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3.1 HISTÓRICO DA OCUPAÇÃO DO LATIFÚNDIO GIACOMEDI-MARONDIN

3.1.1 A organização no acampamento

As famílias acampadas na Fazenda Giacomet, já no ‘Buraco’, foram imediatamente organizadas pela coordenação do Movimento em 93 grupos de cerca de 30 a 40 famílias. Cada grupo era responsável por um Setor de Atividade e tinha um coordenador e vice-coordenador. Tarefas foram divididas entre as famílias que eram reguladas por um Regimento que todos deveriam cumprir.

“A gente seguia as orientações do Movimento Estadual, Regional e Nacional, então daí a gente fez uma executiva de 13 pessoas onde tirava as linhas gerais de organização do acampamento e depois foi dividido os grupos pra facilitar [...] pra se ter mais contato com a executiva maior, e dali desses grupos de famílias se tirava os grupos que iam fazer parte da coordenação da saúde, segurança, coordenação da alimentação, então tudo era dividido em setores e por isso facilitou a organização [...] esses grupos estariam cada vez mais se reunindo e se aperfeiçoando, inclusive criamos um regimento interno do acampamento” (Entrevistado A. em 13/04/2007).

Percebemos na descrição do relato a ligação com a estrutura organizacional do MST nesse momento de estruturação do acampamento. Quanto ao processo de elaboração do regimento, segundo as entrevistas, as 13 pessoas responsáveis pela coordenação geral do acampamento elaboraram um ‘projeto’ do regimento e realizou-se uma assembléia geral na qual foi apresentado e discutido entre os grupos para sugestões de todos os acampados.

As principais regras era o negócio assim do álcool, não podia entrar com bebida no acampamento, negócio de briga não podia que ia pra cadeia que tinha uma cadeia ali no acampamento [...] cadeia braba [...] chegavam amarrar a boca das pessoa não deixavam as pessoa grita [...] no começo foi muito brabo era um tipo de escravidão de maltrata as pessoa se descumpria [...] (Entrevistado J. em 12-09-2007)

Segundo os entrevistados, a escolha dos dirigentes no acampamento seguia a indicação da coordenação do MST, um destes dirigentes na época justifica que “tem que ter conhecimento de tal coisa pra você exercer tal função [...] na verdade, era indicado pela direção regional ou estadual do MST, pessoas que teriam que ter uma certa confiança e daí depois era tirado uma coordenação do grupo de famílias conforme a capacidade que a pessoa ia desenvolvendo no grupo” (Entrevistado A. em 13/04/2007).

Dessa maneira, havia um Setor de Alimentação que distribuía em partes iguais a alimentação recebida através de doações. O Setor de Segurança era responsável não só pela aplicação do Regimento como também pela vigilância e defesa do acampamento. Este Setor era composto tanto por homens como por mulheres. Havia também o Setor de religião, sendo que ao todo, somaram-se 21 padres e pastores de várias denominações religiosas no acampamento.

O Setor de Educação organizava nos barracos de lona a educação de crianças, jovens e adultos. Ressaltamos que havia ainda, a experiência da Ciranda Infantil37.

37As discussões em torno da Educação Infantil no MST surgiram da necessidade de compartilhar com as famílias Sem Terra o cuidado e a educação de seus filhos, sendo coerente com os ideais de justiça e transformação social que o MST busca concretizar, considerando o Movimento um grande educador das crianças Sem Terrinha, pois é este o meio no qual elas vivem suas infâncias, participando da luta pela Reforma Agrária. Duas necessidades deram origem às primeiras experiências de atendimento organizado às crianças: nos assentamentos, a participação das mulheres na produção, através das cooperativas e associações, do trabalho coletivo, e no conjunto do MST, a participação das mulheres na militância, nos cursos e encontro de formação, nas reuniões e manifestações. A experiência das creches permanentes nas Cooperativas de produção, e a criação da creche Itinerante, que teve sua primeira experiência no MST Ceará, impulsionaram as primeiras discussões sobre a educação infantil na reunião do Setor Nacional de Educação na cidade de Santos, São Paulo em 1996. A partir de então, houve uma série de debates, oficinas e cursos de formação para os educadores infantis. Durante esse percurso foi constituído um coletivo para pensar a Educação Infantil do Movimento nos seus diversos espaços pedagógicos. Em alguns estados as creches passaram a se chamadas de Círculos Infantis, fazendo referências a experiência Cubana. Com o passar do tempo, a partir de um longo processo de discussão nos coletivos de educação estadual e nacional, passou-se a chamar o espaço de Educação Infantil de Ciranda Infantil, nome que se refere à cultura popular, às danças, às brincadeiras, e à cooperação, a força simbólica do círculo, ao coletivo e ao ser criança. A Ciranda Infantil já protagonizou ricas experiências, como por exemplo a primeira Ciranda Infantil Nacional, que aconteceu no Encontro Nacional dos Educadores e das Educadoras da Reforma Agrária (ENERA) em 1997, com 80 crianças de todo o país, no ano de 2000, durante o IV Congresso, o Setor de Educação organizou uma Ciranda Infantil que atendeu as 320 crianças das mães e pais militantes que participaram como delegados e delegadas do Congresso, vindas dos 23 estados do Brasil nos quais o Movimento atua. O espaço da Ciranda Infantil foi organizado com intencionalidade pedagógica, para que após o IV Congresso Nacional do MST se desencadeasse um processo de multiplicação e valorização das Cirandas Infantis. A preparação de educadores e educadoras passou a ser uma das atividades do Setor de Educação nos estados, e a Ciranda Infantil passou a fazer parte de todas as atividades do Movimento. A Ciranda Infantil é uma

