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34 É o que acontece, por exemplo com os lapsos de memória (lapsus linguae) que Freud descreve na sua

educacional, nomeadamente. É por isso que os valores vão mudando, de época para época vai mudando o seu conteúdo, como também muda a escala de valores que cada época assume como sua. Assim, houve épocas em que a honra e a vergonha eram valores da máxima importância, mas que se foram desvalorizando com o passar do tempo. Neste sentido, podemos dizer que os valores são históricos, estão sujeitos à historicidade. Mas também acontece que na mesma época histórica, os mesmos valores recebam conteúdos e graus de importância diferentes, consoante o grupo ou a classe social que os assume. Veja-se, por exemplo, como a honra tem um valor fundamental dentro dos grupos mafiosos, o que já não acontece fora desses grupos. Ou como a existência de relações sexuais antes do casamento é avaliada de forma diferente na comunidade cigana e fora dela. O mesmo é dizer que os valores não são realidades absolutas que pairam acima do seu tempo, afastados ou desinseridos da realidade; antes são relativos a cada época histórica ou ao grupo social que os produziu e os assume como seus. E é a partir da realidade historico-social que os valores são correta e plenamente compreendidos. Não há valores absolutos no sentido em que estariam desligados da realidade social concreta.

Os valores não são coisas. Os valores não são uma realidade objetiva e material. Os valores são representações mentais, projeções mentais, entidades ideais. Os valores são realidades subjetivas e expressão da subjetividade da minha vontade, da minha escala de preferências, que por sua vez são resultado da minha educação, da minha cultura e da sociedade em que vivo. Os valores são representações mentais que eu projeto sobre as coisas, factos, ações e comportamentos ou pessoas. Se eu os projeto sobre a realidade, então os valores não são caraterísticas intrínsecas dessa realidade. Quando eu digo que aquele cão

tem o corpo coberto de pêlos, isso trata-se de uma qualidade que faz parte da própria

condição canina, é intrínseco ao próprio cão. Mas se eu digo que aquele cão é bonito, isso trata-se de uma qualidade que não faz parte da sua natureza, mas que eu atribuí àquele cão. Dizer que o cão tem o corpo coberto de pêlos, isso é emitir um juízo de facto, um juízo objetivo que descreve uma realidade. Dizer que o cão é bonito, trata-se de um juízo de valor, um juízo subjetivo, que não descreve como a realidade é, mas o que ela significa para o sujeito, como se integra na sua escala de valores, exprime o seu critério valorativo. Enquanto todos estão de acordo que o cão tem o corpo coberto de pêlos, nem todos estarão de acordo que ele seja bonito. Ser bonito é uma qualidade subjetiva, o resultado de uma qualificação ou avaliação que o sujeito produziu. As mesmas coisas podem ter valores diferentes no mesmo momento, dependendo isso dos sujeitos avaliadores e dos seus critérios. Como podem estar sujeitos a uma sucessão temporal de vários valores, porque estes também estão sujeitos à evolução histórica das sociedades. Por isso, são portadores de uma variabilidade que depende de vários fatores, relacionados nomeadamente com a época histórica, as caraterísticas da sociedade, os projetos e as expetativas da comunidade. As coisas não valem por si mesmas, não têm o valor inscrito na sua natureza, mas valem em função do homem e da sociedade que são criadores de valores e avaliam. Como afirmava Nietzsche, os homens é que são os verdadeiros avaliadores, os medidores de todas as coisas. Quando se diz que os valores não

são absolutos, isso também quer dizer que os valores não existem por si e em si mesmos; os valores não existem isoladamente, fora do contexto que os originou e será sempre relativamente a esse contexto que devemos compreender a sua natureza e génese.

Em suma. Os valores são subjetivos isto é são projeções da mente e não realidades materiais.

Dependem da opinião e posicionamento de cada um, resultam da subjetividade humana. Como afirmava Nietzsche, os valores são criação do homem (e por isso também podem ser modificados pelo homem). São subjetivos, dependem da subjetividade do sujeito, não são realidades materiais ou caraterísticas intrínsecas das próprias coisas. Os valores são também

bipolares isto é, existem sempre com o seu oposto (contra-valor). Os valores existem sempre

aos pares como o pólo positivo e o pólo negativo. Por outro lado, os valores são

hierarquizáveis, isto é, posicionam-se uns em relação aos outros numa escala de importância.

Os valores são, finalmente, realidades históricas, isto é, determinados pela sociedade e cultura de cada época histórica, sujeitos à historicidade. Isso faz com que os valores não sejam absolutos – o seu conteúdo e o seu grau de importância vão mudando de época para época e de grupo social para grupo social. Neste sentido devemos dizer que os valores são

relativos – a sua importância e o seu conteúdo aferem-se relativamente à época histórica em

que os homens os assumem e deles se servem para enquadrar a sua atividade e experiência.

§36-A.

