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26 Para o nosso Código Penal existem até atuações que só serão crimes em caso de dolo; a negligência não é penalizada do ponto de vista do Direito Como veremos mais à frente, isso não significa que não haja um juízo de

cria a sua essência, é ele que constrói o que quer ser. O homem não encontra nenhum sinal, nem nenhuma indicação a mostrar-lhe o caminho que deve seguir. Segundo o Existencialismo, cada homem é livre para seguir o que quiser. Mais, como dizia o poeta espanhol Antonio Machado, “não existem caminhos, fazem-se a caminhar”. Se Deus existisse, o homem não era livre, pois a sua existência estava determinada e ele teria que existir de acordo com essa essência. Sem Deus, cada homem “está só e sem desculpas” ou como diz a canção “não há estrelas no céu / a dourar o meu caminho”. O homem é livre para o fazer, como também é responsável e responsabilizado por isso. A todo o momento, o homem escolhe, mas não existe ninguém a indicar-lhe um caminho. O homem só se escuta a si mesmo, é ele que constrói a sua essência. Se Deus existisse e tivesse criado o homem, este poderia sempre admitir a vontade divina como responsável por aquilo que ele é e desculpar-se com isso. Deus dá jeito a quem não quer arcar com o peso da responsabilidade, quem quer fugir diante das suas responsabilidades. Neste sentido, quem acredita em Deus vê nele um bom refúgio para demitir-se da construção da sua essência e da própria realidade. Quem não acredita, tem de ficar com o peso e as consequências da sua escolha.

§30.

Classificação das condicionantes da ação humana

O homem é um ser completamente exposto às influências do meio social, cultural e natural, sempre aberto aos outros, completamente permeável às influências do exterior. Por outro lado, é um ser inacabado e imperfeito, donde a necessidade de agir, de se transformar e transformar a realidade de acordo com as suas necessidades. O homem não é, assim, um ser fechado sobre si mesmo. Por isso se diz que o homem é um ser de relação. Também no mesmo contexto de ideias, note-se a afirmação do Ortega y Gasset: “ Eu sou eu e a minha circunstância”. Com esta afirmação o filósofo espanhol quer-nos dizer que na identidade e no conhecimento de qualquer um teremos de ter em conta o contexto em que o próprio sujeito se encontra. O homem não se pode definir isolado da realidade e dos outros. A sua estrutura anatómica-fisiológica aponta precisamente para essa interpenetração do sujeito com a realidade que o envolve, seja a realidade física ou a realidade cultural ou ainda a realidade social. O homem está na dependência do mundo, um mundo de coisas e pessoas, e este constitui fonte de limitações para a sua ação, mas também um conjunto de oportunidades e recursos postos à sua disposição. Esta situação particular de um ser dependente do mundo, aberto ao mundo e interagindo com o mundo, leva a que o homem não possa contar apenas consigo, mas tenha que levar em linha de conta com um conjunto de fatores que envolvem o sujeito e que o definem.

O sujeito não se compreende isolado dos outros, porque apenas se desenvolve na interação com os outros. É assim que acontece quando consideramos a perspetiva filogenética e a perspetiva ontogenética, isto é, quer consideremos o homem na sua evolução individual desde a fase de criança até ao estado adulto (filogénese), quer consideremos a evolução da própria espécie humana e o processo de hominização (ontogénese). Nestes dois processos

evolutivos o homem desenvolve-se na medida em que se relaciona com os seus semelhantes e realiza trocas com o meio exterior. Esta interdependência entre o homem e o meio que o envolve faz com que a sua ação nunca possa depender exclusivamente da sua vontade. Todo este percurso acontece estando o homem mergulhado numa determinada situação que o rodeia e influencia sob diversas formas.

Ele não age de uma forma absolutamente livre. Existem fatores que condicionam e limitam a ação humana. Estas condicionantes da ação humana podem dividir-se segundo a seguinte classificação: condicionantes biológicas, histórico-culturais, psicológicas e físicas.

O facto de o homem estar situado numa determinada sociedade e numa determinada época coloca limitações à própria atividade humana. A começar, devemos considerar as

condicionantes sócio-culturais ou histórico-culturais, ilustradas por todo um conjunto de

produtos culturais e sociais que estruturam a sociedade e asseguram o seu funcionamento mais ou menos regular: hábitos, costumes, normas de convivência social, leis, imperativos religiosos e morais, valores, tudo isto constitui uma constelação de princípios e regras que limitam a atividade humana. Condicionam, mas não são barreiras intransponíveis, porque todos nós sabemos que, nalguns casos, a atividade humana vai contra esses princípios e regras. O Código da Estrada assegura o regular funcionamento do trânsito na medida em que informa os condutores sobre o que se pode e não se pode fazer. Mas a existência das normas do Código da Estrada não asseguram só por si que não haja transgressões. Aquelas normas condicionam a ação dos condutores, mas não são limites absolutos.

