e adultos, a maioria dos quais de caráter assistencialista, tendo a população do campo como inculta e atrasada. Assim, a Extensão

Rural com trabalho extencionista, já devidamente programado, contrariou a dinâmica pedagógica dos professores rurais, tido como ultrapassado e sem objetivo imediato, não considerando o que a educação formal realizava até então, como projetos educacionais na zona rural como os Centros de Treinamento para professores que repassariam informações técnicas aos camponeses.

“O objetivo imediato da Extensão Rural foi o combate a carência, a subnutrição, as doenças e a ignorância, além de outros fatores negativos dos grupos pobres que integravam a sociedade rural, classificados como desprovidos de valores, de sistematização de trabalho ou mesmo de capacidade para tarefas socialmente significativas” (LEITE, 2002, p. 33 – 34).

O autor observa que, centralizada na questão econômica interna e externa, a política social brasileira, durante as décadas 60/70, teve a educação vinculada ao sistema produtivo e a escolaridade campesina também serviu de suporte para a estruturação de uma sociedade desigual e de preparo mínimo de mão-de-obra que atendesse prerrogativas político – econômicas. Nesse contexto, como tentativa de superação das ações educativas Estatais em descompasso com as relações culturais, escolares e sociais do povo do campo, essa educação rural implementada pelo Estado possibilitou o surgimento de movimentos populares, como os Centros Populares de Cultura e o Movimento Educacional de Base.

A educação rural brasileira traz uma trajetória de condições precárias de escolarização. A escola do campo é, na maioria das vezes, uma escola isolada, de difícil acesso, com classes multisseriadas, com um currículo que privilegia uma visão urbana da realidade. Condições que reforçam o imaginário social de que a população rural não precisa conhecer as letras ou ter uma formação geral básica para desempenhar o trabalho na terra.

A LDB, de 1996, desvincula a escola rural da forma da escola urbana, exigindo para a primeira um planejamento interligado à vida rural e, de certo modo, desurbanizado. Porém, não estão explicitamente colocados os princípios e as bases de uma política educacional para as populações campesinas.

De acordo com Di Pierro e Andrade (2004), Di Pierro (?) e INEP (2007), a educação rural é caracterizada pela oferta de escolarização abaixo da escolaridade mínima obrigatória recomendada na LDB, uma vez que a maior parte dos jovens residentes na zona rural só consegue concluir a escolarização básica deslocando-se para a cidade. A precariedade e improvisação da estrutura física da escola e dos equipamentos e materiais didáticos, a predominância no ensino rural, dos currículos, concepções, conhecimentos e valores urbanos,

criam uma dissociação entre a escola e a realidade do campo dificultando a afirmação de identidade socioterritorial desmotivando o estudante.

Ainda, deve-se levar em consideração o fato de que as crianças e jovens do campo serem inseridas precocemente no trabalho pela necessidade de integrar a mão de obra familiar; a simultaneidade trabalho/escola afeta a freqüência escolar e requer a adequação do calendário escolar à regularidade do trabalho agrícola, pois o descompasso trabalho/tempo/ escolarização é um fator determinante a evasão escolar no meio rural.

O ingresso tardio na escola, as freqüentes interrupções de estudos e as reprovações são as causas prováveis da elevada defasagem idade/série dos estudantes da zona rural. Essa situação é resultado, para Di Pierro e Andrade (2004, p. 08-11), da elevada rotatividade dos professores, pois a maioria vive na cidade e tem a escola rural como primeira opção de trabalho, o que faz com que a docência nas escolas do campo seja atribuída a professores em início de carreira e que, na primeira oportunidade, transferem-se para escolas urbanas. Ainda, a distância e a sobrecarga de trabalho nas escolas rurais, em que há falta de pessoal de apoio e predominam classes multisseriadas, aliada à inadequada e insuficiente qualificação do professor para o contexto rural são outros aspectos problemáticos pois, esses docentes permanecem muitas vezes sem acompanhamento pedagógico e supervisão escolar em razão da dispersão territorial dos centros educativos e apontam, por fim, a insuficiência ou inadequação do transporte escolar que contribui para a evasão escolar.

Nesse contexto, à página 52 do relatório, as autoras abordam que o cenário da educação do campo é composto por variadas experiências educativas implementadas fora do âmbito governamental, promovidas, então, por associações civis e movimentos sociais que têm assumido o papel de combater esse processo de exclusão educacional da população rural. Algumas destas iniciativas são efetivadas desde a década de 70, com apoio de partidos políticos, da Igreja Católica, Universidades e organizações não governamentais como as Escolas – família Agrícola, existentes desde a década de 60, destinadas à educação das crianças no meio rural e o processo de alfabetização de jovens e adultos implementado pelo Movimento de Educação de Base.

Dessa forma, surgem iniciativas da própria população através dos movimentos sociais em reação à exclusão ao acesso educacional, exigindo políticas públicas que garantam tal acesso, mais do que isso, tenta-se construir uma identidade própria das escolas no meio rural.

Destacamos que, nos últimos anos, o debate político pedagógico sobre a educação do campo foi impulsionado pelo MST que, a partir de experiências alternativas de

escolarização em acampamentos e assentamentos, aglutinando outros movimentos sociais que passaram a promover Seminários, Encontros Regionais e Nacionais reunindo educadores de acampamentos e assentamentos que conferiram maior visibilidade à ausência de políticas públicas educacionais, apontando para a necessidade de construção de um projeto de desenvolvimento para o campo no qual a educação ocupa lugar de destaque.

Em 1998, várias Instituições, Movimentos Sociais, com apoio da CNBB, UNESCO e UNICEF realizaram a I Conferência Nacional Por uma Educação Básica no Campo reivindicando a formulação de políticas públicas à educação do campo, originando o Movimento Por Uma Educação do Campo, que passa a reivindicar educação como Direito e dever do Estado. Assim, os movimentos sociais nas últimas décadas vêm exigindo do Estado a garantia de escolas, profissionais, recursos e políticas públicas educacionais específicas a educação do campo.

Foi neste contexto que a proposta do PRONERA – Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária - foi elaborada, visando implementar ações educativas nos acampamentos e assentamentos rurais. A educação emerge como elemento fundamental para o desenvolvimento político, econômico e sociocultural dos povos do campo a partir de uma concepção educativa, que tem esses sujeitos enquanto produtores e reformuladores de conhecimento e cultura. Porém, as autoras concluem sobre o PRONERA, que sua cobertura é insuficiente para atender à demanda dos assentamentos e à expansão do atendimento, que tem sido limitada pela escassez e descontinuidade dos recursos financeiros atribuídos, pelo Governo Federal, ao Programa, que não conquistou o status de política prioritária, permanente e continuada (DI PIERRO; ANDRADE, 2004, 78-9).

Isso fomenta as lutas por educação no meio rural, onde os movimentos sociais objetivam a participação direta na construção e implementação de propostas educativas.