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Conforme destacamos no Capítulo 1

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o MST nasceu como um Movimento camponês reivindicando reforma agrária, questionando a sociedade capitalista e as relações sociais reproduzidas e consolidadas por ela, através das ocupações, acampamentos e marchas. Caracteriza-se por ser um movimento popular, sua luta vai além da conquista da terra, na medida em que tenta unificar os interesses particulares com os interesses de classe, compreendendo que a luta pela reforma agrária, apesar de ter uma base social camponesa, somente terá êxito se fizer parte da luta de classe.

Nesse sentido, o MST tem na luta pela terra seu eixo central, mas o contexto histórico no qual foi se estruturando o levou a desenvolver uma série de outras lutas. Para Stédile (1999, p. 81), o mais importante nessa organização é manter a idéia de Movimento de massa, que permeia toda a forma de atuação e organização do MST, todos os setores e instâncias devem estar permanentemente vinculados.

Tendo a ocupação e o acampamento como principais formas de mobilização e sendo sua estrutura organizacional a principal característica, questionamos aqui a possibilidade da materialização dos princípios organizacionais do MST no processo de ocupação e acampamento que originou os Assentamentos Ireno Alves dos Santos e Marcos Freire.

A pesquisa mostrou-nos que a organização no período de acampamento era, essencialmente, ligada aos Princípios Organizacionais do MST, e estes foram fundamentais no momento inicial da vida no acampamento. Os princípios organizacionais da organização coletiva e da divisão de tarefas refletem-se no fato de as famílias serem divididas em Setores de atividades cada um com uma função trabalhando pelo coletivo do acampamento. A vinculação da dirigência do Movimento com a Base está centralmente no fato de que havia no acampamento dirigentes regionais e estaduais do MST coordenando a organização.

“[...] existia grupos de famílias de cada mais ou menos 30 famílias daí um coordenador, um vice coordenador que coordenavam o grupo, tinha setores de mulheres, de infra-estrutura, tinha a parte da segurança, da educação, alimentação [...]” (Entrevistado E. em 12-04-2007).

Quando ao princípio da decisão democrática, a pesquisa aponta que o processo de escolha dos dirigentes locais no acampamento não teve a participação das pessoas acampadas, a Base, como são denominadas, ao contrário, foram compostas por indicados pela coordenação regional e estadual do Movimento, como descrevemos no relato que segue, que também demonstra a participação das famílias apenas em alguns pontos, como na decisão sobre o regimento do acampamento, que chegou a elas já em forma de pré-estruturada:

“[...] apesar de ser um acampamento grande [...] nós tiramos uma executiva de 13 pessoas que fazia a coordenação geral [...] então na verdade era indicado pela direção regional, ou estadual, ou nacional do MST [...] a gente seguia as orientações do Movimento estadual regional e nacional e a executiva de 13 pessoas tirava as linhas gerais de organização do acampamento e depois foi dividido os grupos pra facilitar [...] e dali se tirava os grupos que iam fazer parte da coordenação da saúde, segurança, então era tudo dividido em setores, e por isso facilitou a organização. Daí assim se tinha um controle de tudo [...] inclusive criamos o regimento interno do acampamento, onde dizia um monte de coisas [...], era um regimento com bastante rigidez [...]. Nisso daí a gente fez tipo um esqueleto da proposta e daí levou para a apresentação e aprovação dos grupos, toda a base ajudou a elaborar [...] sempre foi com o apoio da maioria, sempre aprovada em assembléia inclusive” (Entrevistado A. em 13-04-2007).

Havia no acampamento a realização da Ciranda Infantil no âmbito educativo, que também reflete o vínculo da dirigência com a Base. O Princípio da Disciplina se expressa com a elaboração e implementação do regimento, o qual era cumprido por todos.

O Princípio Luta de Massa, comungando a relação entre objetivos específicos e coletivos, realiza-se, por exemplo, quando os acampados juntamente com aqueles que já haviam conseguido os primeiros lotes, mobilizam-se em marcha protestando quanto à demora da segunda desapropriação, se relacionado à manifestação nacional que o Movimento realizava em Brasília.

Essa organização verificada no acampamento, conforme citamos no texto do histórico, possibilitou a idéia de um assentamento ‘diferente’ na Vila Velha, conforme a proposta estrutural de assentamento do MST com as casas distribuídas em forma de Agrovilas, com trabalho cooperativo entre as famílias, área de lazer comum etc., porém, essa idéia é desestruturada pela interferência do poder administrativo municipal que não admitia, segundo os entrevistados, uma independência política e econômica dos assentados.

“Na Vila Velha deu muitos problemas [...] nós não tivemos apoio da Administração do Município, tinha um grande atrito. O município na época não reconhecia e não respeitava nossa organização. Essa é a grande verdade. O Município não atuava junto, o próprio INCRA na época não era parceiro nosso, não sentava pra discutir as coisas, e na época o próprio INCRA arrebentou com a organização [...] a própria

repressão política da época não permitia, como não permitiu [...] na época foi difícil, tivemos que travar muita luta, inclusive mobilização ocupação [...] a gente tinha grupos famílias, ali a gente tinha um controle, toda e qualquer informação a gente reunia o grupo, tomava decisões importantes junto. Quando saiu o assentamento, a Administração da época foi pra Base, assim, foi uma estratégia dela, e individualizou tudo isso aí. O que fez, criou associações comunitárias aplicando uma outra metodologia que não seria de organização do MST [...] e se dividiu, então daí depois disso, daí deu um monte de problema, nossas cooperativas faliram e isso repercutiu muito e fez com que o povo perdesse um pouco da credibilidade nossa, do MST e na própria organização” (Entrevistado A. em 13-04-2007).

Não estabelecemos relação com dois Princípios: a formação de quadros e o Estudo. Quanto a Formação de Quadros, Stédile (1999, p. 39-40) destaca este princípio como sendo fundamental para a manutenção da organização proposta pelo MST: “nunca terá futuro a organização social que não formar os seus próprios quadros”. A ausência deste princípio será adiante apontada por um dos entrevistados como um dos impedimentos pelo qual não há uma organização contra-hegemônica atualmente no assentamento. Quanto ao princípio do Estudo, tido na teoria da proposta organizacional do MST como fundamental para aperfeiçoar a prática organizativa também não encontramos relação com a vivência prática relatada durante a vida no acampamento.