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Digestão e absorção dos lípidos 85 

Capítulo 2  Revisão Bibliográfica 3 

2.3   Aspectos nutricionais da carne bovina 60

2.3.3  Lípidos 69 

2.3.3.2  Digestão e absorção dos lípidos 85 

Os lípidos da dieta fornecem os ácidos gordos que o organismo é incapaz de sintetizar e que são indispensáveis para o seu bom funcionamento. Os processos de digestão lipídica são caracterizados, em todas as espécies animais, pela conversão por hidrólise, dos lípidos insolúveis em água, em compostos que possam ser absorvidos pelas células da mucosa intestinal e utilizáveis pelas células do organismo (Bauchart, 1981). Os triacilgliceróis constituem a grande maioria dos lípidos da dieta e têm de ser hidrolisados em glicerol e nos respectivos ácidos gordos, antes de poderem ser absorvidos no intestino delgado. Estes compostos são incorporados em micelas solúveis em água e transportados até ao jejuno, onde são absorvidos e re-esterificados a triacilgliceróis na mucosa intestinal, sendo posteriormente segregados para a linfa na forma de quilomicra e trasportados até à veia subclavicular para serem metabolizados no fígado e noutros tecidos. O fígado incorpora os ácidos gordos da dieta (exógenos) e os ácidos gordos endógenos, juntamente com o colesterol em lipoproteínas de baixa densidade (LDL) e muito baixa densidade (VLDL). Estas lipoproteínas são posteriormente segregadas para o sangue e transportadas para os tecidos periféricos onde são metabolizadas. Caso não sejam metabolizados, os ácidos gordos das lipoproteínas e os ácidos gordos livres ligados à albumina podem ser armazenados no tecido adiposo.

O animal pré-ruminante comporta-se como um monogástricos funcional uma vez que o leite materno desencadeia o reflexo da goteira esofágica e passa directamente para o abomaso. O ruminante, pelo contrário, possui um rúmen bem desenvolvido, permitindo um ambiente favorável ao crescimento e actividade de um elevado número microrganismos (1011 bactérias e 106 protozoários por mL de líquido ruminal) responsáveis pela digestão de componentes fibrosos que de outra forma seriam indigestíveis (principalmente celulose e hemicelulose) (McDonald & Scott, 1977).

2.3.3.2.1 Hidrólise

No ruminante funcional, a elevada actividade das lipases microbianas promovem a hidrólise da maioria dos galactosil-acilglicerois e triacilgliceróis e a formação de galactose, glicerol e ácidos gordos livres. A galactose e o glicerol libertados são metabolizados, formando-se ácidos gordos voláteis, principalmente propionato e butirato que podem ser absorvidos no rúmen (Doreau &

Ferlay, 1994). Esta hidrólise deve-se essencialmente à acção bacteriana e em menor grau à acção dos protozoários, fungos e lipases vegetais e salivares.

Apesar do grau da hidrólise ser geralmente elevado (>85%), um grande número de factores de que se destacam o nível de gordura da dieta, os compostos ionóforos e o pH ruminal afectam tanto a extensão como a taxa de hidrólise (Beam et al., 2000; Demeyer & Doreau, 1999; Doreau & Chiliard, 1997; Harfoot, 1981) (Figura 2:36).

Figura 2:36 Digestão ruminal dos lípidos Davis (1990)

A biohidrogenação dos ácidos gordos insaturados é a segunda maior transformação ruminal dos lípidos da dieta, é influenciada pelo pH ruminal e ocorre apenas quando existem ácidos gordos livres. Os ácidos gordos mais sensíveis à biohidrogenação são os ácidos linoleico e linolénico, com taxas média de 80% e 92%, respectivamente (Beam et al., 2000; Fellner et al., 1995). O ácido linoleico é menos biohidrogenado devido ao facto da via metabólica ser diferente e por ser preferencialmente incorporado nos microrganismos (Harfoot & Hazlewood, 1988) (Figura 2:37).

Figura 2:37 Vias bioquímicas da hidrogenação ruminal dos ácidos linoleico e α-linolénico Harfoot & Hazlewood (1997)

As bactérias ruminais envolvidas na biohidrogenação, dividem-se em bactérias do grupo A e do grupo B, dependendo das vias metabólicas que utilizam (Kemp & Lander, 1984). Para se obter uma biohidrogenação completa dos PUFA, é necessário a intervenção de bactérias de ambos os grupos. Apesar de muitas das bactérias do grupo A poderem hidrogenar os PUFA a C18:1 trans, apenas algumas estirpes do grupo B podem hidrogenar os ácidos gordos C18:1 trans a ácido esteárico (C18:0) (Harfoot & Hazlewood, 1997). Por esta razão, o aumento do nível de PUFA na dieta causa simultaneamente um aumento da concentração de MUFA e um decréscimo da concentração de SFA ruminal.

