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38 É o que acontece por exemplo com as comissões de ética que existem nos nossos hospitais e cuja atividade está prevista e regulamenta por lei Cabe a estas comissões, formadas por indivíduos de diversas formações académicas e

profissionais, avaliar eticamente as decisões e as condutas com implicações dos profissionais da saúde, médicos e pessoal de enfermagem, nomeadamente. Por exemplo, poderá uma destas comissões analisar o comportamento dum médico que ocultou ao doente informações sobre a evolução da sua doença e os dias de vida que lhe restariam; ou dum médico que contrariou a posição dos pais que, por motivos religiosos, recusavam que o seu filho menor fosse sujeito a uma transfusão de sangue.

A moral e as suas normas surgem muitas vezes associadas à religião. Não é por acaso que deparamos frequentemente com expressões tais como moral cristã ou moral islâmica. Qual, então, a relação entre a moral e a religião? Vejamos um exemplo concreto: o adultério.

Entre nós, o adultério é avaliado do ponto de vista moral, na maioria dos casos, de forma negativa. Com efeito, ele pode traduzir uma violação dos deveres conjugais, de deveres contraídos no momento do casamento em relação ao outro, o cônjuge, e mesmo em relação aos filhos e aos próprios familiares e amigos. Contudo, tudo isto é aqui afirmado em abstrato, sem ter em conta qualquer caso concreto que poderia modificar esse juízo valorativo. No entanto, apesar da avaliação moral maioritariamente negativa, o adultério não é nenhum crime aos olhos do nosso direito. [muito incompleto]

§40.

Intenção e norma

Para a avaliação da moralidade duma ação não basta uma norma, uma regra socialmente estabelecida que sirva de padrão para a ação; não basta a sua conformidade com a norma, o acordo exteriormente verificável.

É fundamental a intenção, isto é, o julgamento íntimo que cada um faz do que é permitido e do que não é permitido.

Situação 1. António está prestes a afogar-se por não saber nadar. Bárbara observa a

situação e atira-lhe uma tábua a que António se deverá agarrar, evitando o afogamento mortal. Só que a tábua atinge António na cabeça e acaba por feri-lo mortalmente.

Situação 2. Carlos caiu ao mar e, por não saber nadar, está com dificuldades e prestes

a afogar-se. Diogo, seu arqui-inimigo, aproveita a situação desesperada de Carlos. Por enquanto, ainda ninguém apareceu. Estão, pois, sozinhos. Assim, atira-lhe com uma tábua com o objetivo de o atingir mortalmente na cabeça. Só que falha o alvo por muito pouco. Carlos consegue agarrar-se à tábua que o mantém à tona de água até chegar mais gente que sabe nadar. Assim, Carlos consegue salvar-se.

É ou não imprescindível conhecer a intenção do agente (Bárbara na primeira situação e Diogo na segunda) para avaliarmos moralmente a ação? Ou conhecer a intenção não é essencial, bastando conhecer as consequências? E como é que conhecemos a intenção do agente?

Se a intenção contar, então, na primeira situação, António morre, mas Bárbara não é condenada, pois ela queria salvá-lo, só que as coisas correram mal. E no segundo caso, Carlos salva-se, mas tendo em conta a intenção, teremos de condenar Diogo. Criámos uma situação absurda: onde não há vítimas, há condenação; onde há vítimas, não há condenação.

Só age moralmente e faz uma opção moral aquele que se obriga a si mesmo a respeitar o fim que definiu como bom, tendo em vista o seu aperfeiçoamento, ainda que só ele conheça a verdadeira intenção dos envolvidos na ação.

No domínio da moralidade cada indivíduo…

→ só tem que prestar contas à sua própria consciência, a única autoridade;

→ é responsável pelos seus atos, uma vez que tem a possibilidade de fazer escolhas.

§41.

Distinção conceptual entre moral e ética – quadro-resumo

ÉTICA MORAL

→ Responde à questão: que princípios devem orientar a vida humana?

→ Analisa os princípios que regem a constituição das normas orientadoras da ação e os respetivos fundamentos (razões justificadoras); reflete sobre os fins que dão sentido à vida humana;

→ Princípio: a vida humana tem um valor incalculável;

→ A ética pergunta: por que razão não é permitido matar, ou seja, que valor ou princípio justifica tal proibição?

Ou ainda: o que é o bem? Por que razão devemos agir moralmente?

→ É a reflexão sobre os fundamentos (justificação) e os princípios que regem a constituição das normas, propondo fins e ideais a realizar tendo em vista o aperfeiçoamento do ser humano.

→ Responde à questão: que devo fazer ou como devo agir em tal circunstância concreta?

