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Princípio da motivação das decisões judiciais

Capítulo I. D OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO PROCESSO

4. Dos princípios constitucionais do processo e reflexos no processo do trabalho

4.6 Princípio da motivação das decisões judiciais

Consiste tal princípio na obrigatoriedade de o juiz expor as razões de decidir, ou seja, demonstrar quais as razões de fato e de direito que embasaram sua decisão.

A fundamentação das decisões é necessária para se conhecer o itinerário percorrido pelo juiz na decisão, bem como a argumentação utilizada pelo juiz para acolher ou rejeitar o pedido, possibilitando, com isso, verificar o acerto ou desacerto da decisão.

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Nas palavras de Piero Calamandrei: “a fundamentação da sentença é sem dúvida uma grande garantia de justiça, quando consegue reproduzir exatamente, como num levantamento topográfico, o itinerário lógico que o juiz percorreu para chegar à conclusão, pois se esta é errada, pode facilmente encontrar-se, através dos fundamentos, em que altura o caminho do magistrado se desorientou”.69

Trata-se, indiscutivelmente, de garantia constitucional (art. 93, IX, da CF) que deriva, diretamente, do princípio do devido processo legal.

É uma garantia da cidadania, direito das partes e também da sociedade saber como o juiz chegou ao raciocínio lógico. Sua falta é causa de nulidade absoluta (arts. 93, IX, da CF, 458 do CPC e 832 da CLT).

Dispõe o art. 93, IX, da CF: “Todos os julgamentos dos órgãos do poder judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação”.

Segundo o princípio da persuasão racional adotado pela legislação processual civil (art. 131 do CPC), o juiz tem ampla liberdade na interpretação do direito e na valoração da prova dos autos, entretanto, deve fundamentar a decisão, expondo as razões de fato e de direito que o levaram a decidir num determinado sentido. Sem fundamentação é impossível se compreender o raciocínio do juiz e também há prejuízo do direito de recorrer, pois é por meio das razões da decisão que a parte aduzirá as razões do recurso.

Ensina Nelson Nery Junior: “A motivação da sentença pode ser analisada por vários aspectos, que vão desde a necessidade de comunicação judicial, exercício de lógica e atividade intelectual do juiz, até a sua submissão, como ato processual, ao Estado de direito e às garantias constitucionais estampadas no art. 5º, CF, trazendo consequentemente à exigência da imparcialidade do juiz, à publicidade das decisões judiciais, à legalidade da mesma decisão, passando pelo princípio constitucional da independência jurídica do magistrado, que pode decidir de acordo com sua livre convicção, desde que motive as razões de seu convencimento (princípio do livre convencimento motivado)”.70

Nos casos de extinção do processo sem resolução de mérito, a decisão pode ser prolatada de forma concisa (art. 459 do CPC), e os despachos de mero expediente, por não

69 Eles, os juízes, vistos por nós, os advogados. 5. ed. Lisboa: Livraria Clássica, s.d., p. 143. 70 Princípios... cit., 8. ed., p. 217-218.

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encerrarem conteúdo decisório, não necessitam de fundamentação (art. 504 do CPC). Não obstante, parte da doutrina assegura que, mesmo para os despachos de expediente, há necessidade de fundamentação, ainda que de forma concisa.

No que se refere à sentença trabalhista, a fundamentação é sua parte mais importante, pois é neste momento que o juiz do trabalho apreciará os argumentos que embasam a causa de pedir, as razões pelas quais o reclamado resiste à pretensão do autor, valorará as provas existentes nos autos e fará a subsunção dos fatos provados ao direito.

A fundamentação é uma garantia da cidadania e um direito fundamental do cidadão. Embora a exigência da fundamentação não conste do art. 5º da CF, mas sim do art. 93, IX, trata-se de uma regra que decorre do devido processo legal e, portanto, constitui um direito fundamental.

De outro lado, a fundamentação da sentença, segundo vem defendendo a doutrina moderna, deve ser clara, objetiva e concisa, a fim de que o cidadão que não tenha cultura jurídica a entenda, máxime no processo do trabalho em que ainda persiste o jus postulandi. Além disso, os recursos têm por objeto impugnar a fundamentação da decisão e, por isso, o requisito da clareza é essencial.

