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Capítulo I. D OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO PROCESSO

4. Dos princípios constitucionais do processo e reflexos no processo do trabalho

4.8 Princípio da vedação da prova ilícita

Dispõe o art. 5º, LVI, da CF: “São inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”.

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A Constituição Federal, conforme o artigo acima citado veda as provas obtidas por meios ilícitos. Por ser uma norma pertinente à teoria geral do direito, aplica-se a todos os ramos do processo, inclusive ao direito processual do trabalho.

A proibição constitucional da produção de provas obtidas por meios ilícitos, como sendo um direito fundamental, não só para assegurar os direitos fundamentais do cidadão, mas também para garantia do devido processo legal e dignidade do processo. A doutrina costuma distinguir entre ilicitude formal e ilicitude material. Há ilicitude formal quando a prova violar regra de direito processual e ilicitude material, quando violar regra de direito material.

No aspecto infraconstitucional recente dispõe o art. 157 do CPP com a redação dada pela Lei 11.690/2008:

“São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais. § 1º São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras. § 2º Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova. § 3º Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes acompanhar o incidente.”

No nosso sentir, a prova ilícita viola tanto norma de natureza processual, como de direito material, nos termos do caput do art. 157 do CPP que se aplica ao processo do trabalho por força do art. 769 da CLT.

Há atualmente, na doutrina e jurisprudência, três correntes sobre a proibição da prova ilícita no processo. São elas:

a) vedação total da prova ilícita: segundo essa vertente de entendimento toda e qualquer prova obtida por meio ilícito não pode ser admitida no processo.

Nesse sentido, destacamos as seguintes ementas:

“Prova civil, gravação magnética, feita clandestinamente pelo marido, de ligações telefônicas da mulher. Inadmissibilidade de sua utilização em processo judicial, por não ser meio legal nem moralmente legítimo (art. 332 do CPC)” (STF, RE 85.439/RJ, 2ª T., j. 11.11.1977, rel. Min. Xavier de Albuquerque. RTJ 84/609).

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“Gravação de comunicação telefônica. Meio inidôneo e inadmissível de prova no processo do trabalho. Considerando os exatos termos dos incs. XII e LVI do art. 5º da CF, não deve ser admitido como meio de prova para efeitos de processo do trabalho a gravação de comunicação telefônica” (TRT – 12ª Reg., Ac. 2659/99, 1ª T., rel. Juiz Roberto L. Guglielmetto, DJSC 07.04.1999, p. 150. RDT 5/71, 1999).

b) permissiva: para essa vertente, desde que o conteúdo da prova seja lícito, ela pode ser utilizada, mesmo que tenha sido obtida por meio ilícito.

Essa vertente de interpretação prestigia o caráter publicista do processo, o acesso à justiça e a busca da verdade real.

Conforme Luís J. J. Ribeiro essa vertente, “está lastreada no dogma da verdade real e do livre convencimento, a doutrina, inicialmente, demonstrou-se majoritária em dar prevalência à investigação da verdade em detrimento ao princípio da formalidade do procedimento. Por outra vertente a doutrina italiana chegou à idêntica conclusão em relação à inadmissibilidade das provas ilícitas, pelo axioma consagrado: male captum, bene retentum (a prova pode ser mal colhida, porém bem recebida no processo)”.78

Sinteticamente, para essa vertente, poderíamos dizer que os fins justificam os meios, ou seja, a efetividade da prova e a busca da verdade real são fins justificáveis pelo meio ilícito da obtenção da prova.

c) teoria da proporcionalidade ou regra de ponderação: para essa vertente de interpretação, o juiz valorará, no caso concreto, segundo critérios axiológicos, qual princípio deverá ser prestigiado e qual deverá ser sacrificado em prol da justiça da decisão e efetividade do processo.

Como bem adverte José Carlos Barbosa Moreira: “Há que se verificar se a transgressão se explicava por autêntica necessidade, suficiente para tornar escusável o comportamento da parte, e se esta se manteve nos limites por aquela determinados; ou se, ao contrário, existia a possibilidade de provar a alegação por meios regulares, e a infração gerou dano superior ao benefício trazido à instrução do processo. Em suma: averiguar se, dos dois males, era escolhido o menor”.79

Acreditamos que a regra da proporcionalidade é a melhor para se admitir a pertinência da prova obtida por meio ilícito no processo, pois nenhuma regra processual é absoluta, devendo ser sopesada em confronto com outro direito fundamental. Além disso, prestigia a

78 A prova ilícita no processo do trabalho. São Paulo: LTr, 2004, p. 69.

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justiça da decisão no caso concreto, possibilitando ao juiz, diante do conflito de princípios, escolher, entre dois males, o mal menor, ou escolher a melhor justiça.

A regra da proporcionalidade foi incorporada ao anteprojeto do novo Código de Processo Civil como critério para apreciação da prova ilícita no processo civil, conforme o art. 257, in verbis: “As partes têm direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, para provar fatos em que se funda a ação ou a defesa e influir eficazmente na livre convicção do juiz. Parágrafo único. A inadmissibilidade das provas obtidas por meio ilícito será apreciada pelo juiz à luz da ponderação dos princípios e dos direitos fundamentais envolvidos”.

Nesse sentido se pronunciou o Tribunal Superior do Trabalho, em decisão pioneira: “Gravação telefônica. A aceitação no processo judiciário do trabalho, de gravação de diálogo telefônico mantido pelas partes e oferecida por uma delas, como prova para elucidação de fatos controvertidos em juízo, não afronta suposto direito líquido e certo da outra parte, a inviolabilidade do sigilo das comunicações telefônicas, porque essa garantia se dá em relação a terceiros e não aos interlocutores. Recurso ordinário a que se nega provimento, para ser confirmado o acórdão regional, que negou a segurança requerida” (TST, RO em MS 11134, Ac. 1.564, j. 17.09.1991, rel. Min. Ermes Pedro Pedrassani, DJ 27.09.1991. p. 13394).

