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Capítulo 2  Revisão Bibliográfica 3 

2.3   Aspectos nutricionais da carne bovina 60

2.3.3  Lípidos 69 

2.3.3.1  Estrutura e ocorrência dos lípidos 69 

2.3.3.1.7  Acilgliceróis 77 

Os triacilgliceróis ou triglicéridos são, como o nome indica, ésteres do glicerol com 3 ácidos gordos (Figura 2:30) iguais ou diferentes entre si.

São os componentes principais dos depósitos de gordura das células animais, podendo existir vários tipos, dependendo da posição dos três ácidos gordos que esterificam o glicerol.

Figura 2:30 Configuração estereoquímica do glicerol (A) e do triacilglicerol (B)

Os que contêm o mesmo tipo de ácido gordo nas três posições denominam-se triacilgliceróis simples. Os triacilgliceróis com dois ou mais ácidos gordos diferentes são designados de mistos. A maior parte das gorduras animais e vegetais são misturas de triacilgliceróis simples e mistos. Em muitas células animais e vegetais, os triacilgliceróis aparecem sob a forma de pequenas gotas, dispersas no citoplasma ou armazenados em células especializadas do tecido adiposo denominadas adipócitos. Os triacilgliceróis desempenham um papel muito importante como reserva de energia, não só pela capacidade de armazenagem mas sobretudo pelo seu potencial, 2 vezes superior aos carbohidratos. Para além do papel de reserva energética, os triacilgliceróis oferecem protecção térmica.

Os triacilgliceróis são a classe de lípidos mais abundante na natureza, presentes em todas as formas de óleos e gorduras, de origem animal ou vegetal e representando cerca de 95% (em peso) dos lípidos da maioria dos óleos de sementes (Christie, 1982).

O comprimento da cadeia e o grau de insaturação dos ácidos gordos ligados à molécula de glicerol são responsáveis pelas diferenças nos pontos de fusão observados entre as gorduras e os óleos alimentares. Por outro lado, as posições ocupadas na molécula de glicerol, pelos ácidos gordos constituintes podem também variar, conduzindo a isómeros de posição com propriedades físicas (ponto de fusão) e químicas (velocidade de hidrólise) distintas. Se as duas posições primárias da molécula de triacilglicerol estiverem esterificadas com ácidos gordos diferentes, está criado um centro de assimetria e o triacilglicerol pode então existir em diferentes formas isoméricas (isómeros ópticos). Este tipo de isomerismo conduz a diferenças de comportamento em reacções químicas com outros compostos opticamente activos (Kurtz, 1980).

O estudo da estrutura glicerídica e a determinação do perfil de ácidos gordos da fracção lipídica, em produtos como o leite, a manteiga, o queijo e a carne, pode ajudar na detecção de adulterações. Também as relações entre os perfis lipídicos intramusculares e as espécies animais produtoras de carne, poderá ser um importante auxiliar na identificação das carnes DOP e na verificação do cumprimento das exigências definidas para este tipo de produção.

Os óleos vegetais contrastam com as gorduras animais e óleos de peixe, por apresentarem na sua composição uma menor variedade de ácidos gordos e triacilgliceróis mais simples. Os óleos vegetais raramente incluem na sua composição ácidos gordos com número impar de átomos de carbono, de cadeia ramificada, ou insaturados com menos de 16 ou mais de 20 átomos de carbono. Pelo contrário, as gorduras de origem animal e óleos de peixe apresentam, frequentemente, estes ácidos na sua composição.

Os triacilgliceróis de origem vegetal apresentam ainda como característica comum o facto da posição central da molécula (posição 2) estar ocupada por um ácido gordo insaturado, geralmente, o ácido linoleico seguindo-se-lhe, em ordem de frequência, o oleico e finalmente o ácido linolénico. Só no caso de gorduras altamente saturadas é que podem aparecer, ao nível da posição 2, ácidos gordos saturados. Em consequência, a estrutura dos triacilgliceróis de origem vegetal é mais simples do que a dos animais, apresentando normalmente pontos de fusão bem definidos. Nestas últimas a variabilidade na composição é maior, o que leva normalmente a maior variação nas temperaturas de fusão (Rossell, 1991).

