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2.2. DIMENSÕES DO CONTROLE SOCIAL

2.2.4. Accountability na administração pública brasileira

2.2.4.1. Recursos públicos e desenvolvimento regional

No Brasil há um padrão dual de decisões acerca da alocação e aplicação dos recursos orçamentários. Esse padrão envolve duas arenas de poder e controle ao mesmo tempo complementares e conflitantes: a arena representativa e a arena burocrática. Esse padrão está fundamentado na Constituição Federal (SANTOS, 2001).

Na arena representativa a decisão está ligada ao poder legislativo e, em geral, tem sua sustentação no clientelismo. Todos aqueles que possuem recursos de poder que podem ser trocados irão fazer parte dessa arena.

A relação clientelista vai se instalar no âmbito das hierarquias e assimetrias de poder, principalmente nos espaços em que há ausência de leis e regras, reproduzindo um padrão de relacionamento baseado em trocas políticas. Essas trocas estão relacionadas a favores de autoridade, ou seja, são os benefícios do exercício da autoridade que entram na troca (D´ÁVILA FILHO; JORGE; COELHO, 2004; SANTOS, 2001).

As trocas políticas determinam o jogo das trocas econômicas estabelecendo os quinhões distributivos de toda a sorte de benefícios aos jogadores. Nesse processo estão

inseridos negociadores do poder executivo, partidos políticos e seus líderes, sindicatos, associações empresariais, ONG´s, dentre outros interessados (SANTOS, 2001).

Na arena burocrática a decisão é tomada no âmbito do poder executivo e os tomadores de decisão costumam manter relações informais com atores estratégicos (stakeholders) nessa arena. Mas é possível a existência de instâncias institucionalizadas para a tomada de decisão como audiências públicas, orçamento participativo, conselhos de gestão, dentre outros.

O processo orçamentário representa a distribuição de recursos e perpassa essas duas arenas de decisão, uma vez que o poder executivo elabora, propõe, sanciona e executa as leis orçamentárias e o poder legislativo altera, aprova e controla as peças legais do orçamento. Esse processo corresponde ao ciclo orçamentário que ocorre de maneira contínua nos três níveis: estados, municípios e federação.

A Constituição Federal de 1988, a Lei 4.320 de 1964 e a Lei Complementar 101 de 2000, (Lei de Responsabilidade Fiscal) são os dispositivos legais que versam sobre as normas de finanças públicas e dispõem sobre o orçamento público.

Especificamente a Constituição Federal introduziu, a partir do seu artigo 165, mudanças significativas no processo orçamentário que passou a se basear em três instrumentos de planejamento centrais: Plano Plurianual - PPA, a Lei de Diretrizes Orçamentárias – LDO e a Lei Orçamentária Anual – LOA.

O PPA é o instrumento de planejamento de longo prazo que estabelece o plano estratégico global de ação a partir de um programa de governo. O PPA contém os programas de investimento a serem executados por mais de um exercício fiscal. O PPA tem duração de quatro anos sendo que o último ano do PPA corresponde ao primeiro ano do mandato do governo seguinte. A LDO é um mecanismo de planejamento de curto prazo e deve estar em sintonia com o PPA. Essa lei orienta a elaboração da LOA uma vez que estabelece as metas e prioridades da administração pública. Inclui o anexo de metas e riscos fiscais com a avaliação de passivos contingentes e de outros riscos capazes de afetar as contas públicas. A LOA é o instrumento que viabiliza as situações planejadas no PPA e na LDO por meio da programação de ações a serem executadas, por este motivo, corresponde à peça orçamentária propriamente dita.

A LOA se configura como orçamento-programa composta de dois tipos de programas: de funcionamento e de investimento. No orçamento de funcionamento os recursos são destinados a atividades de manutenção dos serviços e bens públicos e no orçamento de investimento os recursos são destinados a projetos de investimento necessários a ampliação dos níveis de serviços públicos e realização de novas obras públicas. A LOA é fundamental

para o planejamento governamental porque permite a mobilização mais produtiva de recursos para o desenvolvimento social e econômico do país e suas regiões (GIACOMONI, 2007; PISCITELLI; TIMBÓ, 2009).

