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Capítulo I. D OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO PROCESSO

4. Dos princípios constitucionais do processo e reflexos no processo do trabalho

4.4 Acesso à justiça

4.4.1 Acesso coletivo à justiça do trabalho

O acesso à justiça não pode ficar limitado à tutela do interesse individual, abrange, necessariamente, a tutela dos interesses coletivos, pertencentes ao grupo.

Vivemos, hoje, uma sociedade de massas, em que os conflitos se propagam em diversas regiões, e atingem muitas pessoas ao mesmo tempo. Isso se deve, em muito, ao próprio sistema capitalista e à propagação intensa da comunicação e informação. Inegavelmente, estamos na sociedade de informação, na qual as pessoas parecem estar ligadas a uma rede comum.

Diante da multiplicidade de conflitos de origem comum ou que atingem um número indeterminado de pessoas, ou até mesmo um grupo determinado, há necessidade de se criar mecanismos para o acesso coletivo à justiça, como forma de garantir a efetividade dos direitos fundamentais.

A tutela dos direitos coletivos perante o poder judiciário, representa, segundo Mauro Capelletti e Bryant Garth, a segunda onda do acesso à justiça. Dizem os juristas:

“O segundo grande movimento de esforço de melhorar o acesso à justiça enfrentou o problema da representação dos interesses difusos, assim chamados os interesses coletivos ou grupais, diversos daqueles dos pobres. Nos Estados únicos, onde esse mais novo movimento de reforça é ainda provavelmente mais avançado, as modificações acompanharam o grande quinquênio de preocupações e providências na área da assistência jurídica (1965 – 1970). Centrando seu foco de preocupação especificamente nos interesses difusos, esta segunda onda de reformas forçou a reflexão sobre noções tradicionais muito básicas do processo civil e sobre o papel dos tribunais. Sem dúvida, uma verdadeira revolução está-se desenvolvendo dentro do processo civil [...] A concepção tradicional do processo civil não deixava espaço para a proteção dos interesses difusos. O processo era visto apenas como um assunto entre duas partes, que se destinava à solução de uma controvérsia entre essas mesmas partes a respeito de seus próprios interesses individuais. Direitos que pertencessem a um grupo, ao público em geral ou a um segmento do público não se enquadravam bem nesse esquema. As regras determinantes da legitimidade, as normas de procedimento e a atuação dos juízes não eram destinadas a facilitar as

43 Código brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 10. ed. Rio de Janeiro:

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demandas por interesses difusos intentadas por particulares [...] A proteção de tais interesses tornou necessária uma transformação do papel do juiz e de conceitos básicos como ‘citação’ e o ‘direito de ser ouvido’. Uma vez que nem todos os titulares de um direito difuso podem comparecer em juízo – por exemplo, todos os interessados na manutenção da qualidade do ar, numa determinada região – é preciso que haja um ‘representante adequado’ para agir em benefício da coletividade, mesmo que os membros dela não sejam ‘citados’ individualmente. Da mesma forma, para ser efetiva, a decisão deve obrigar a todos os membros do grupo, ainda que nem todos tenham tido a oportunidade de ser ouvidos. Dessa maneira, outra noção tradicional, a de coisa julgada, precisa ser modificada, de modo a permitir a proteção judicial efetiva dos interesses difusos. A criação norte-americana da class action, abordada a seguir, permite que, em certas circunstâncias, uma ação vincule os membros ausentes de determinada classe, a despeito do fato de eles não terem tido qualquer informação prévia sobre o processo. Isso demonstra as dimensões surpreendentes dessa mudança no processo civil. A visão individualista do devido processo judicial está cedendo lugar rapidamente, ou melhor, está fundindo com uma concepção social, coletiva.” 44

Atualmente, diante da necessidade de se garantir o acesso à justiça, bem como de tutela dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, a moderna doutrina vem sustentando a existência do chamado devido processo legal coletivo que disciplina o conjunto de regras para a tutela processual desses direitos.

O alicerce do direito processual coletivo está na própria Constituição Federal, ao disciplinar a tutela de direitos difusos e coletivos e também nos arts. 129 e ss., que fazem menção às ações coletivas para defesa desses direitos, a exemplo da Ação Popular e da Ação Civil Pública.