Os triacilgliceróis constituem 97-98% da fracção lipídica do leite. As propriedades desta fracção são influenciadas pelos ácidos gordos constituintes e pela sua distribuição nos triacilgliceróis (Kurtz, 1980). Christie (1983) refere que no leite da maioria das espécies de interesse zootécnico, os ácidos mirístico (C14:0) e palmítico (C16:0) localizam-se preferencialmente na posição 2, enquanto que o esteárico se situa geralmente na posição 1 da molécula do triacilglicerol. Um outro aspecto particular da gordura do leite é a distribuição dos ácidos gordos de cadeia curta, que no caso dos ruminantes se localiza na posição 3.

Os acilgliceróis, mono e diésteres do glicerol com ácidos gordos, são designados respectivamente por monoacilgliceróis e diacilgliceróis, sendo também conhecidos por glicéridos parciais. Apesar de aparecerem, normalmente, em quantidades vestigiais, têm grande importância nos processos de biossíntese, uma vez que são precursores de triacilgliceróis e lípidos mais complexos.

No leite, as quantidades de diacilgliceróis e monoacilgliceróis podem oscilar entre 0,25% e 6,6% e entre 0,02 e 0,04%, respectivamente (Kurtz, 1980).

2.3.3.1.8 Glicerofosfolípidos

Os glicerofosfolípidos, vulgarmente conhecidos como fosfolípidos, são derivados do ácido fosfatídico em que as funções álcool das posições 1 e 2 da molécula de glicerol se apresentam esterificadas por dois ácidos gordos iguais ou diferentes e o fosfato terminal esterificado por um amino-álcool ou um poliol. Estes compostos encontram-se largamente difundidos no reino animal, vegetal e nas bactérias, sendo a sua estrutura muito semelhante qualquer que seja a origem. As diferentes classes de glicerofosfolípidos apresentam uma notável diferença de composição em ácidos gordos. O teor em glicerofosfolípidos musculares varia geralmente entre 0,5 e 1,0 g/100 g de carne. Esta fracção é composta principalmente pela fosfatilcolina (PC) e fosfatidiletanolamina (PE), contribuindo para 45-60% do total enquanto as proporções relativas de cardiolipina e fofatidilinositol (PI) representam 2-10% e 4-10%, respectivamente (Alasnier et

al., 1996; Gandemer, 1990). Os tecidos animais possuem ainda fosfatidilserina (PS) e

fosfatidilglicerol (PG). O PG está presente na maioria dos tecidos em teores que não ultrapassam 1-2% do total de glicerofosfolípidos (Christie, 2003). Os glicerofosfolípidos, em particular a PE, a PC e a PS, apresentam-se normalmente associados às membranas biológicas. A presença simultânea, na mesma molécula, de uma zona de carácter polar (constituída pelo grupo fosfato terminal e seus substituintes), e outra de carácter apolar (constituída pelos ácidos gordos esterificados), permite às estruturas membranares de que fazem parte, associarem-se a ambientes hidrofílicos (polares) e hidrofóbicos (apolares) (Conn et al., 1987). Os fosfolípidos constituintes das membranas celulares, dispõem-se praticamente sempre assimetricamente nas duas fases de uma estrutura de bicamada com espessura de cerca de 40 Å. O comprimento da cadeia e o grau de insaturação dos ácidos gordos, em conjunto com os teores de colesterol e a vitamina D são as características que mais influenciam as propriedades físicas das membranas celulares (Alberts et

al., 1994; Brasitus et al., 1986). O comportamento fisico-químico destas estruturas influencia a

actividade das enzimas, receptores e sistemas de transporte membranares e a própria actividade metabólica da célula (Hulbert & Else, 1999).