Mesmo durante as mudanças do acampamento pela área, as aulas realizavam-se nos barracos apesar de não serem oficializadas pela secretaria de educação. Isso ocorreu durante todo o ano de 1996. Só em 1997, as primeiras escolas foram oficializadas e tornaram-se a Escola Vanderlei das Neves, com ensino de 1ª a 4ª série, e a Escola José Alves dos Santos, de 5ª a 8ª séries. Em 1998, com a legalização do assentamento e o conseqüente deslocamento das famílias para seus lotes, a vinda das crianças e jovens até as escolas tornou-se uma dificuldade, assim inicia-se uma discussão com objetivo de transporte escolar ou construção de escolas em diversos pontos do assentamento, facilitando o acesso dos alunos. Em 1999, havia 11 escolas na área total do assentamento.

O Setor de Infra-Estrutura auxiliava na construção e reparo dos barracos, organizava a distribuição de água, lonas e outros materiais. Ao Setor de Comunicação cabia a divulgação e a informação de todos os trabalhos do acampamento, dos acontecimentos político-sócio-econômicos nacionais, e também pelo lazer e entretenimento das famílias acampadas. O Setor de Formação encarregava-se de trabalhar a consciência social e política dos acampados e a importância da Reforma Agrária e da mudança para uma sociedade sem exploradores nem explorados. Havia ainda o Setor de Saúde, que fazia os primeiros atendimentos, produzia e distribuía remédios e organizava a realização de exames realizados na cidade. Essa organização permaneceu até a divisão dos lotes.

Destacamos o papel das mulheres nessa organização, pois estas procuravam soluções para amenizar as dificuldades, principalmente, o frio e a fome. Elas confeccionavam colchões, agasalhos e cobertores com retalhos e outros materiais doados, cuidavam especialmente das gestantes e idosos, produziam remédios com ervas retiradas da mata, além da manutenção de uma horta comunitária e alimentação à base da multimistura. Apesar de todo empenho, as condições subumanas levaram algumas vidas:

“a comissão de mulheres responsável pela alimentação de crianças, gestantes e doentes [...] com preparo de uma sopa com farelo de trigo, raiz de mandioca em pó e legumes produzidos na horta comunitária não conseguiu evitar a mortalidade [...] e 16 crianças morreram nos primeiros quatro meses de acampamento” (RODRIGUES,1999, p. 68).

forma de garantir a presença das mulheres em atividades fora de suas casas e de proporcionar cuidado especial às crianças que estejam acompanhando os pais em atividades. È um espaço educativo da vivência de ser criança Sem Terrinha, de brincar, jogar, cantar, cultivar a mística, os valores, a formação e a construção de uma nova sociedade. Hoje, dentro do MST tornou-se cultura, nas mobilizações, encontros , reuniões, cursos, de todos os seus setores, a presença das crianças. O que vem progressivamente desenvolvendo a organização das Cirandas Infantis Itinerantes. Porém, a implementação das Cirandas Infantis permanentes nos assentamentos e acampamentos se apresenta como um grande desafio, principalmente, em função da falta de políticas para a educação infantil do campo. Disponível em: <http://oca.idbrasil.org.br/wiki2/cidap/index.php/ Educa%C3%A7%C3%A3o_infantil_no_MST> e <http://www.scielo.br/pdf/ref/v12n1/21705.pdf>, acesso em 24/10/2007

Figura 4 – Mulheres no acampamento confeccionando cobertores com palha

Fonte: Arquivo da escola Estadual Iraci Salete Strozak

3.1.2 O Acampamento organizado em movimento: O Projeto da Primeira Cidade da