No âmbito do desenvolvimento regional o processo de regionalização pode ser entendido a partir de três funções interdependentes: a) o conhecimento científico do território; b) administração desse território; e c) fortalecimento dos interesses da comunidade que habita o território. Em síntese, essas três funções correspondem ao planejamento (PAIVA; TARTARUGA, 2007).

Compreende-se para efeito desse estudo a região como um espaço territorial habitado por uma população e delimitado como tal para efeito de planejamento do desenvolvimento sócio-econômico. Ou seja, neste caso a região é delimitada a partir do fim ou do objetivo que determina a segmentação do território. Se o objetivo é o planejamento do desenvolvimento sócio-econômico, então, a regionalização deve priorizar tanto as homogeneidades como as diferenças circunscritas à região e que evidenciem seu potencial de desenvolvimento endógeno (CUNHA; SIMÕES; PAULA, 2008; PAIVA; TARTARUGA, 2007; RIEDL; MAIA, 2007).

Entende-se aqui desenvolvimento sócio-econômico como um processo que atribui aos grupos e indivíduos que habitam o território regional a capacidade e a liberdade de escolha. Isto é, os atores locais participam do diagnóstico dos problemas regionais, da decisão sobre prioridades e objetivos, e da coordenação e avaliação das ações (ABRAMOVAY, 2001; CABUGUEIRA, 2000).

Alocação e aplicação dos recursos públicos torna-se, assim, estratégica para o desenvolvimento regional uma vez que o orçamento público faz parte do planejamento na administração pública.

2.2.4.2. Conselhos de gestão como instrumentos de accountability

Os conselhos de gestão são órgãos colegiados, normalmente constituídos em regime paritário entre o poder público e a sociedade civil. Configuram-se como canais institucionais que possibilitam a participação popular nas discussões sobre planejamento e implementação das políticas públicas em diferentes áreas, tais como: saúde, assistência social, educação, trabalho e renda, moradia, (MARTINS, et. al., 2006).

O escopo das deliberações dos conselhos é amplo: recai sobre diretrizes das políticas públicas e sobre estratégias para sua implementação. Por este motivo vai além do

estabelecimento de diretrizes e metas; denota a importância do controle social compartilhado com a gestão pública (GOHN, 2003).

A cultura do planejamento na administração pública, ao longo das últimas décadas do século XX, foi prejudicada devido aos altos índices inflacionários. Com isso o planejamento caiu em descrédito e o orçamento público, enquanto instrumento de planejamento da administração pública, passou a ser tomado como mera formalidade legal (ANDRADE, 2002).

A falta de compatibilidade entre planejamento e controle do orçamento público pode acarretar em alocação ineficiente de recursos e tomada de decisão sem informações. Por esse motivo, há a necessidade latente do controle permanente da execução orçamentária e financeira das contas públicas tanto por parte da gestão pública como pelos diversos segmentos interessados.

Além disso, há a tendência à accountability reduzida na arena burocrática a qual os conselhos de gestão normalmente estão vinculados (SANTOS, 2001). O controle do PPA, da LDO e da LOA pelos conselhos de gestão traz maior visibilidade das regras do jogo político aos participantes dos próprios conselhos e à comunidade local. No Brasil, a LRF tem função de evitar os gastos excessivos pelos governantes e minimizar o endividamento. A transparência do gasto público é uma prática central para a ampliação da accountability.

A publicização pelos conselhos de gestão e pela mídia do jogo político torna mais transparente as trocas políticas e os recursos econômicos aí envolvidos, e pode minimizar o clientelismo. Sobretudo com a utilização das tecnologias de comunicação e informação.

Cabe destacar, no entanto, que verifica-se atualmente uma profunda distância entre as promessas e a realidade no que tange a presença da accountability no Brasil, demonstrando, apesar dos inegáveis avanços, a forte presença ainda de uma estrutura autoritária, centralizadora e refratária à participação popular cujo fundamento é o patrimonialismo, um traço permanente e resistente da cultura política brasileira (PINHO, 1998; 2006; 2008; 2009).

