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1 AS GARANTIAS PROCESSUAIS

1.4 JURISDIÇÕES UNA E DUAL EM MATÉRIA DE

1.4.1 Conceito de jurisdição

Ao exercer suas funções, que a princípio se voltam para a realização do bem-estar da sociedade, o Estado desempenha diversas atividades: legislativa (de responsabilidade dos Poderes Legislativo e Executivo); administrativa (de responsabilidade exclusiva do Poder Executivo) e jurisdicional (de responsabilidade exclusiva do Poder Judiciário). Esta divisão de poderes e responsabilidades das funções do Estado é um dos corolários do Estado Democrático de Direito, muito comum nos Estados constitucionalizados de países ocidentais.127

João Batista Athanásio128 corrobora o entendimento:

O Estado moderno exerce três funções distintas: legislativa, administrativa e jurisdicional. Enquanto estrutura a ordem jurídica, formula as leis para conservar e desenvolver a vida em sociedade, o estado age como legislador. Enquanto realiza a ordem jurídica, aplica a lei, exercendo sua função administrativa ou jurisdicional.

No que tange ao exercício da sua função legislativa, o Estado, por intermédio dos Poderes Legislativo e Executivo, elabora normas e legislações que direcionam tanto o funcionamento do próprio Estado como se destinam à normatização e à regularização das relações sociais entre seus administrados e destes para com o Estado. Vale lembrar que

126

TERRES, Andrey. O princípio da moralidade no direito administrativo. Âmbito Jurídico, Rio Grande, XI, n. 54, jun 2008. Disponível em: <http://www.ambito-

juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=296 3>. Acesso em: 10 dez. 2015.

127SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. 29.

ed. São Paulo: Saraiva, 2011. v. I, p. 65.

128

ATHANÁSIO, João Batista. Cadernos de direito processual civil. Curitiba: Juruá,1997. v. I, p. 49.

tanto o Estado como a sociedade devem cumprir o ordenamento jurídico.129

A função administrativa do Estado, em um primeiro momento, traduz todas as atividades desempenhadas pelos órgãos da Administração Pública que não se referem à elaboração de leis, tampouco a atividades resultantes de sua função jurisdicional.130 Em um segundo momento, a função administrativa é exercida direta ou indiretamente pelo Estado (neste caso, por delegação, concessão ou permissão) dentro dos limites da norma jurídica, que tem por objetivo atender às necessidades básicas e aos interesses da coletividade.131

No entendimento de Jorge Miranda132, por meio da função administrativa:

[...] realiza-se a prossecução dos interesses públicos correspondentes às necessidades colectivas prescritas pela lei, sejam esses interesses da comunidade política como um todo ou com eles se articulem relevantes interesses sociais diferenciados.

Assim, pode-se dizer que a função administrativa do Estado compreende todas as atividades que são desempenhadas direta ou indiretamente pela Administração Pública, de acordo com as normas de âmbito constitucional e infraconstitucional, e que visam atender aos interesses públicos e promover o bem-estar social.133

Marcello Caetano134, dissertando sobre o tema, assim explicita a função administrativa:

129SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil, p.

65.

130MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo:

parte introdutória, parte geral e parte especial. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 24.

131CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito

administrativo, p. 04.

132MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. Coimbra: Coimbra,

1997. t. 5, p. 29.

133CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo,

2004, p. 04.

134

CAETANO, Marcello. Manual de Direito Administrativo. 10. ed. Coimbra: Almedina, 1991. t. I, p. 13.

O Estado promove e assegura a execução de leis sem esperar que do choque de interesse resultem conflitos em que duas ou mais partes reivindiquem a protecção jurídica na convicção de lhes ser devida. O Estado tem órgãos que tomam a iniciativa da realização dos comandos legais, directamente ou mediante a orientação da conduta dos particulares. E nesses casos os órgãos do Estado procedem como se fossem eles próprios os titulares dos interesses que a lei quer ver em ação, agindo como partes nas relações com os particulares, isto é, com parcialidade. O Estado não espera que venham pedir que intervenha para executar a lei: aproveita faculdades legais, usa os poderes, cumpre os seus deveres, escolhendo quando lhe seja possível a oportunidade de intervenção e determinando-se nela por motivos de conveniência. Assim, as decisões ou operações de vontade predominam sobre os julgamentos ou operações de inteligência. E o Estado, na medida em que proponha realizar os seus interesses, pode entrar em conflito com outros interessados [Grifos do autor].

Em relação à função jurisdicional do Estado, de plano, é importante apresentar o significado etimológico135 da palavra jurisdição, que tem sua origem no somatório das palavras latinas – jus dicere e juris dictio, que juntas resultam no termo latino jurisdictio, no sentido de judicatura. Judicatura, a propósito, é o ato por meio do qual o Estado administra o direito e distribui a justiça entre seus administrados.136

Dois aspectos caracterizam a função jurisdicional do Estado. O primeiro alude ao poder que tem o Estado de “dizer” o direito, ou seja, o dever-poder do Estado de solucionar os conflitos dos seus administrados. O segundo aspecto se traduz, também, no poder-dever assumido pelo Estado para fazer com que as leis sejam efetivamente cumpridas, caso contrário, serão punidos pelo Poder Judiciário todos

135 Verbete: etimologia. “S.f. 1. O estudo da origem das palavras. 2. Origem

duma palavra.” FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Miniaurélio: o dicionário da língua portuguesa, p. 383.

aqueles indivíduos que, de alguma forma, tenham praticado uma conduta não permitida pelo sistema jurídico.137

Antonio Carlos de Araújo Cintra138, sobre a jurisdição, assevera que:

[...] é uma função do Estado e mesmo monopólio estatal, já foi dito; resta agora, a propósito, dizer que a jurisdição é, ao mesmo tempo, poder, função e atividade. Como poder, é manifestação do poder estatal, conceituado como capacidade de decidir imperativamente e impor decisões. Como função, expressa o encargo que têm os órgãos estatais de promover a pacificação de conflitos interindividuais, mediante a realização do direito justo e através do processo. E como atividade ela [a jurisdição] é o complexo de atos do juiz no processo, exercendo o poder e cumprindo a função que a lei lhe comete. O poder, a função e a atividade somente transparecem legitimamente através do processo devidamente estruturado (devido processo legal).

O Estado, bem se vê, é o detentor da função jurisdicional e o seu exercício objetiva assegurar que as leis sejam efetivamente aplicadas, garantido o devido processo legal àqueles que descumprirem os preceitos legais.

A jurisdição visa, ademais, conciliar os conflitos que emanam da sociedade, nas relações cotidianas e, pelas mãos do Poder Judiciário, dizer a quem cabe o direito demandado.