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Características das fibras musculares 35 

Capítulo 2  Revisão Bibliográfica 3 

2.2   Crescimento e desenvolvimento 19

2.2.3  Características do tecido muscular 29 

2.2.3.2  Fibras musculares 32 

2.2.3.2.2  Características das fibras musculares 35 

Para assegurar o seu funcionamento, as fibras musculares estão dotadas do sistema enzimático que lhes permite regenerar o ATP hidrolisado durante a contracção muscular. A síntese de ATP é assegurada pelo catabolismo de substratos energéticos, tais como a glicose, o glicogénio e os lípidos. O ATP pode ser formado pela via anaeróbica (glicolítica) e/ou aeróbico (oxidativa). Na primeira, o glicogénio é transformado em ácido láctico, sem consumo de oxigénio. Na via oxidativa a energia é produzida a partir dos ácidos gordos e determinados ácidos aminados, com consumo de oxigénio. O ATP pode igualmente ser regenerado a partir da fosfocreatina com intervenção da mioquinase (Lebret et al., 1999).

Tabela 2:3 Características dos diferentes tipos de fibras musculares

Características das fibras musculares de acordo com diferentes classificações

Tipo contráctil Lento (β) Rápido (α) Rápido (α)

Tipo metabólico oxidativo oxido-glicolítico glicolítico

Classificação βR (I) αR (IIA) αW (IIB)

Actividade da ATPase mifibrilhar baixa elevada elevada

Diâmetro baixo baixo elevado

Densidade capilar elevada elevada baixa

Número de mitocôndrias elevado baixo baixo

Teor em mioglobina elevado elevado baixo

Teor em lípidos elevado médio baixo

Teor em glicogénio baixo elevado elevado

Lebret et al. (1999)

O glicogénio intramuscular representa cerca de 1% do peso do músculo do porco (Lebret et al., 1999) e está armazenado nas fibras musculares sobre a forma de grânulos localizados no sarcoplasma. O glicogénio constitui a principal fonte energética das fibras glicolíticas, degradando-se rapidamente em ácido láctico à medida que estas se contraem. De um modo geral,

as fibras com velocidade de contracção lenta possuem menos glicogénio que a fibras de contracção mais rápida.

O número de capilares que rodeia cada fibra é directamente proporcional à sua actividade oxidativa (Tabelas 2:3 e 2:4). Algumas fibras apresentam apenas um ou dois capilares associados enquanto outras apresentam seis a oito. As fibras que desdobram glicogénio como fonte de energia (brancas) são auto-suficientes durante a contracção e são menos dependentes do fluxo sanguíneo. Este é necessário principalmente para remoção de ácido láctico formado dentro da fibra muscular. As fibras vermelhas contraem durante períodos de tempo prolongados e estão muito dependentes da corrente sanguínea para a obtenção dos substratos.

Tabela 2:4 Características das fibras musculares dos tipos I, IIA, IIB e IIC

Características das fibras musculares de acordo com a classificação de Brooke & Kaiser (1970)

Tipo de fibra I IIA IIB IIC

Tipo contráctil Lento Rápido Rápido Rápido

Actividade oxidativa ++++ +++ + ++ Actividade glicolítica + ++ ++++ +++ Capacidade tampão + ++ +++ ? Glicogénio + ++ +++ ? Mioglobina +++ +++ + ? Lípidos +++ ++ + ? Densidade capilar +++ +++ + ? Diâmetro + + +++ ? Intensidade de coloração 4 1 3 2 Lebret et al. (1999)

A capacidade oxidativa dos músculos é directamente proporcional ao volume de mitocôndrias que possuem (Schwerzmann et al., 1989) que é maior nas espécies com menor massa corporal e mais activas (Mathieu et al., 1981; Vock et al., 1996). Tendo por base a comparação da actividade de diversas enzimas em músculos de ovinos (Briand et al., 1981a; Briand et al., 1981b), suínos (Ashmore & Doerr, 1971; Laborde et al., 1985), leporídeos (Briand & Briand, 1986), bovinos (Karlstrom et al., 1994; Talmant & Monin, 1986), equinos (Karlstrom et al., 1994) e frangos (Ashmore & Doerr, 1971), a actividade média oxidativa dos músculos das diferentes espécies segue a seguinte ordem: equinos=ovinos>bovinos e coelhos>suínos>frangos. Os músculos com elevada proporção de fibras do tipo I apresentam maior capacidade oxidativa (Costill et al., 1976), maior teor de lípidos intracelulares (Blackard et al., 1997) e maior eficiência na utilização dos ácidos gordos como substrato (Dyck et al., 1997) do que as fibras do tipo IIB. Segundo Hunt & Hedrick (1977) e Johnston et al. (1981), as fibras do tipo αW são significativamente maiores (maior área de secção-AS) do que as fibras do tipo βR e αR. Klont et

musculares e o seu diâmetro. As fibras do tipo I são as mais pequenas, as fibras do tipo IIB apresentam o maior diâmetro e as dos tipos IIA estão numa posição intermédia. As fibras do tipo I e IIA possuem teores mais elevados de lípidos e mioglobina e mais capilares por fibra (para facilitar a difusão de oxigénio) do que as fibras do tipo IIB. Estas últimas utilizam preferencialmente a glucose como substrato, são glicolíticas, contêm mais glicogénio e necessitam de menos oxigénio do que as fibras do tipo I e IIA, para a produção de energia.