2.2.4.3. Continuum da accountability nos conselhos de gestão

A revisão das concepções e tipologias da accountability no setor público e não governamental tornou possível estabelecer um continuum que servirá como referência para a análise da accountability em mecanismos híbridos de controle social como é o caso dos conselhos de gestão (ver quadro 10).

Enfoques teóricos do Controle Social Controle social do Estado sobre a sociedade civil

Controle social compartilhado entre o Estado e a sociedade civil NPM6 NPS7 Controle social da sociedade civil sobre o Estado Níveis de accountability Legal e Burocrática

Gerencial Política Autocontrole

Fiscal Desempenho Programática Discursiva Abrangência e mecanismos de controle Vertical - controle é realizado pelas instituições reguladoras

Societal – o controle é realizado por mecanismos institucionais híbridos com participação paritária de representantes da

sociedade civil organizada e do Estado

Societal - o controle é realizado por mecanismos difusos Informação e comunicação Informação é estruturada de acordo com parâmetros legais

Informação é produzida para avaliar o desempenho da gestão e publicizada por canais

de comunicação que possibilitam o debate em espaços institucionais deliberativos e tornam os

resultados mais visíveis à população

Visibilidade midiática pela comunicação social Eficácia política do controle social Menor controle pelos participantes Maior controle pelos participantes Quadro 10 – Continuum da accountability e eficácia política do controle social

Fonte: elaborado pelo autor.

Os níveis de accountability do continuum são considerados de acordo com os enfoques teóricos do controle social na perspectiva da ciência política.

No caso do controle social do Estado sobre a sociedade civil o nível de accountability é legal e burocrática. O controle é institucional e verticalizado. As instituições reguladoras utilizam a hierarquia para gerar ordem e harmonia “de cima para baixo”. A informação é estruturada tecnicamente de acordo com parâmetros legais e é divulgada pelos canais de comunicação oficiais.

No enfoque do controle social da sociedade civil sobre o Estado ocorre o autocontrole. O controle é exercido pela sociedade civil por meio de mecanismos difusos. A transparência pública se dá pela visibilidade midiática. As tecnologias da informação e comunicação espalham-se pelos mais diversos espaços passando a integrar a sociabilidade. A mídia é um importante ator discursivo que propõe uma agenda de questões relevantes para o debate público.

No enfoque do controle social compartilhado entre o Estado e a sociedade civil o continuum da accountability está expresso em uma escala incremental que tem o potencial de ampliar a eficácia política do controle social compartilhado, na medida em que o aumento nos níveis dessa escala tem como impacto o aumento dos níveis de controle pelos cidadãos.

O controle é exercido por mecanismos institucionais híbridos com participação paritária de representantes da sociedade civil e do Estado. A transparência pública ocorre pela

6 NPM – New Public Management 7 NPS – New Public Service

publicização das informações por meio de canais de comunicação que possibilitam o debate em espaços institucionais deliberativos e tornam os resultados auferidos pela gestão mais visíveis à população.

Nesse continuum a accountability da administração pública ocorre dentro de dois níveis: gerencial e político.

No nível gerencial a accountability é caracterizada como responsabilização no sentido da answerability. A administração pública presta contas de seus atos de acordo com as regras de economicidade estabelecidas pela legislação, e avalia a eficiência e eficácia de processos, procedimentos e resultados. Esse nível de accountability está voltado para a análise financeira e avaliação do desempenho da gestão pública.

No nível político a accountability está configurada como responsividade no sentido da discursividade. A administração pública avalia coletivamente a efetividade das ações para o atendimento das demandas e necessidades sociais e cria espaços de interlocução para a formação de voice da sociedade civil organizada e ouve as reivindicações dos cidadãos e de seus representantes. Nesse nível a accountability está centrada na criação de comunidades discursivas em que tomam parte do debate público representantes da sociedade civil organizada como porta-vozes dos interesses da coletividade.