→ Designa o conjunto de normas obrigatórias (imperativos e interditos) estabelecido no interior de um grupo, sociedade ou cultura, para orientar ou julgar uma ação;

→ A norma moral responde: não se deve matar;

→ Analisa os problemas práticos e as dificuldades que se colocam na sua realização;

→ É o conjunto das normas obrigatórias reconhecidas por um grupo social.

§42.

Dimensão pessoal e social – o si mesmo, o outro e as instituições

A vivência social é necessária para garantir a nossa sobrevivência biológica, como também é indispensável para a nossa construção como seres humanos.

Ora, nós não temos apenas deveres para connosco, mas também em relação aos outros.

O ser humano, quando age, e na medida em que também é um ser comunitário, idealiza fins orientadores da ação que vão para lá da mera dimensão biológica e dos interesses individuais egoístas.

A ação moral tem, assim, as seguintes características: - está orientada para um fim, que é um bem;

- é voluntária e intencional;

- é suscetível de juízo, isto é, de ser avaliada em termos de bem ou de mal;

- adota um posicionamento não apenas individual, mas também comunitário, de tal maneira que o agente, colocando-se na perspetiva do outro, chegue à perspetiva da universalidade do agir.

§42 – A. A construção da pessoa na sua relação com os outros

O ser humano que resulta da união de duas células sexuais (um óvulo e um espermatozóide) não é apenas uma realidade biológica, mas uma realidade de natureza complexa, biológica, psico-social e cultural. Tratando-se de uma realidade em devir, um processo de construção, uma realidade inacabada, o ser humano é uma realidade que se vai construindo. O facto do homem ser, à partida, um ser incompleto, longe de ser um inconveniente e uma desvantagem, revela-se uma condição e um impulso para o seu desenvolvimento e aperfeiçoamento. O facto de nem tudo no homem estar programado, constitui-se como um campo ainda imenso à sua frente no sentido de se ir preenchendo com a sua realização. A história de cada um está ligada às histórias dos outros seres humanos, onde a liberdade de agir de cada um surge também condicionada pela liberdade dos outros, pelo que longe de ser uma liberdade absoluta, é, sobretudo, uma história onde se combina a liberdade e os determinismos vários que concorrem para a construção do ser humano. A vida individual desenrola-se num contexto complexo, que se constitui de uma base física, mas que é também formado por um nível social: cada ser humano cresce no seio de várias comunidades (a família, os amigos, a escola, a sociedade) também elas caracterizadas pelas suas próprias histórias e culturas. À volta de cada ser humano é tecida uma complexa teia de relações que o condicionam mas que concorrem para o seu desenvolvimento: sociais, económicas, culturais, políticas, ideológicas. Essa complexa rede de relações constitui o pano de fundo onde cada um exerce a sua liberdade, nomeadamente, a liberdade de se construir a si próprio.

Apesar de não podermos escolher antecipadamente o nosso sexo, a cor dos nossos olhos, ou a altura que iremos ter aos dezoito anos, tal não significa que o nosso destino esteja já traçado e visível na palma da mão. Do ponto de vista biológico muito já está programado e definido, mas será o ambiente físico e afectivo, social e cultural, que permitirá ou não o desenvolvimento dessas potencialidades.

A palavra pessoa deriva do latim persona que é raiz de palavras como personagem e personalidade. Persona era também a máscara que era usada nas representações teatrais pelos actores para amplificar as vozes, mas também para definir melhor os sentimentos e as personalidades representados naquele momento. A personagem e a persona tinham, assim, um determinado papel. Também no palco do mundo, cada um de nós, cada pessoa, representa um ou vários papéis com direitos e deveres.

Podemos distinguir sociedade civil e comunidade humana. No âmbito da primeira, os direitos e deveres são os que constam da sua relação de submissão ao Estado, definidos e consagrados numa lei fundamental (a Constituição política, por exemplo), de maneira a que a sociedade forme um estrutura coerente e pacífica e que a partir daí se promove o desenvolvimento individual. Mas a pessoa não é apenas o indivíduo, o cidadão. Cada homem atingirá a plenitude do seu ser através da consciência de que cada um é um fim em si mesmo e não um meio. A sua pessoa desenvolver-se-á no âmbito duma autêntica comunidade humana que coloque a emancipação individual e de todos como o supremo objectivo.

“Este pobre eu que nós somos ou parecemos ser, tão estreitamente condicionado pelo organismo, pelos instintos, pelas relações existentes que o comprimem num círculo fatal; este pobre eu, que assim começa cativo e quase esmagado, transpõe gradualmente esses limites, transborda por assim dizer sobre o mundo que o continha, substitui motivos próprios aos motivos alheios, faz-se fim onde era meio e, de particular e limitado, transforma-se finalmente no que se diria um outro eu, impessoal, absoluto, todo razão e vontade pura. Identificado com o próprio

ideal, só agora ele é ele mesmo. Não concebemos que outra coisa seja ser livre.”