As moléculas de glicerofosfolípidos possuem carga e, frequentemente, carácter anfótero. Apresentam uma carga negativa na zona do grupo fosfato e, em função do pH do meio, podem apresentar carga positiva localizada no grupo amina. Assim, por exemplo, a fosfatidilcolina tem um carácter anfótero, apresentando carga negativa a pH 2 e carga positiva a pH 13. A ionização

depende da classe do fosfolípido e do pH do meio. Os glicerofosfolípidos não contêm ácidos gordos de cadeia carbonada inferior a 12 átomos de carbono. Geralmente, um dos ácidos gordos está saturado enquanto o outro está insaturado. Os principais ácidos gordos que fazem parte da sua constituição são o ácido oleico (cerca de 40%), o esteárico (cerca de 16%) e o palmítico (cerca de 16%). Os glicerofosfolípidos são também bastante mais ricos em ácidos polinsaturados do que os triacilgliceróis, destacando-se os de 16 e 18 carbonos. Os glicerofosfolípidos podem apresentar ácidos gordos de cadeia ramificada e ácidos gordos saturados de cadeia longa (C22, C23 e C24) na sua constituição (Bas & Sauvant, 2001; Marmer et al., 1984). Quando o teor em gordura intramuscular é reduzido, a contribuição dos fosfolípidos para o teor de ácidos gordos totais é mais elevado (Eichhorn et al., 1985).

Os glicerofosfolípidos desempenham várias funções biológicas: são uma forma de reserva de ácidos gordos e fosfato, fonte de colina para o tecido nervoso, intermediários no transporte, absorção e metabolismo dos ácidos gordos e no transporte e utilização de iões sódio e potássio, entre outras (Kurtz, 1980).

Os glicerofosfolípidos desempenham um papel cada vez mais importante em diversas indústrias (alimentar, farmacêutica e cosmética), devido à formação de estruturas estáveis em diferentes tipos de dispersão (Lalanne, 1992), com destaque para a fosfatidilcolina (lecitina). A maioria das lecitinas é utilizada na indústria alimentar como agente emulsionante (chocolates, margarinas) (Dashiell, 1990). Para além de serem importantes na emulsificação lipídica, os fosfolípidos podem influenciar a absorção dos ácidos gordos no intestino delgado (Jenkins, 1990).

2.3.3.1.9 Esfingolípidos

Tal como os glicerofosfolípidos, os esfingolípidos possuem uma zona polar e outra não polar, sendo constituídos por uma um ácido gordo de cadeia longa, uma molécula de esfingosina ou de um seu derivado e um álcool polar.

A esfingosina é um composto precursor de muitos aminoálcoois presentes nos esfingolípidos. Nos mamíferos, a esfingosina e a dihidroesfingosina são as bases de cadeia longa mais abundantes, apresentando ácidos gordos saturados ou monoinsaturados.

Existem três subclasses de esfingolípidos: as esfingomielinas, os cerebrósidos e os gangliósidos. As esfingomielinas, as únicas que contêm fósforo, são os esfingolípidos mais abundantes e encontram-se na maior parte das membranas das células animais e na composição dos eritrócitos

da maior parte dos ruminantes, substituindo a fosfatidilcolina. A proporção dos ácidos gordos constituintes da esfingomielina varia entre espécies e tecidos.

Figura 2:31 Representação da esfingomielina

A esfingomielina (Figura 2:31) não existe nas plantas nem nos microrganismos, é sintetizada a partir da fosfatidilcolina e da ceramida no aparelho de Golgi e na membrana plasmática. Para além de desempenhar funções na permeabilidade das membranas, existem algumas evidências que a esfingomielina está relacionada com o metabolismo do colesterol.

Os cerebrósidos, denominados frequentemente de glucoesfingolípidos, não contêm fósforo e não possuem carga eléctrica, e apresentam a sua cabeça polar ligada a uma ou mais unidades de açúcar. A galactosilceramida (Figura 2:32) é o principal glucoesfingolípido do cérebro, existindo em quantidades baixas em alguns órgãos e tecidos animais como o baço, glóbulos vermelhos e tecido nervoso mas é um componente muito importante dos lípidos da pele. As glucosilceramidas são a fonte das ceramidas da pele que funcionam como barreira à perda de água, sendo o principal glicoesfingolípido das plantas, existindo nos tecidos fotossintéticos.

Figura 2:32 Representação de 2 cerebrósidos, galactosilceramida e glucosilceramida

O nome gangliósido foi pela primeira vez aplicado pelo cientista alemão Ernst Klenk em 1942 a lípidos isolados a partir de células de gânglios cerebrais. São os esfingolípidos mais complexos, contendo cabeças polares muito longas, com várias unidades de açúcar (Figura 2:33).

