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RESGATE HISTÓRICO DA ESCOLA IRACI SALETE STROZAK E A RELAÇÃO COM OS PRINCÍPIOS ORGANIZACIONAIS E PEDAGÓGICOS DO MST

4.1. ESCOLA ESTADUAL IRACI SALETE STROZAK: UMA HISTÓRIA EM MOVIMENTO

Neste texto abordamos, a partir de narrativas, o percurso histórico da Escola Estadual Iraci Salete Strozak, localizada no Assentamento Marcos Freire, na cidade paranaense de Rio Bonito do Iguaçu, tentando analisar em seu percurso histórico a materialização dos princípios pedagógicos e organizativos propostos pelo MST.

Como colocamos mais detalhadamente no capítulo anterior, após a ocupação da área da fazenda Giacomet - Marondin em abril de 1996 pelo MST, as famílias

acampadas tinham acesso à educação através de dirigentes e grupos de educadores formados pelo Movimento. Havia, no acampamento, o atendimento às crianças através da Ciranda Infantil, uma idéia de creche proposta pelo Movimento para educação de crianças de zero a 6 anos, havia também a educação de jovens e adultos.

Meses depois, com a ida do acampamento para a área da fazenda denominada Sede, “onde existe água, alguns barracões para guardar as máquinas agrícolas e várias casas que serviam de moradia aos antigos operários da empresa, o local da escola é um dos barracões de máquinas” (RODRIGUES, 1999, p.12). ‘[...] depois foram mais pra dentro da área que já era a Sede, tinha casa que o pessoal da Giacometi trabalhava no serviço de retirar madeira, [...] tinha muita criança, muito adolescente, então logo em 97 iniciaram a escola chamada José Alves dos Santos de 5 a 8, e de 1 a 4 daí foi a Vanderlei das Neves’. (Entrevistado R. em 18/05/207)

Figura 5 – Escola José Alves dos Santos no barracão de máquinas

Fonte: arquivo da escola Estadual Iraci Salete Strozak

Assim, as primeiras escolas institucionalizadas ainda no acampamento no local da fazenda chamado Sede foram a Escola Municipal Vanderlei das Neves - de 1ª a 4ª séries – e a Escola Estadual José Alves dos Santos com ensino de 5ª a 8ª séries. “Essa primeira escola é legalizada pelo estado ainda em 1997 como E. Estadual José Alves dos Santos, com ensino de 5ª a 8ª série e a Vanderlei das Neves é oficializada pelo Município” (RODRIGUES, 1999, p. 12).

Com o processo da primeira desapropriação e distribuição dos lotes que formariam a área denominada Assentamento Ireno Alves dos Santos em 1997, as famílias são

dispersas e com elas segue uma ‘extensão’ da escola Estadual José Alves dos Santos para um local da fazenda chamado Comunidade Alta Floresta, também conhecido como Centrão38 e outra parte então da escola Ireno Alves dos Santos, continuou na Sede.

“[...] as famílias se espalham pela área então desapropriada em direção aos seus lotes e muitos alunos abandonam a escola surgindo daí a necessidade da escola acompanhá-los. Uma escola é então desmembrada em duas, esta extensão passa a funcionar cerca de 20 km da origem [...] nesta nova escola, no início é improvisado um barracão sem divisórias onde quatro turmas funcionam simultaneamente [...] a escola José Alves funciona em dois turnos em locais diferentes” (RODRIGUES, 1999, p. 13).

Meses depois, acontece a desapropriação de mais uma área que seria o Assentamento Marcos Freire e, com isso, esta extensão da escola José Alves dos Santos que estava no Centrão, vai para a Vila Velha, antiga vila residencial das pessoas que construíram a Usina Hidrelétrica de Salto Santiago, como explicitamos anteriormente. Dessa forma, a escola José Alves dos Santos continua funcionando com uma extensão, mas agora na localidade de Vila Velha, e ali permanece até 1999 quando iniciam as discussões de uma proposta de institucionalização do Colégio Iraci Salete Strozak.

