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Princípios da legalidade e do devido processo legal

1 AS GARANTIAS PROCESSUAIS

1.3 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS APLICÁVEIS AO

1.3.1 Princípios da legalidade e do devido processo legal

O princípio da legalidade vincula a Administração Pública aos mandamentos da lei. Segundo este princípio, a Administração Pública só pode fazer o que a lei e o Direito permitem, ao contrário do que acontece nas relações entre particulares, nas quais é permitido fazer tudo o que a lei não proíbe.

Além da Administração Pública, também o seu agente (público) fica subordinado ao princípio da legalidade, cujo descumprimento pode acarretar a nulidade do ato administrativo e responsabilizar o seu autor. Desta maneira, toda autoridade administrativa deve respeitar as leis e não pode, por regra, agir diversamente do que a lei autoriza. Este postulado, vale dizer, regra o comportamento administrativo e a conduta da Administração Pública.60

A respeito do princípio da legalidade, Celso Antonio Bandeira de Mello61 leciona:

O princípio da legalidade é o da completa submissão da Administração às leis. Esta deve tão-somente obedecê-las, cumpri-las, pô-las em prática. Daí que a atividade de todos os seus agentes, desde que o lhe ocupa a cúspide, isto é, o Presidente da República, até o mais modesto dos servidores, só pode ser a de dóceis, reverentes, obsequiosos cumpridores das disposições gerais fixadas pelo Poder Legislativo, pois esta é a posição que lhes compete no Direito brasileiro. O princípio da legalidade é, portanto, o alicerce e o principal fundamento da Administração Pública, uma vez que o Estado só pode agir em função do que a lei determina.

A propósito, em diversos julgados analisados, verificou-se o desrespeito ao princípio da legalidade, como demonstram os seguintes excertos:

116019372 - ADMINISTRATIVO - RECURSO

ESPECIAL - IBAMA - ÁREA DE

PROTEÇÃO AMBIENTAL -

60GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo, p. 7. 61

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Curso de direito administrativo. 18. ed. São Paulo Malheiros, 2004, p. 92.

IMPOSSIBILIDADE DE CONSTRUÇÃO SEM LICENCIAMENTO - TERMO DE

EMBARGO SEM EMBASAMENTO

NORMATIVO - AUSÊNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL - EXERCÍCIO DE DEFESA - NULIDADE. 1. Demanda em face de suposta infração, por parte do autor, aos preceitos ditados no art. 40, da Lei n° 9.605/98, na Resolução CONAMA nº 13/90, no art. 6°, § 7°, do Decreto nº 90.883/85, e no art. 14, I, da Lei n°6.938/81. 2. Constitui infração, a construção de obra em área de proteção ambiental, sem o devido licenciamento, ocasionando, via de conseqüência, a aplicação das sanções atinentes à matéria. 3. Inexistente embasamento normativo ao Termo de Embargos lançado, impossibilitando o exercício da defesa ao autuado, restam invalidados seus efeitos desde a sua lavra. 4. Ato inquinado não atende à técnica administrativa, a qual só é permitida a realização de algum ato se houver expressa previsão legal, além de que, quando se tratar de sanção, o preceito permissivo deve constar obrigatoriamente do instrumento executório, a fim de possibilitar competente ciência e eventual defesa por parte do administrado. 5. Não se encontrando no Termo de Embargos seu embasamento normativo, de forma que possibilite ao administrado o exercício de sua defesa e compreenda de onde adveio sua punição, têm-se por nulos os seus efeitos desde a sua lavratura, devendo o mesmo ser afastado do mundo jurídico. 6. Em homenagem ao devido processo legal, não vinga processo administrativo para aplicar sanções sem o oferecimento de prazo e condições para o exercício de defesa. 7. Recurso não provido [Grifos nosso].62

62BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RESP 447639 - PR (2002/0086766-8).

Primeira Turma. Rel. Min. José Delgado. Brasília, DF, 7 de novembro de

2002.. DJU 09.12.2002. Disponível em:

<http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/7535615/recurso-especial-resp- 447639-pr-2002-0086766-8/inteiro-teor-13147547>. Acesso em: 10 maio 2016.