O passo inicial da biohidrogenação ruminal dos ácidos linoleico e α-linolénico envolve a isomerização da ligação dupla cis-12, passando à configuração trans-11. Posteriormente ocorre a eliminação da ligação dupla cis-9, originando ácidos gordos com a configuração trans-11. O passo final é a hidrogenação desta ligação dupla, formando-se o ácido esteárico (C18:0) e o C18:1 (t15 e c15). Os compostos C18:1t11 e C18:2c9t11-CLA são intermédios neste processo. A maioria do CLA existente na gordura dos ruminantes é sintetizado na glândula mamária e no tecido adiposo, por acção da enzima Δ9, tendo como substrato o ácido gordo C18:1t11 (Bauman & Griinari, 2003).

Na biohidrogenação dos PUFA são formados muitos ácidos gordos intermédios que são absorvidos e incorporados na gordura dos ruminantes. Alterações na composição da dieta e nas condições de reacção ruminal provocam modificações importantes no teor e perfil dos produtos

(Grupo A) (Grupo A e B) (Grupo A) C18:2c9c12 (Grupo B) C18:2c9t11 C18:1t11 C18:0 (Grupo A) C18:3c9c12c15 C18:3c9t11c15 C18:2t11c15 C18:1c15 e t15 (Grupo B) (Grupo A e B)

Nota: As bactérias pertencem ao grupo A ou B em função da via metabólica utilizada

formados. A função dos protozoários não é bem conhecida mas a sua presença parece não ser indispensável para que estas reacções ocorram (Dawson & Kemp, 1970). No entanto, estes agentes retêm grandes quantidades dos ácidos linoleico e linolénico da dieta nos seus próprios lípidos estruturais, constituindo posteriormente uma fonte importante destes ácidos gordos para o ruminante hospedeiro (Viviani et al., 1967).

Apesar do rúmen possuir uma elevada carga microbiana, os lipídos microbianos apenas representam 10-20% dos lípidos absorvidos (Keeney, 1970). Na sua constituição existem, entre outros, ácidos gordos de cadeia ramificada com 14, 15, 16 e 17 átomos de carbono que são posteriormente incorporados na gordura do hospedeiro (Rowe et al., 1999). É provável que os ácidos gordos de cadeia ramificada (C4 e C5), derivados dos aminoácidos, sejam os precursores destes ácidos gordos (Keeney, 1970).

2.3.3.2.2 Absorção lipídica

Em consequência dos processos ocorridos no rúmen, os lípidos que chegam ao intestino são constituídos essencialmente por ácidos gordos saturados, com predominância dos ácidos gordos C16:0 e C18:0. Cerca de 80-90% dos lípidos que entram no intestino são ácidos gordos livres (Davis, 1990), sendo os lípidos restantes fosfolípidos microbianos, pequenas quantidades de triacilgliceróis e glicolípidos da dieta. Os ácidos gordos que os integram são hidrolisados pelas lipases intestinal e pancreática. Nos ruminantes, os monoacilgliceróis necessários para a formação de micelas estão em reduzida concentração devido ao elevado grau de hidrólise ruminal dos ácidos gordos (Doreau & Chiliard, 1997). Este facto é compensado pelas secreções de bílis e suco pancreático que ocorrem antes do jejuno (Demeyer & Doreau, 1999). A primeira como fonte de ácidos biliares e lecitina, enquanto o suco pancreático fornece enzimas que convertem a lisolecitinas em bicarbonato para fazer subir o pH (Davis, 1990). As lisolecitinas, em conjunto com os sais biliares, dão origem à formação de micelas de ácidos gordos que penetram nas células epiteliais do jejuno, onde os ácidos são re-esterificados, formando novamente triacilgliceróis. Uma vez reconstituídos, os triacilgliceróis agregam-se no interior do retículo endoplasmático em glóbulos, juntamente com o colesterol e os fosfolípidos absorvidos e recém- formados, formando os quilomicra que são transportados para o sangue pelo sistema linfático (Guyton, 1992).

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