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3 A DEFESA TÉCNICA NO PROCESSO

3.3 ACESSO À JUSTIÇA AMBIENTAL

No Brasil, o acesso à justiça ambiental em sua plenitude e efetividade ainda enfrenta obstáculos de diversas dimensões, cujos resultados causam, não raro, profunda crise na efetivação da jurisdição ambiental, principalmente em razão da pouca racionalidade e da hermenêutica jurídica das políticas públicas voltadas tanto para a educação ambiental da população como em relação aos mecanismos de efetiva preservação dos recursos naturais brasileiros.396

Zenildo Bodnar e Paulo Márcio Cruz397 também abordam esse tema. Nas palavras destes autores:

Os obstáculos para o acesso pleno e efetivo à Justiça Ambiental apresentam-se com múltiplas dimensões e com uma ordem de complexidade peculiar. E por isso constata-se também uma crise geral e profunda tanto no acesso à justiça como na efetividade da jurisdição ambiental. Crise esta que decorre principalmente da falta uma racionalidade jurídica e uma hermenêutica dotada de especial sensibilidade ecológica; operacionalmente versátil para a outorga de um adequado tratamento aos conflitos envolvendo relações jurídicas amplas e complexas, nas quais estão envolvidos não apenas seres humanos, mas também toda a comunidade de vida e as futuras gerações.

395SOUZA, Rafael Soares. Justiça administrativa: o sistema brasileiro, p. 94. 396POLIPPO, Micheli. O controle judicial de políticas públicas em matéria

ambiental. Dissertação (Mestrado em Ciência Jurídica) - Universidade do

Vale do Itajaí –

UNIVALI, Itajaí, SC, 2008, p. 57.

397BODNAR, Zenildo; CRUZ, Paulo Márcio. Acesso à justiça e as dimensões

materiais da efetividade da jurisdição ambiental. Revista Jurídica – CCJ, Blumenau, v. 15, nº. 30, p. 111 - 136, ago./dez. 2011. ISSN 1982-4858

Disponível em:

<http://proxy.furb.br/ojs/index.php/juridica/article/view/3061>. Acesso em: 08 fev. 2016.

A base dos sistemas jurídicos de caráter individualista iniciados no fim do século XIX e consolidados no decorrer do século XX, no que tange ao acesso à justiça ambiental, deve ser passada a limpo, ou seja, repensada, reconsiderada e reconstruída para que se possa ter uma justiça ambiental mais efetiva e plena, embasada nos seguintes pontos: a) definição, na esfera substancial e processual, de uma verdadeira estrutura de prevenção, precaução e punibilidade, que realmente se mostre funcional; b) simplificação e diminuição dos obstáculos ao efetivo acesso e processo ambiental, privilegiando aspectos como celeridade e informalidade da processualística nos casos concretos de ocorrência ou existência de dano ambiental; e c) flexibilização de normas e regras de legitimação do acesso à justiça ambiental para o maior número de pessoas (acesso coletivo).398

Cumpre dizer, ainda, que um efetivo e amplo acesso à justiça ambiental também abrange aspectos de ordem procedimental e de ordem material. O primeiro alude à construção de medidas e garantias que facilitem tanto o acesso à justiça administrativa ambiental como o acesso à justiça judiciária estatal na defesa dos interesses de toda a coletividade em relação às questões ambientais. O segundo aspecto consiste na aplicação dos provimentos judiciais voltados à realização concreta das justiças social e ambiental. O acesso à justiça ambiental, nesse contexto, não depende somente da existência de normas reguladoras da utilização do meio ambiente, mas, também e principalmente, de instrumentos jurídicos e processuais que garantam à sociedade maior facilidade de o acesso ao Poder Público (Administração Pública – processo administrativo – e Poder Judiciário – tutela jurisdicional) para demandar questões de ordem ambiental de interesse social, em especial com a popularização e a simplificação dos instrumentos das ações populares e das ações civis públicas.399

Henri Acselrad400 assim trata a matéria:

398BENJAMIN, Antônio Herman V. A insurreição da aldeia global contra o

processo civil clássico: apontamentos sobre a opressão e a libertação judiciais do meio ambiente e do consumidor. In: MILARÉ, Edis (Org.). Ação Civil Pública – Lei 7.347/85 – Reminiscências e reflexões após 10 anos de aplicação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 101-108.

399POLIPPO, Micheli. O controle judicial de políticas públicas em matéria

ambiental, p. 58.

400ACSELRAD, Henri. Justiça ambiental: narrativas de resistência ao risco

social adquirido. Encontros e Caminhos: Formação de Educadoras(es) Ambientais e Coletivos Educadores. Brasília: MMA, 2005, p. 223.

Justiça Ambiental é uma noção emergente que integra o processo histórico de construção subjetiva da cultura dos direitos no bojo de um movimento de expansão semântica dos direitos humanos, sociais, econômicos, culturais e ambientais. Na experiência recente, a justiça ambiental surgiu da criatividade estratégica dos movimentos sociais, alterando a configuração de forças sociais envolvidas nas lutas ambientais e, em determinadas circunstâncias, produzindo mudanças no aparelho estatal e regulatório responsável pela proteção ambiental.

Micheli Polippo401 expõe os instrumentos constitucionais que permitem e facilitam o acesso à justiça ambiental:

A Constituição de 1988 estabelece um sistema formalmente ideal de garantias para o acesso à Justiça Ambiental, prevendo a inafastabilidade do controle jurisdicional diante de ameaça ou lesão a direitos, a assistência judicial integral e gratuita aos necessitados, remédios constitucionais (mandado de segurança coletivo, mandado de injunção, ação popular e ação civil pública), amplos poderes e atribuição ao Ministério Público para atuar na defesa judicial e extrajudicial do meio ambiente, bem como um conjunto de princípios que integram o devido processo legal substancial: isonomia entre as partes, contraditório e ampla defesa, duração razoável do processo, dentre outros.