No bovino, as fibras αR são intermédias relativamente às αW e βR, no que respeita à actividade contráctil e metabólica (Talmant & Monin, 1986). Assim, será de esperar que músculos com elevada proporção de fibras αR se situem numa posição bioquimicamente intermédia em relação aos músculos contendo proporções elevadas de fibras do tipo αW e do tipo βR. No entanto, algumas fibras classificadas como αR, de acordo com a nomenclatura de Ashmore & Doerr, (1971), possuem maior capacidade oxidativa do que a maioria das fibras βR (Briand et al., 1981b). Este facto dificulta a avaliação do metabolismo muscular bioquímico dominante.

O tipo e a quantidade de cada tipo de fibra muscular dependem da enervação e da função muscular. Saltin & Gollnick (1983) referem que a função muscular está relacionada, em grande medida, com a disponibilidade de oxigénio e com o potencial para remover metabolitos. A dieta, a proximidade da fibra muscular à circulação sanguínea e os efeitos hormonais, podem ser factores importantes na definição da proporção entre fibras (Ruusunen & Puolanne, 1997).

Na grande maioria dos casos, os músculos são constituídos por diferentes tipos de fibras em proporções que dependem da sua função (postura, respiração ou locomoção) e localização anatómica (Guignot et al., 1992; Johnston et al., 1981; Kim et al., 2000). Geralmente, os músculos mais profundos possuem maior percentagem de fibras tipo I do que os músculos mais superficiais, com percentagens mais elevadas de fibras tipo IIB (Armstrong et al., 1987). Os músculos responsáveis pela sustentação (como o Psoas maior) são, em geral, mais oxidativos do que os que estão envolvidos na locomoção (como o Semitendinosus) (Aalhus & Price, 1991; Henckel, 1995; Klont et al., 1998). O teor em gordura e a sua composição variam largamente com o músculo considerado e dependem do perfil de fibras musculares. O teor em lípidos é mais elevado nas fibras de metabolismo oxidativo do que nas fibras de metabolismo glicolítico uma vez que as fibras oxidativas utilizam preferencialmente os ácidos gordos como substrato energético (Alasnier et al., 1996).

A actividade física pode provocar alterações nas características das fibras e atenuar as diferenças metabólicas entre fibras musculares (Chi et al., 1986; Holloszy & Coyle, 1984).

Formação e diferenciação das fibras musculares - Apesar de para a grande maioria dos mamíferos o número total de fibras musculares não sofrer alterações após o nascimento (Stecchini et al., 1990), as proporções entre os tipos de fibras musculares dependem de factores genéticos e ambientais como a idade, o sexo, a raça, o sistema de produção e a dieta (Johnston et

al., 1981; Matassino et al., 1996). O controlo do crescimento muscular envolve muitos genes e

um grande conjunto de factores de transcrição. Cada passo da miogénese envolve alterações específicas na expressão de determinados genes. A diferenciação miogénica é caracterizada pela expressão de 4 factores de transcrição, a miogenina e os factores: MyoD, Myf5 e MRF4 (te Pas et

al., 2000).

Aquisição da maturidade contráctil e metabólica - O peso do músculo é função do número total de fibras, da sua área e comprimento (Lebret et al., 1999). O número total de fibras é uma característica definida antes do nascimento nos bovinos (Rehfeldt et al., 1999), nos suínos (Candek-Potokar et al., 1999; Lefaucheur, 2003; Stickland et al., 1973) e nos frangos (Gollnick et

al., 1983; Smith, 1963). No entanto, alguns autores referem que no porco ocorre um ligeiro

aumento do número de fibras musculares após o nascimento (Fiedler et al., 1998). Segundo Ontell et al. (1984), este referido aumento do número de fibras que ocorre nos primeiros dias após o nascimento poderá ser devido ao alongamento dos miotubos existentes ou à separação de grupos de pequenas fibras, presentes no momento do nascimento, mas que não se conseguem identificar ao microscópio óptico.

O crescimento post-natal das fibras é acompanhado por intensa actividade das células satélite que irão originar novos núcleos. Estas células são capazes de sintetizar DNA, de se fundir e de realizar síntese proteica (Stecchini et al., 1990). O crescimento muscular post-natal resulta apenas da hipertrofia das fibras já existentes e o respectivo potencial depende principalmente do número de fibras musculares (Rehfeldt et al., 1999). No entanto, o crescimento individual de cada fibra muscular é baixo nos músculos com um grande número de fibras/área e mais elevado nos músculos onde este número é baixo.