Teresa Arruda Alvim Wambier trata da matéria quando diz: “Na fundamentação, expõe o magistrado as razões de seu convencimento, de forma clara e de molde a que tantos quantos a leiam tendam a chegar à mesma conclusão a que chegou. Trata-se de dispositivo legal (art. 458, CPC) em que se manifesta e se concretiza de forma inequívoca o princípio do livre convencimento motivado, da mesma forma que ocorre no art. 131 do CPC”.71

Nas palavras de Manoel Antonio Teixeira Filho:

“Sentença (ou acórdão) sem fundamentação é ato de pura arbitrariedade judicial. Como alerta Lancelloti, não é suficiente que o juiz faça justiça: é necessário que demonstre como fez justiça, para, dessa maneira, convencer a todos [...]. Para usarmos uma ilustração de Couture, poderíamos dizer que, atualmente, a liberdade do juiz, no campo da formação de seu convencimento jurídico sobre os fatos narrados pelos litigantes, é comparável à de um prisioneiro: pode ir para onde quiser, contanto que seja no interior da cela. A cela, na metáfora, são as provas dos autos. Na fundamentação, o juiz apreciará e resolverá todas as matérias e questões, de fato e de direito, que digam respeito à causa, aí compreendidas as que tenham sido alegadas pelas partes e aquelas que possa conhecer por sua iniciativa.”72

71 Nulidade do processo e da sentença. 6. ed. São Paulo: RT, 2007, p. 104. 72 A sentença no processo do trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2004, p. 286.

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Desse modo, a sentença trabalhista deve apreciar toda a matéria discutida nos autos, tanto a processual como as questões de mérito. De outro lado, o juiz é livre para fundamentar e expor as razões de seu convencimento. Não há necessidade de rebater ou apreciar todas as razões da inicial e da defesa e sim colocar os argumentos que foram decisivos para o seu convencimento, conforme o princípio da persuasão racional, ou livre convencimento motivado previsto no art. 131 do CPC. Outrossim, devem ser apreciados todos os pedidos e os requerimentos de defesa, como, por exemplo, aplicação de litigância de má-fé etc.

No aspecto, destacamos a seguinte ementa:

“Recurso ordinário. Art. 93, IX, da CF. Nulidade. É indispensável à manifestação do julgado sobre todos os pedidos que constam do libelo, ainda que a fundamentação e o dispositivo sejam concisos. A preocupação com a celeridade – que é louvável – e o volume de processos submetidos a julgamento não são suficientes para elidir o direito da parte à manifestação sobre os termos do contraditório. Acresce que parte dos pedidos (como: sistemas de resultados e equipe; prêmios; participação nos lucros e resultados) não é usual nas reclamações trabalhistas, pelo que o efeito translativo é insuficiente como fundamento para o exame. Nulidade que é acolhida.” (TRT/SP, Proc. 01180200403002000, Ac. 20090597391, rel. Des. Carlos Francisco Berardo, DOE 25.08.2009).

A lei não traça um modelo de fundamentação para o juiz utilizar na sentença. Por ser um ato personalíssimo, cada juiz tem um estilo diferente de fundamentação, uns mais prolixos, outros mais concisos, entretanto, a fim de que não haja nulidade, a sentença deve apontar, ainda que sucintamente, as provas existentes nos autos que convenceram o juiz e também os fundamentos jurídicos da decisão, não havendo necessidade de se indicar os dispositivos legais, embora seja de bom alvitre fazê-lo.

No nosso sentir, a sentença não é só um ato de inteligência do juiz, mas também um ato de vontade, no sentido de submeter a pretensão posta em juízo à vontade da lei ou do ordenamento jurídico, e também de submeter as partes ao comando sentencial. Além disso, a sentença também é um ato de justiça, no qual o juiz, além de valorar os fatos e subsumi-los à lei, fará a interpretação do ordenamento jurídico de forma justa e equânime, atendendo não só aos ditames da justiça no caso concreto, mas ao bem comum (art. 5º da LICC).

Portanto, a natureza jurídica da sentença é de um ato complexo, sendo um misto de ato de inteligência do juiz, de aplicação da vontade da lei ao caso concreto, e, acima de tudo, um ato de justiça.

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Nesse sentido, sustentou com propriedade o Ministro Milton de Moura França:

“Mais do que um simples procedimento lógico, onde procura desenvolver seu raciocínio na busca do convencimento, atento às premissas de fato e de direito para solucionar a lide, o julgador encontra na sentença o momento axiológico máximo do processo. Na interpretação e aplicação das normas, projeta toda sua formação jurídica, cultural, social, econômica, religiosa etc., enfim, todos os fundamentos da decisão que irão retratar seu perfil de julgador e cidadão. São chamados elementos extralógicos que compõem o julgado. E é nessa fase derradeira e de extraordinária importância do processo que deve se fazer presente, em toda sua magnitude, a preocupação do magistrado em realizar a justiça, que, no ensinamento, de Del Vecchio é ‘um dos mais altos valores espirituais, senão o mais alto, junto ao da caridade. Sem tal ideal já não tem a vida nenhum valor’.”73