33154536 - ADMINISTRATIVO - PROCESSO CIVIL - IBAMA - AUTO DE INFRAÇÃO - PORTARIA Nº 267/88 - IMPOSIÇÃO DE

SANÇÃO - IMPOSSIBILIDADE -

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS FIXADOS COM BASE NO ART. 20, § 4º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL - IMPROVIMENTO - 1. Não se apresenta juridicamente admissível a definição de infrações administrativas e a fixação de sanções dessa mesma natureza por portarias, que não constituem o instrumento próprio para tanto, pois somente a lei, em sentido formal e também material, pode prever infrações e estabelecer as correspondentes sanções. 2. Somente o órgão jurisdicional competente pode estabelecer sanções em face da realização de tipos de contravenção penal, não sendo possível, portanto, que possa o IBAMA impor penalidades pela realização de contravenção prevista no art. 26, da Lei nº 4.771/65. 3. A Portaria nº 267/88 foi editada com base em delegação de competência originária de decreto-lei não recepcionado pelo art. 25, do ADCT da Constituição Federal de 1988, o que afasta a possibilidade de sua aplicação ao caso em

comento. 4. Os arts. 49, da Lei nº

4.771/65 e 225, § 4º, da Constituição Federal não conferem respaldo a Portaria nº 267/88, pois os acima mencionados dispositivos legal e constitucional não prevêem a existência de competência da autarquia federal para baixar portarias impondo sanções àqueles que,

eventualmente, descumpram norma de

proteção ao meio-ambiente. 5. Não merece reforma a sentença que, em sendo vencida autarquia pública federal, fixou os honorários advocatícios com base no art. 20, § 4º, do Código de Processo Civil. 6. Apelações e remessa oficial conhecidas e improvidas [Grifos nossos].63

63BRASIL. Tribunal Regional Federal. 1ª Região. AC 199801000364398 - BA -

Quarta Turma. Rel. Juiz I´talo Mendes. Brasília, DF, DJU 21.06.2001, p. 51

Disponível em:

O princípio do devido processo legal, previsto no art. 5º, inc. LIV, da Constituição Federal, consigna que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.

Como se sabe, o texto da atual Constituição Federal contemplou diversos direitos de ordem social e garantias fundamentais aos indivíduos, ainda não inseridos em textos constitucionais anteriores.64

O princípio do devido processo legal está intimamente ligado à garantia das liberdades públicas e se revela como um dos principais alicerces da teoria geral do processo, em especial o processo penal. Como corolário do Estado Democrático de Direito, referido princípio deve ser aplicado nos direitos à vida, à liberdade, ao patrimônio e também na elaboração das normas jurídicas, sejam elas de ordem pública ou privada, sujeitando, assim, ao cumprimento das leis todos os indivíduos do corpo social e também o Estado.65

De acordo com Sônia Márcia Hase de Almeida Baptista66, o princípio do devido processo legal impõe que “o processo tem de se submeter a um ordenamento preexistente e, se este se alterar, estando em curso o processo, os atos já realizados serão respeitados [...]”.

De acordo com Alexandre de Moraes67:

O devido processo legal configura dupla proteção ao indivíduo, atuando tanto no âmbito material de proteção ao direito de liberdade, quanto no âmbito formal, ao assegurar-lhe paridade total de condições com o Estado-persecutor e plenitude de defesa [...]. O legislador brasileiro inspirou-se na Constituição Americana, ao trazer para o ordenamento jurídico brasileiro o princípio do devido processo legal. Tal princípio encontra-se na Carta Política Brasileira de 1988, Art. 5º, LIV: =1319&data=07/12/2010&captchafield=firistAccess>. Acesso em: 10 maio 2016.

64MIRANDA, Maria Bernadete. Princípios constitucionais do direito

administrativo. Revista Virtual Direito Brasil, Aldeia da Serra Santa de

Parnaíba, SP, v. 2, n. 2, 2008. Disponível em:

<http://www.direitobrasil.adv.br/artigos/ad.pdf>. Acesso em: 27 nov. 2015.

65DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de direito processual civil. 11. ed.

Salvador: Juspodivm, 2009, v.1, p. 29-30.

66BAPTISTA, Sônia Márcia Hase de Almeida. Direito processual civil. São

Paulo: Saraiva, 1997, p. 12.

67

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 30. ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 121.