O número de fibras/área está relacionado positivamente com o diâmetro das fibras. Quando o número de fibras é mais reduzido, existe maior disponibilidade de nutrientes e energia por fibra (Rehfeldt et al., 1999).

O tecido muscular desenvolve-se durante o período fetal ocorrendo o aparecimento de duas gerações sucessivas de células (Ashmore, 1974). A geração primária serve de ponto de partida para o desenvolvimento de gerações secundárias de fibras.

Durante a miogénese, as fibras musculares desenvolvem-se a partir de duas populações distintas. As fibras formadas durante as fases iniciais da fusão dos mioblastos são denominadas fibras musculares primárias. Estas diferenciam-se em fibras secundárias, de menor tamanho (Ashmore, 1974). Segundo Reggiani (1999), as fibras musculares secundárias têm origem em mioblastos que não deram origem a fibras de 1ª geração. Existe outra população de mioblastos que continua a proliferar não formando fibras e que dá origem a células específicas denominadas de células satélite. Estas células contribuem para o crescimento das fibras e participam nos processos de regeneração celular.

Tabela 2:5 Cronologia da diferenciação das características das fibras musculares nos mamíferos

Coelho Suíno Ovino Bovino Duração da gestação (dias) 31 114 147 270 Diferenciação contráctil

Desaparecimento dos miotubos 14p Nascimento 132f 230f Desaparecimento da miosina péri-natal 35p 10p 5p 260f Distinção do tipo de contracção 10p Nascimento 120f 150f Diferenciação metabólica

Distinção do tipo glicolítico/oxidativo 21p 28p 140f 260f

Nota: Os valores estão expressos em dias de vida fetal (f) ou post-natal (p) Gondret & Bonneau (1998)

As características contrácteis e metabólicas das fibras musculares alteram-se de forma significativa nas primeiras semanas de vida post-natal (Tabela 2:5). Durante muito tempo admitiu-se que todas as fibras de primeira geração originavam fibras lentas enquanto as fibras de segunda geração evoluíam para o tipo lento ou rápido. A utilização de anticorpos monoclonais dirigidos para as diversas isoformas de miosina demonstrou que a diferenciação das fibras musculares é um fenómeno complexo, materializado pela expressão de determinadas isoformas de MHC transitórias (embrionária, fetal e α-cardíaca) e pela sua substituição pelas formas adultas (I, IIA, IIB e IIC). Durante o desenvolvimento embrionário, os mioblastos desenvolvem-se a partir das células precursoras com origem na mesoderme. Estes mioblastos têm capacidade de proliferar e de se dividirem, estabelecendo uma “pool” de mioblastos. Determinados sinais específicos provocam a saída dos mioblastos do ciclo celular e provocam a sua diferenciação. Estes começam a sintetizar proteínas específicas que se re-arranjam e fundem para formar miotubos multinucleados.

Durante os dois primeiros trimestres do desenvolvimento fetal do bovino, tanto as fibras α como as fibras β exibem um carácter predominantemente oxidativo, só se observando fibras αR e βR. Apesar de todas as fibras apresentarem depósitos de glicogénio no seu interior desde os estádios iniciais da formação do miotubo, a actividade da glicogénio-fosforilase surge muito mais tarde. Durante o rápido desenvolvimento das fibras do tipo α, ocorre um decréscimo da concentração de mitocôndrias e enzimas oxidativas. Este facto significa a transformação destas fibras de αR em αW (Hunt & Hedrick, 1977). Após o nascimento, esta transformação está relacionada com a função muscular. Nos músculos que não estão envolvidos em actividade muscular intensa, a maioria das fibras αR transforma-se em fibras tipo αW (Fiedler et al., 1998; Lebret et al., 1999; Lefaucheur & Vigneron, 1986; Nicastro & Maiorano, 1994). As fibras αR que não apresentam sinais de transformação, crescimento celular ou diminuição da capacidade oxidativa, tendem a adquirir, uma actividade glicolítica e glicogenolítica moderada, ocorrendo um aumento geral do metabolismo glicolítico. As fibras βR não sofrem alterações com o crescimento muscular e na grande maioria dos músculos, crescem de forma mais lenta do que as fibras αR. Estas transformações diminuem a partir dos 12 meses de idade nos bovinos (Jurie et al., 1999), podendo mesmo deixar de ocorrer (Wegner et al., 2000). Segundo Lefaucheur (2003), a alteração da MHC das fibras musculares segue obrigatoriamente a ordem: I↔IIA↔IIX↔IIB.

Até à puberdade não existem diferenças significativas entre as áreas dos diferentes tipos de fibras musculares (Hoch et al., 2002). Durante a fase púbere o aumento da área das fibras IIB é o mais intenso e após esta fase verifica-se um aumento mais marcado da área das fibras I e IIA.

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