(ANTERO DE QUENTAL)

§43.

Teorias acerca da fundamentação da moralidade: a perspetiva deontológica de Kant

§43 ─ A. Alguns paradoxos com a teoria deontológica

Ao afirmarmos que o critério para avaliar a moralidade duma ação reside na intenção (ou nos princípios práticos que elejo para deteminar a vontade) posso cair nalgumas situações paradoxais. A mais conhecida é a situação de um indivíduo que está prestes a afogar-se. Imagina que te aproximas desse indivíduo que está em dificuldades pois não sabe nadar. Tu também não sabes nadar, mas tens que fazer alguma coisa. O quê? Junto de ti descobres uma tábua. E pensas que se lhe atirares a tábua e se ele se agarrar à tábua conseguirá evitar ir ao fundo e poderá salvar-se. E assim fazes. Atiras-lhe a tábua, convencido que assim o vais salvar de morrer afogado. Só que a tábua bate-lhe na cabeça. Devido à pancada violenta, o indivíduo desmaia e acaba por se afogar. Oh!, que azar, dirias tu. Mas, o que diria Kant, que defende como critério da ação, o princípio prático que te orienta ao agires. Pois, Kant iria considerar que, apesar do resultado, acabaste de praticar uma ação moralmente válida, atendendo à tua (boa) intenção. Imaginemos agora outro desfecho. Temos à mesma um indivíduo dentro de água e prestes a afogar-se. Aproximas-te e reconheces o infeliz. Trata-se de um tipo que odeias, que é teu inimigo. Como junto de ti, descobres uma tábua de

madeira, imediatamente pensas que podes atirar-lhe a tábua à cabeça e, assim, "despachá- lo". É uma ideia excelente, pensas tu, pois se ele morrer, toda a gente irá pensar que morreu afogado! É o crime perfeito! E se assim pensas, melhor o fazes. Pegas na tábua e, com toda a tua força, atiras-lhe a tábua, fazendo pontaria à cabeça. Só que falhas o alvo e o teu inimigo acaba por conseguir agarrar a tábua. Ora, ao agarrar-se à tábua, consegue encaminhar-se para a margem e salvar-se. O que diria, novamente, o senhor Kant? Bem, já sabemos o que ele pensa: apesar de teres salvo um indivíduo de morrer afogado, o filósofo alemão vai considerar como nada moral a ação que praticaste! Em suma: Kant valoriza-te quando o outro morre e condena-te quando ele se salva! Não é fantástico?

§44.

Teorias acerca da fundamentação da moralidade: a perspectiva consequencialista de Stuart Mill

§44 – A.

Confronto entre as teorias deontológicas e as teorias consequencialistas

Para um adepto das teorias deontológicas tudo aquilo que fazemos deve ser determinado por princípios. O princípio que afirma que «não se deve tirar a vida a um ser humano» deverá ser seguido, segundo as teorias deontológicas, em todas as ocasiões39. Nesse

sentido, um médico que seguisse esta orientação, deveria abster-se de praticar a eutanásia, mesmo que o paciente lho pedisse por estar em grande sofrimento e a sua doença ser comprovadamente fatal de forma irreversível. A vida é considerada um valor absoluto e, enquanto tal, fundamenta princípios que nos impedem de tirar a vida a alguém.

Se um indivíduo não seguir princípios poderá vir a ter atuações contrárias entre si. Por exemplo, imaginemos um político que junto dos trabalhadores defende o direito à greve para obter o seu apoio e, logo a seguir, junto dos patrões, declara-se contra as greves para conseguir o voto do patronato. Para este político, o direito à greve não vale em si mesmo e não é um princípio a ser defendido e a ser seguido em todas as circunstâncias; aquilo que orienta e determina a sua ação é o interesse pessoal, o bem próprio, a sua ambição desmedida e para isso tentando sacar votos a toda a gente. Trata-se de um tipo de pessoas que nós designamos como não tendo princípios, um indivíduo sem princípios. Para ele são as circunstâncias que ditam o que ele deve fazer e, por essa razão, acabam por ter percursos sinuosos e ambíguos.

Mas será que devemos ser atender exclusivamente aos princípios orientadores da ação?

É que, em certas circunstâncias, devemos ter em conta as consequências da ação. Os resultados da ação devem ser considerados na avaliação da justeza e correção da ação. Os

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