A pesquisa demonstrou que a dinamização das escolas estaduais estava a cargo do Setor de Educação do MST, que mantinha no assentamento um grupo efetivo trabalhando no acompanhamento de professores, elaboração de material didático, currículo, etc. Dado este vínculo com o MST, o processo de criação das escolas estaduais foi encaminhado com uma proposta político pedagógicas comum às três escolas existentes, que eram a Sebastião da Costa, a Ireno Alves dos Santos e a Iraci Salete Strozak, que começa com esse nome em 2000, na Localidade da Vila Velha.

A trajetória dessa escola começa a se desenhar como extensão da Escola Estadual José Alves dos Santos, quando esta se divide e uma extensão vai para a Sede da Fazenda e que depois vai para o Centrão ainda como extensão da José Alves dos Santos, e um tempo depois para a Vila Velha. Na Vila Velha, em 1999, a escola divide-se fisicamente, mas agora para ampliar a estrutura a fim de atender turmas do ensino médio. Aqui é que seria então institucionalizada pelo Estado como Colégio Estadual Iraci Salete Strozak e passa a funcionar em dois períodos com oito turmas. Entre 2001 e 2002, o colégio funciona na Vila Velha e, em 2003, muda-se para o prédio atual na comunidade do Assentamento Marcos Freire, chamada Centro Novo.

Sobre o início da escola nas estruturas da Vila Velha, ainda quando acampamento, o relato a seguir mostra as dificuldades enfrentadas e o embate com o Estado para a efetivação da escola, já que a mesma estava, na época fortemente vinculada ao MST:

“[...} a nossa primeira escola era primeiro era assim, de um lado onde era o corpo de bombeiros e do outro a delegacia que a vila tinha daí o que foi feito, no meio foi construído 4 salas pelos pais e os professores, os pais que doaram madeira, e ajudaram, pais professores, alunos maiores, então as sala dos professores, biblioteca e cozinha ficava tipo onde era a delegacia só que tudo no mesmo espaço [...] naquilo que já tinha construído e do lado se construiu uma parte que daí ali trabalhava então as reuniões com os pais, o coral e as salas de aula um pouco mais abaixo assim uns cem metros que a gente ia dali [...] essa foi a primeira escola. Esse espaço em 99 era super precário [...] então como era uma escola que o estado não queria até o fundo rotativo era muito pequeno não tinha material nenhum, o que que o diretor fazia, [...] foi catando o que o pessoal de outras escolas tinha, cartera velha, livro velho, tudo que o pessoal tinha que não servia, pra nós servia, quadros tinha que cuidar pra não cair em cima da gente que tava tudo pregado de qualquer jeito [...] uma vez ele conseguiu uma folhas que tinha até xixi de rato [...] e a gente fazia o trabalho que dava [...] e a gente foi trabalhando desse jeito [...] O interessante o que aconteceu naquele espaço a gente brinca, que era uma fartura faltava tudo, luz, água, material, banheiro, comida e a gente tava lá até sem giz. [...] quando era frio, não adiantava fechar as janelas que não tinha vidro, o banheiro era uma patente lá fora, água bem depois foi conseguido uma bomba [...] Eu cansei de assim, tava tão quente pega a piazada e ir pra debaixo das árvores [...] fica mais longe se tá muito quente, sentava bem juntinho quando tava muito frio, e fazia como dava . O que existia acho até pela falta de tudo era a união muito grande dos professores e uma união muito grande com os alunos [...] só tinham o barraco, não tinham recebido nada pra começar a vida, tinha a terra só...” (Entrevistado R. em 18-05-2007).

Figura 06 – Foto da Escola Reformada na Vila Velha

A divisão e ampliação da escola, que é feita com madeira e material doado nesse momento, quando estava na Vila Velha, fizeram-se necessárias devido ao número de alunos em idade escolar para ingressar no ensino médio e não havia transporte que os trouxesse até a cidade, nem escolas ali que pudessem atendê-los. Para aprovação da proposta de ensino médio, de acordo com a pesquisa, foi uma das exigências do Estado que se tivesse uma estrutura apropriada, para que então o processo solicitado passasse por avaliação: “o Setor de Educação do MST, junto com os professores, conseguimos madeira e construímos mais salas e também daí uma cozinha, isso construído em menos de duas semanas [...] enquanto uns professores construíam, outros estavam dando aula [...] debaixo de árvores, dentro do ônibus, no pátio”. (Entrevistado E. em 15-05-2007)

Com a estrutura pronta, encaminhou-se novamente o processo de regularização à secretaria do Estado que não autorizou o funcionamento do ensino médio. Ressaltamos que as aulas aconteciam independentemente desse processo. Diante disso, todos os alunos e professores ocuparam o núcleo regional de educação, que fica na cidade vizinha de Laranjeiras do Sul, e após horas de audiência com o Ministério e a Promotoria Pública, as aulas do ensino médio foram oficializadas e os professores foram contratados pelo Estado.