Além disso, hoje, no aspecto infraconstitucional, há um microssistema que regula as ações coletivas, formado pela Lei 7.347/1985 (Lei da Ação Civil Pública) e Lei 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor), estabelecendo princípios e regras do processo coletivo.

Nesse sentido, comenta Raimundo Simão de Melo que o processo, como não se pode negar, é um instrumento de aplicação do direito material violado, o qual, não cumprindo o seu papel, torna-se um instrumento inútil e até odiado pelo jurisdicionado, que vê o seu direito tornar-se algo ineficaz. A solução, portanto, é a aplicação da jurisdição coletiva como

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corolário do princípio do devido processo legal no processo do trabalho, para se prevenir a defesa dos direitos metaindividuais e buscar coletivamente as reparações consequentes.45

Há no Congresso Nacional, anteprojeto do Código brasileiro de Processos Coletivos, que sintetiza os princípios gerais do acesso coletivo à justiça em seu art. 2º, in verbis:

Princípios da tutela jurisdicional coletiva – São princípios da tutela jurisdicional coletiva: (a) acesso à justiça e à ordem jurídica justa; (b) universalidade da jurisdição; (c) participação pelo processo e no processo; (d) tutela coletiva adequada; (e) boa-fé e cooperação das partes e de seus procuradores; (f) cooperação dos órgãos públicos na produção da prova; (g) economia processual; (h) instrumentalidade das formas; (i) ativismo judicial; (j) flexibilização da técnica processual; (k) dinâmica do ônus da prova; (l) representatividade adequada; (m) intervenção do Ministério Público em casos de relevante interesse social; (n) não taxatividade da ação coletiva; (o) ampla divulgação da demanda e dos atos processuais; (p) indisponibilidade temperada da ação coletiva; (q) continuidade da ação coletiva; (r) obrigatoriedade do cumprimento e da execução da sentença; (s) extensão subjetiva da coisa julgada, coisa julgada secundum eventum litis e secundum probationem; (t) reparação dos danos materiais e morais; (u) aplicação residual do Código de Processo Civil; (v) proporcionalidade e razoabilidade.

No aspecto trabalhista, as ações coletivas constituem poderoso mecanismo de acesso à justiça, principalmente, por parte do sindicato para a defesa de direitos coletivos e individuais homogêneos da categoria, em razão da substituição processual plena pelo sindicato na defesa dos direitos individuais da categoria, conforme o art. 8º, III, da CF. No aspecto, vale transcrever a seguinte ementa, oriunda do Supremo Tribunal Federal, in verbis:

“Constitucional. Substituição processual. Sindicato. Art. 8º, III, da CF. Precedente do plenário. Acórdão não publicado. Alteração na composição do Supremo Tribunal Federal. Orientação mantida pela corte. I – O Plenário do Supremo Tribunal Federal deu interpretação ao art. 8º, III, da CF, e decidiu que os sindicatos têm legitimidade processual para atuar na defesa de todos e quaisquer direitos subjetivos individuais e coletivos dos integrantes da categoria por ele representada. II – A falta de publicação do precedente mencionado não impede o julgamento imediato de causas que versem sobre a mesma controvérsia, em especial quando o entendimento adotado é confirmado por decisões posteriores. III – A nova composição do tribunal não ensejou a mudança da orientação seguida. IV – Agravo improvido” (STF, AgRg no RE 189.264-1/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJ 23.02.2007. DT 153/256, abr. 2007).

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A interpretação teleológica do inc. III do art. 8º da CF foi de, efetivamente, conferir ao sindicato a possibilidade de atuar de forma ampla na qualidade de substituto processual dos direitos individuais homogêneos da categoria, visando a (a) conferir máxima efetividade ao dispositivo constitucional; (b) facilitar o acesso à justiça do trabalho dos trabalhadores; (c) evitar a proliferação de ações individuais sobre a mesma matéria; (d) impedir que o empregado sofra retaliações do empregador ao ingressar com uma ação individual durante a vigência do contrato de trabalho; (e) promover a efetividade dos direitos sociais previstos na Constituição Federal e resguardar a dignidade da pessoa humana do trabalhador e os valores sociais do trabalho.