Figura 2:33 Representação do gangliósido GM1

Os gangliósidos apenas existem no reino animal e são componentes importantes de receptores específicos situados na superfície das membranas celulares.

2.3.3.1.10 Ceto e Hidroxiglicéridos

Estas designações aplicam-se vulgarmente aos triacilgliceróis que contêm ácidos gordos com grupos cetónico e hidroxilo, respectivamente. Os triacilgliceróis que contêm ácidos gordos com grupos hidroxilo representam cerca de 0,61% do total dos lípidos do leite de vaca (Christie, 1983). Estes triacilgliceróis estão na origem das lactonas presentes no leite. Os 4 e 5- hidroxiácidos, esterificados na posição primária da molécula do triacilglicerol, formam lactonas ao sofrerem hidrólise seguida de lactonização do grupo hidroxilo livre (Figura 2:34).

Figura 2:34 Representação do ácido 2-hidroxi-docosaenóico

Os hidroxitriacilgliceróis são constituintes importantes dos esfingolípidos, possuindo cadeias longas que variam entre 16 e 26 carbonos, geralmente saturadas. A esfingomielina presente nos espermatozóides contém hidroxitriacilgliceróis de cadeia longa. O grupo hidroxilo estabiliza as estruturas membranares e aumenta a interacção com as proteínas membranares.

2.3.3.1.11 Esteróis

Os esteróis, em conjunto com os tocoferóis, são componentes muito importantes dos óleos e gorduras. A composição em esteróis dos óleos vegetais permite distingui-los das gorduras animais. O colesterol é o esterol principal dos tecidos animais e a sua esterificação com ácidos gordos de cadeia longa dá origem a componentes importantes das membranas celulares. Nos tecidos animais, o colesterol é o mais representativo destes compostos policiclicos correspondendo a pelo menos 95% dos esteróis totais do leite. No plasma do leite os ésteres de

colesterol são relativamente ricos em ácidos polinsaturados podendo, no leite de vaca, ter mais de 70% de ácido linoleico (Christie, 1983).

Chevereul (1815) foi o primeiro cientista a isolar o colesterol e a caracteriza-lo. O colesterol é biosintetizado a partir do escaleno através de uma sequência complexa de reacções, como ilustrado na Figura 2:35.

Figura 2:35 Síntese de colesterol

O colesterol muscular pode existir na forma livre ou esterificada (Tu et al., 1967) e o seu teor é influenciado por factores como a raça, o nível de gordura intramuscular, o sexo (Eichhorn et al., 1986) e a localização anatómica (Browning et al., 1990). Segundo Alasnier et al. (1996), os músculos de carácter marcadamente oxidativo possuem mais colesterol do que os músculos glicolíticos. No entanto, outros investigadores não encontraram diferenças no teor em colesterol entre músculos (Kim et al., 2000) ou entre sexos (Wheeler et al., 1987).

Alguns autores referem que o tecido adiposo contém maior teor em colesterol do que o tecido muscular (Eichhorn et al., 1986b; Rhee et al., 1982b; Wheeler et al., 1987). No entanto, Rhee et

al. (1982a) e Hoelscher et al. (1988) referem que não existe uma relação linear entre o teor em

colesterol muscular e o teor em gordura intramuscular.

Os níveis plasmáticos de colesterol têm sido associados a um maior risco de desenvolvimento de doenças cardiovasculares (Dorado et al., 1999; Kovacs et al., 1979; Lubbadeh et al., 1999; Park

et al., 1991; Tu et al., 1967; Weyant et al., 1976; Williams, 2000).

2.3.3.1.12 Outros

A fracção lipídica da carne possui ainda constituintes menores tais como, vestígios de metais, taninos, flavonóides, compostos fenólicos, gliceroglicolípidos, pigmentos, hidrocarbonetos e

Nota: A principal função do colesterol é modelar a fluidez das membranas em interacção com os fosfolípidos. O colesterol também interage com algumas proteínas membranares regulando a sua actividade.

ceras, entre outros (Rossell, 1991). Alguns destes componentes contribuem para a qualidade de óleos ou gorduras enquanto outros são descritos como contaminantes ou impurezas.

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