Nesse momento, era criado o Colégio Estadual Iraci Salete Strozak. A proposta pedagógica era comum às três escolas estaduais que havia nesse início de assentamento. Como as outras duas escolas estavam fisicamente estruturadas, os diretores daquelas escolas assumiram o compromisso de dar continuidade ao trabalho que vinha sendo desenvolvido e o grupo do Setor de Educação do MST centrou as atenções para o novo Colégio Iraci Salete Strozak.

“[...] nós queríamos uma educação crítica que pensasse a partir da realidade do acampamento e sempre se teve muito isso [...] a gente garantia a formação juntos então a gente ocupava o espaço sindicato dos trabalhadores rurais na época em Rio Bonito então discutia avaliação fazia planejamento das quatro escola juntas” (Entrevistado M. em 11-07-2007).

Destacamos que nessa proposta pedagógica implementada nas escolas desde a época do acampamento, destaca-se pelo processo coletivo de discussão e trabalho, a organização do currículo por áreas do conhecimento e o processo de avaliação que não se limitava ao âmbito pedagógico.

Já como escola Iraci Salete, mas ainda nas estruturas da Vila Velha, em 2000, por iniciativa de uma educadora e do então Diretor da escola, formou-se um grupo de

coral, chamado depois pelos alunos de Filhos da Terra, ao final daquele ano o grupo foi convidado a se apresentar em Porto Barreiro, em um encontro sobre Educação do Campo. Um ano depois, devido ao sucesso das apresentações na região, o grupo foi convidado a gravar uma música em um CD do Movimento intitulado “Terra e Campo em Canto”, nesse período o grupo tinha 36 participantes. Posteriormente seria escolhido o melhor grupo de coral no Festival de Arte da Rede Estudantil do Paraná.

A partir do sucesso do grupo do coral e observando uma mudança positiva nos educandos, os professores Gilmar Monteiro, vinculado diretamente ao MST, e Ritamar Andreetta, então diretora da escola, ampliaram o projeto para inserir um maior número de alunos, surgindo então, o Projeto Viver em Harmonia, que além do coral abrangeu posteriormente teatro, percussão, música, dança, artesanato, aulas de violão e teclado, sempre em turno inverso ao horário da aula, com teoria e prática. Os professores solicitaram apoio financeiro da Empresa Tractebel Energia S.A que aprovou o projeto. Assim, a escola adquiriu instrumentos musicais, uniformes, material de apoio e pagamento de alguns docentes que ministravam aulas no projeto. Abordamos o ‘desenrolar’ desses projetos adiante.

Em 2003, a escola ‘é retirada’ das estruturas da Vila Velha e vai para o prédio atual, construído pelo Estado na comunidade Centro Novo no Assentamento Marcos Freire. Aqui, observamos que este momento da escola na Vila Velha coincide com a tentativa do acampamento como um todo, de se realizar na Vila Velha a cidade da reforma agrária, como explicitamos anteriormente. A escola foi bastante ativa em tal processo, era local de discussões, reuniões, enfim, o objetivo era torná-la um centro de educação baseado na proposta pedagógica do MST. O projeto não se realizou, principalmente, segundo a pesquisa por interferência política e econômica da Administração Municipal na época e quanto à escola, como a verba estadual para construção de um novo prédio passava pela Administração Municipal, o terreno adquirido pela prefeitura foi num ‘lugar estratégico’, que dificultava mobilizações distante da Vila, onde as famílias estavam acampadas.

Em 2004, a Escola torna-se Escola Base das Escolas Itinerantes do MST no estado do Paraná e as escolas dos acampamentos passaram a ser institucionalizadas através do Colégio Estadual Iraci Salete Strozak, com a oferta de Educação Infantil, Ensino Fundamental e Médio e Educação de Jovens e Adultos.