‘ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal’.

No meio doutrinário, prevalece o entendimento de que o princípio do devido processo legal é um princípio superior ou basilar e orienta os demais princípios aplicados ao direito processual em geral, em especial no processo penal.

José Alfredo Oliveira Baracho68 não se afasta dessa linha de entendimento. Para o autor, o devido processo legal impõe que “o direito de ação e o direito de defesa judicial são assegurados aos indivíduos, de modo completo, por toda uma série de normas constitucionais que configuram o que se denomina de ‘due process of law’, processo que deve ser justo e leal”.

A respeito desse princípio, Celso Antonio Bandeira de Mello69 leciona:

[...] de um lado, como estabelece o art. 5º, LIV, da Constituição Federal, em que ‘ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal’ e, de outro, na conformidade do mesmo artigo, inciso LV, em que: ‘aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes’. Estão aí consagrados, pois, a exigência de um processo formal regular para que sejam atingidas a liberdade e a propriedade de quem quer que seja e a necessidade de que a Administração Pública, antes de tomar decisões gravosas a um dado sujeito, ofereça-lhe oportunidade de contraditório e de ampla defesa, no que se inclui o direito a recorrer das decisões tomadas. Ou seja: a Administração Pública não poderá proceder contra alguém passando diretamente à decisão que repute cabível, pois terá, desde logo, o dever

68BARACHO, José Alfredo Oliveira. Processo constitucional. In: _____

(Org.). Direito processual constitucional: aspectos contemporâneos. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 67.

69

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Curso de direito administrativo, p. 105.

jurídico de atender ao contido nos mencionados versículos constitucionais.

Observa-se, assim, que o princípio do devido processo legal se coloca no sistema jurídico brasileiro como garantia constitucional das liberdades públicas, prevendo que ninguém poderá ser condenado sem que seja devidamente processado e julgado, dentro dos preceitos do direito e da lei.70

No cotidiano da prática advocatícia não é incomum encontrar situações que revelam inúmeras arbitrariedades cometidas por agentes estatais incumbidos da fiscalização ambiental. A título de exemplo, conforme reportagem divulgada pelo site de internet “Fatos em Dia”, pode-se mencionar a atitude de agentes do órgão fiscalizador federal, que durante operações ambientais na região de Cláudia e União do Sul atearam fogo em vários caminhões, uma moto e um trator de pneu, causando prejuízo da ordem de 750 mil reais. Idêntica conduta se observa na atividade de extração de madeira, com suposto desmate ilegal, na região das cidades paraenses de Castelo do Sonho e Novo Progresso.71

Para a OAB, ações praticadas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), como atear fogo em bens particulares, além de violar garantias constitucionais, ferem o Estado Democrático de Direito.

Ademais, conforme sustenta a OAB, os equipamentos inutilizados pelo Ibama poderiam, após o devido processo legal, e não havendo restituição do bem, ser doados para órgãos públicos ou para entidades filantrópicas, conforme entendimento da justiça: “Temos inúmeras entidades que prestam serviços públicos de natureza filantrópicos, como é o caso da Fundação Livres para Viver, que precisa desses tipos de bens que acabaram sendo queimados”72.

70MIRANDA, Maria Bernadete. Princípios constitucionais do direito

administrativo. Revista Virtual Direito Brasil, Aldeia da Serra Santa de

Parnaíba, SP, v. 2, n. 2, 2008. Disponível em:

<http://www.direitobrasil.adv.br/artigos/ad.pdf>. Acesso em: 27 nov. 2015.

71FATOS EM DIA. Queimar maquinários. Disponível em:

<http://www.fatosemdia.com.br/noticia/acao-do-ibama-e-ilegal-disse-o- presidente-da-oab-de-sinop>. Acesso em: 15 fev. 2016.

72FATOS EM DIA. Queimar maquinários. Disponível em:

<http://www.fatosemdia.com.br/noticia/acao-do-ibama-e-ilegal-disse-o- presidente-da-oab-de-sinop>. Acesso em: 15 fev. 2016.

A OAB, por seu representante, nesse caso específico, orientou todos os prejudicados a procurar um advogado para fazer as respectivas defesas e, sendo o caso, movimentar as devidas e pertinentes ações indenizatórias.73