Sobre o tema, vale transcrever ainda as seguintes ementas:

“Prática de pagamento de salário ‘por fora’ sem a devida escrituração contábil. Conversa obtida por meio de gravação telefônica. Licitude da prova. O art. 5º, XII, da CF, salvaguarda o sigilo das comunicações telefônicas, estabelecendo uma garantia constitucional que somente poderá ser quebrada mediante autorização judicial. Todavia a jurisprudência do excelso Supremo Tribunal Federal pacificou-se no sentido de que é lícita a gravação de conversa telefônica, quando feita por um dos interlocutores, ainda que sem o conhecimento do outro. Com efeito, o sigilo das comunicações (art. 5º, XII, da CF) tem por fito proteger as informações de terceiros, aos quais elas não dizem respeito, de maneira que na conversa gravada, o interlocutor não está a violar tal garantia, porquanto não é terceiro ao diálogo. Assim, a conversa ora gravada por um dos interlocutores, de conteúdo afeto ao campo profissional e inerente ao contrato de trabalho, qual seja, suposta prática de pagamento ‘por fora’ sem a devida escrituração contábil, não afronta a referida garantia constitucional supracitada, porque a matéria não é por ela protegida, sendo certo que o empregado não é terceiro em relação à comunicação” (TRT – 17ª Reg., Proc. - RO 1322/2007.010.17.00.5, Ac. 12668/2009, 2ª T., rel. Des. Carlos Henrique Bezerra Leite, DJ 378, 10.12.2009, p. 13. RDT 1, jan. 2010).

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“Gravação telefônica. Prova ilícita. Inadmissibilidade. No caso em exame, o autor encartou aos autos um CD-ROM que contém conversa gravada entre o preposto da ré e o proprietário de empresa no ramo de transporte que, a seu pedido, simulando estar interessado em sua contratação, indagou acerca das suas referências. Contudo, referida gravação telefônica, consistente na captação de conversa com terceiros, da qual não participou, não pode ser usada contra a ré, porque envolve a quebra da privacidade, direito constitucionalmente tido como inviolável (art. 5º, X, CF). Entendimento contrário importaria em violação ao art. 5º, LVI, da CF e art. 332 do CPC, que impõem limitação à produção da prova. Ademais, o próprio autor admite que o conteúdo da referida gravação foi corroborado pela sua testemunha, indicativo de que detinha condições de obter prova por outros meios legítimos. Assim, a gravação telefônica, obtida de modo ilícito, não pode ser admitida como meio de prova. Apelo do autor ao qual se nega provimento” (TRT – 22ª Reg., Proc. - RO 1301/2009.021.23.00-2, 2ª T., j. 30.09.2010, rel. Des. Beatriz Theodoro. RDT 10, out. 2010).

“Prova ilícita. Gravação clandestina. Violação ao art. 5º, incs. XII e LVI. Tendo sido apresentada como prova única das assertivas exordiais, que pretendiam indenização por danos morais e materiais, gravação efetuada de modo clandestino, sem participação direta do reclamante, como um dos interlocutores, ou conhecimento dos envolvidos, não se pode considerá-la, ainda que em respeito a ditames legais trabalhistas, sob pena de afronta a princípios constitucionais. A ilicitude, na hipótese, não se despontecializa, nem se flexibiliza, diante do conhecimento de que a gravação foi efetuada sem autorização judicial ou dos seus interlocutores” (TRT – 3ª Reg., Proc. - RO 1573/2007.111.03.00-0, 4ª T., j. 01.02.2010, rel. Des. Antônio Álvares da Silva, p. 166. RDT 2, fev. 2010).

No âmbito da relação de trabalho são muitas as hipóteses em que a prova para demonstração do dano moral pode ser obtida por meio ilícito. Por exemplo, câmaras colocadas no interior de vestiários ou locais de privacidade dos trabalhadores, gravações telefônicas sem consentimento do outro interlocutor, documentos obtidos por furto do empregado, monitoração indevida de e-mails dentre outras hipóteses.

A Constituição Federal, além de proibir a prova obtida por meio ilícito, tutela, no art. 5º, a inviolabilidade da intimidade, da vida privada (X), do domicílio (XI) e da correspondência (XII), como direitos de igual magnitude. Desse modo, deve o juiz do trabalho, ao apreciar a prova obtida por meio ilícito, ter bastante cautela, pois ao admitir essa prova por uma das partes, pode estar violando um direito fundamental da parte contrária e até causar danos de ordem moral a esta última. Por isso, acreditamos que o juiz do trabalho ao

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analisar a pertinência ou não da produção da prova obtida por meio ilícito como apta a demonstrar os danos de ordem moral deve tomar as seguintes cautelas: (a) verificar se a prova do fato possa ser obtida por outro meio lícito ou moralmente legítimo de prova, sem precisar recorrer à prova ilícita; (b) sopesar a lealdade e boa-fé da parte que pretende a produção da prova ilícita; (c) observar a seriedade e verossimilhança da alegação; (d) avaliar o custo benefício na produção da prova; (e) aplicar o princípio da proporcionalidade, prestigiando o direito que merece maior proteção; (f) observar a efetiva proteção à dignidade da pessoa humana; (g) valorar não só o interesse da parte, mas também o interesse público.