Como se transmitem os valores

Os valores fazem parte da superstrutura ideológica de uma dada comunidade e, enquanto tal, integram o património cultural que se transmite de geração para geração. Os valores, ao guiarem a minha ação, ajudam a revelar o caráter repressivo da cultura (Marcuse), na medida em que desta também se destaca um sistema de regras e proibições que controlam o lado animal e instintivo do homem, assegurando a convivência social e evitando que a sociedade seja dominada pela lei do mais forte. A família e a escola encarregam-se da transmissão dos valores e o sujeito educa-se, forma-se e socializa-se na medida em que interioriza a tabu de valores (a hierarquização dos valores) vigente na sociedade num determinado momento histórico. Ao interiorizar e partilhar os valores em vigor, eu afino o meu comportamento pelo modelo de comportamento que é oficial e desejável. O sujeito evita correr o risco de seguir valores que não são comungados pelo resto da sua comunidade. Se a educação é o sistema que se encarrega de transmitir os valores, então os valores impregnam todo o sistema educativo. Um rapazinho ou uma rapariga educadinhos serão aqueles que seguem, sem contestar, os valores transmitidos pelos papás. Estes, demasiado ocupados, encarregam a escola e os professores, como se fossem seus funcionários, de transmitirem aos seus filhos o que é bom, o é mau, o que é desejável e indesejável, o que é repugnante e o que é amoroso, o que é aceitável e o que deve ser repudiado. Da linha de montagem que é escola sairão umas fornadas de mulherzinhas e homenzinhos, todos fabricados à imagem e moldados pelos valores oficiais, muitos deles

prontos para passarem o serão, a olhar em silêncio, para a televisão e a correrem, ao fim de semana, para o centro comercial, empurrando felizes, o carrinho das compras, envergando um fato de treino roxo. Temos, assim, mais uma geração apta par reproduzir, junto dos seus filhos, a miséria do nosso quotidiano.

§36-B.

Conflitos sociais e conflitos de valores

Por outro lado, os conflitos sociais podem ser considerados, também, como conflitos de valores. A questão da interrupção voluntária da gravidez (aborto) ou da eutanásia e do suicídio assitistido são, igualmente, conflitos entre valores, conflitos que resultam duma diferente valoração dos bens jurídicos em conflito. Trata-se, com efeito, dum conflito entre os valores vida e o valor liberdade no caso do debate sobre o aborto, ou entre o valor vida e o valor dignidade humana, no caso da eutanásia e do suicídio assistido. Aqueles que defendem o direito da mulher a interromper uma gravidez não desejada estão a considerar que o valor liberdade individual é superior ao valor vida (não se discutindo aqui se o ser que se desenvolve nas primeiras semanas pode ser considerado uma vida humana). Por outro lado, aqueles que defendem o direito à eutanásia e ao suicídio assistido consideram que a dignidade humana é mais valiosa que a vida quando reduzida a uma mera atividade biológica ou que se processa sem qualquer autonomia por parte do paciente.

Outro exemplo, são os conflitos intergeracionais. Neste caso, parece-nos evidente que um dos componentes deste conflito tem a ver com os valores e com o modo como cada uma das gerações em confronto hierarquiza os valores ou lhes dá conteúdo e os concretiza. Por exemplo, o modo como cada geração vê a liberdade sexual representa uma diferente valoração dos comportamentos sexuais dos jovens por comparação com o que se passava em gerações anteriores.

A diversidade das opiniões e as lutas e conflitos de opinião pdoem ser interpretados à luz da luta e conflito de valores. E isto porque os valores influenciam e determinam, justificam e legitimam, as opiniões, a atitudes e as ações mais controversas. Aí é fundamental perceber os outros não como seres bizarros ou excêntricos, mas como vivendo segundo valores diferentes ou cujos conteúdos são diferentes. [incompleto]

§ 36-C.

Valores contemporâneos e «crise de valores»

No passado os homens e as suas comunidades possuíam certezas morais e religiosas, bem como crenças seguras em torno das quais organizavam e legitimavam o seu viver, bem como censuravam e repudiavam as transgressões e os comportamentos considerados desviantes.

A Revolução Industrial foi o primeiro grande abalo nesse edifício de certezas e correlativa confgiança e segurança. As sociedades laicizaram-se e os valores tidos como absolutos relativizaram-se. No século XX certas revoluções ligadas à libertação da mulher e à

sexualidade obrigou a que se olhassem certos comportamentos duma outra maneira. Comportamentos que eram até há bem pouco tempo considerados como censuráveis passaram a ser aceites ou, pelo menos, tolerados. Daí que ocorresse, ao mesmo tempo, aquilo que é comumente designado por «crise de valores». As tábuas de valores, individuais e coletivos, modificaram-se e alguma perplexidade e desnorte instalaram-se. As brutais [vds] alterações do nosso modo de vida que aconteceram nos últimos anos vieram instalar alguma confusão no nosso espírito e alguma dificuldade na concretzação das nossas escolhas. Porque o que também é verdade é que o leque de escolhas possíveis se alargou como nunca. A nossa indecisão antes de fazer escolhas e agir também se prende com esse mar imenso de alternativas que, a partir de certa altura, se colocou diante do sujeito, no âmbito das sociedades democráticas e liberais.

Capítulo 4 –

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