O acesso amplo e efetivo à justiça ambiental deve ser tema central de reflexões e debates a respeito da construção de um novo modelo comportamental que privilegie atitudes positivas de proteção ao meio ambiente, não se limitando somente ao acesso à jurisdição estatal, mas principalmente ao acesso e à disseminação de informações de conscientização sobre o meio ambiente. Neste modelo de comportamento também se enfatiza a aplicabilidade das decisões

401

POLIPPO, Micheli. O controle judicial de políticas públicas em matéria ambiental, p. 58.

judiciais, em especial as de caráter preventivo e punitivo relativas aos danos ambientais.402

Embora a Constituição Federal tenha consagrado novos paradigmas jurídicos voltados para o entendimento das relações entre a sociedade e o meio ambiente, nominado socioambientalismo, ele, no entanto, em nada se correlaciona com a justiça ambiental, tampouco com o acesso à justiça ambiental, isto porque não houve o fortalecimento dos grupos sociais no sentido de difundir informações que facilitam a concretização e a solidificação da cidadania ambiental. Não é por outra razão que o acesso efetivo à justiça ambiental se mostra deficitário ao longo do tempo, justamente por falta de consciência da própria sociedade de que o meio ambiente é um patrimônio de todos, a ser concebido como herança das passadas e para as futuras gerações.403

A ideia de justiça ambiental deve ser, portanto, construída a partir de um movimento que tenha como cerne a distribuição equitativa dos custos, dos riscos e dos benefícios que o meio ambiente representa para os indivíduos e para a sociedade, sem que haja qualquer forma de discriminação; quer dizer: que se permita acesso igualitário aos bens ambientais e aos mecanismos legais e processuais de defesa do meio ambiente. O acesso à justiça ambiental, assim, será igualitário e democrático, tanto do ponto de visto de uso dos bens ambientais como da sua defesa.404

402BODNAR, Zenildo; CRUZ, Paulo Márcio. Acesso à justiça e as dimensões

materiais da efetividade da jurisdição ambiental. Revista Jurídica – CCJ, Blumenau, v. 15, n. 30, p. 111 - 136, ago./dez. 2011. ISSN 1982-4858

Disponível em:

<http://proxy.furb.br/ojs/index.php/juridica/article/view/3061>. Acesso em: 8 fev. 2016.

403

CAVEDON, Fernanda de Salles; VIEIRA, Ricardo Stanziola. Socioambientalismo e justiça ambiental como paradigma para o sistema jurídico-ambiental: estratégia de proteção da sociobiodiversidade no tratamento dos conflitos jurídico-ambientais. Abril/2007. Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_le itura&rtigo_id=1736>. Acesso em: 7 fev. 2016.

404CAVEDON, Fernanda de Salles; VIEIRA, Ricardo Stanziola.

Socioambientalismo e justiça ambiental como paradigma para o sistema jurídico-ambiental: estratégia de proteção da sociobiodiversidade no tratamento dos conflitos jurídico-ambientais. Abril/2007. Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_le itura&rtigo_id=1736>. Acesso em: 7 fev. 2016.

De acordo com Mauro Marafiga Camozzato, Mônica Michelotti Loureiro e Thaís Silva405:

O Direito Ambiental, assim como os outros ramos dos direito, é marcado por um forte componente técnico-normativo, entretanto, essa marca aqui, mais que em outros ramos jurídicos, se mostra insuficiente para abarcar a complexidade e a diversidade dos conflitos ambientais, pois a lei jurídica em si não resolve os problemas ambientais. Mostra-se imprescindível estabelecer conexões comunicativas com o substrato socioambiental, que permitam a inserção e a adequada consideração das variáveis sociais, econômicas e políticas que influenciam no tratamento dos conflitos, sob o enfoque de um Direito sócio-ambiental mais preparado às peculiaridades das questões ambientais. Necessita-se urgentemente a quebra de paradigmas jurídicos, bem como a inversão de valores, deixando de lado os construídos por décadas no seio do capitalismo.

A justiça ambiental, bem sabemos, não é um “produto” pronto e acabado que facilmente se distribui entre todos os indivíduos formadores do corpo social; ao contrário, o seu alcance depende de um esforço idealista com viés mobilizador de interesses de toda a coletividade e do Estado para criar mecanismos efetivos de acesso aos bens ambientais e a sua proteção e conservação. Para esses propósitos, suspeita-se que o termo acesso à justiça ambiental talvez não seja o mais coerente, com vistas à realização de uma justiça que se consolide e se faça permanente no sentido de mobilização social em relação às questões ambientais. Trata-se, a justiça ambiental, de concepção ainda embrionária, em construção, de um Poder Judiciário especializado para

405CAMOZZATO, Mauro Marafiga; LOUREIRO, Mônica Michelotti; SILVA,

Thaís Camponogara Aires da. A justiça ambiental e o acesso à informação na construção da cidadania ambiental. Anais... 2º Congresso Internacional de Direito e Contemporaneidade: mídias e direitos da sociedade em rede. Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), 04, 05 e 06 jun. 2013, Santa

Maria, RS. Disponível em:

<http://www.ufsm.br/congressodireito/anais/2013/5-3.pdf>. Acesso em: 7 fev. 2016.

o processamento e a tomada de decisões mais acertadas sobre conflitos da esfera ambiental.406

3.4 O PROCESSO ADMINISTRATIVO-AMBIENTAL E SUAS