Mas existem outras limitações ao exercício da vontade. A estrutura e funcionamento do nosso corpo são também condicionadores da ação. Eu não posso estar debaixo de água mais do que determinado tempo e por mais vontade que tenha em voar, eu sei que não o posso fazer. Existem, deste modo, outro tipo de condicionantes que designaríamos como

condicionantes biológicas e que são transmitidas geneticamente. Trata-se de condicionantes

que têm a ver com a estrutura e funcionamento do nosso corpo. De notar, contudo, que o nosso corpo possui um duplo sentido: por um lado constitui uma condicionante da ação humana, por outro lado é com o corpo e é através do corpo que eu ajo e intervenho no mundo. O meu corpo é um limite, mas também um instrumento da vontade, o veículo para a concretização do meu pensamento. É através do meu corpo que eu exteriorizo as ideias da minha mente. Nesse sentido, eu realizo a liberdade através do meu corpo. O corpo é um instrumento ao serviço da ação, mas também limita a própria ação, na medida em que eu não posso agir para lá daquilo que o corpo me permite. O sujeito age dentro dos limites que são impostos pelo corpo, instrumento da ação, o corpo está ao serviço da liberdade, porque é através dele que eu manifesto o meu ser livre, mas ao mesmo tempo, o corpo condiciona a liberdade, ele é a fronteira da vontade.

Mesmo com uma vontade intensa e esclarecida eu não posso voar ou viver debaixo de água. É verdade que eu posso ir alargando esses limites, quer porque eu posso ir treinando o corpo, e ganhar mais destreza física, quer porque eu posso socorrer-me de meios mecânicos

para ampliar esses mesmos limites (quando eu uso um telescópio eu amplio a minha capacidade de visão) contudo, alargar os limites do meu corpo não significa que alguma vez eu possa dispensa-lo da execução da ação.

As condicionantes biológicas não estão fixas. Na evolução da espécie humana, verifica-se que o homem progride na medida em que depende cada vez menos do corpo que foi transmitido geneticamente, construindo artifícios técnicos que o ajudam a ultrapassar as suas limitações biológicas.

Para além do corpo, também a personalidade de cada um condiciona o seu modo de agir. Existem certas maneiras de ser que fazem com que o indivíduo seja mais passivo ou indiferente face ao mundo e, nesse sentido, menos propenso a agir. A ação de uma pessoa, a sua intervenção no mundo, pode ficar condicionada por causa de um temperamento mais envergonhado ou reservado. Neste caso, estamos a falar de condicionantes psicológicas que se relacionam com o psiquismo humano.

Finalmente, também poderemos entender que o meio físico onde a ação se concretiza condiciona o agir humano. Pense-se, por exemplo, no trabalho agrícola e como ele está dependente e condicionado por um conjunto de fatores, tais como a natureza dos solos, a existência ou não e cursos de água, a existência ou não se solos apropriados ou terrenos acidentados, o clima. Quer isto dizer que poderemos também considerar a existência de

condicionantes físicas ou ambientais.

O vasto elenco de fatores que condicionam a ação humana leva-nos à conclusão de que o homem e a sua vontade estão limitados por determinados fatores que, contudo, não são obstáculos intransponíveis. Se assim fosse, não haveria nenhuma margem para a liberdade e vontade humanas. Ora, nós constatamos facilmente que o homem tem, em muitas ocasiões, a possibilidade de escolher algo e de recusar algo. Todas as vezes que eu ajo, eu sei também que poderia ter feito mais ou menos do que fiz, que poderia sempre ter feito diferente. Todas as vezes que eu levo por diante uma ação, eu sei que escolhi e rejeitei alternativas, caminhos diferentes daqueles que acabei por seguir. Isso significa que o homem é livre para escolher, mesmo que condicionado por inúmeros fatores.

§31.

O que é o determinismo. Diversos tipos de determinismo

Uma das questões que se coloca à reflexão da Filosofia é a de saber se o sujeito quando age é ou não livre. Ora, nós afirmaremos que o sujeito é livre se, quando age, o faz na ausência de qualquer forma de coação que determine ou encaminhe a vontade do sujeito numa direção que não corresponde ao que ele deseja. Imaginemos que alguém me aponta uma arma à cabeça e diz: «Se não assinares esse documento, disparo e estoiro-te os miolos!» Mal oiço isso, apesar de não ser essa a minha vontade, decido-me a assinar. Eu decidi assinar o documento, mas agi de forma livre? À partida poderíamos dizer que foi o sujeito quem decidiu assinar. Logo, parece que ao assinar eu estou a executar uma decisão minha. Só que se atendermos ao contexto, percebemos que a vontade foi coagida, o sujeito foi levado a

fazer algo que não correspondia ao que em última instância desejava. Se não existisse a arma apontada à cabeça, eu nunca assinaria. E era precisamente por saber isso que o outro me apontou a arma e exerceu esse poder sobre a minha vontade. Nesta situação poderíamos dizer que o sujeito não agiu de forma livre. Mas esta situação não corresponde ao que normalmente se passa com as minhas decisões. Nunca tive uma arma apontada à minha cabeça, para que decidisse de uma determinada maneira: para comer a sopa toda do prato, vestir um casaco horrível, ficar a estudar em vez de ir ao cinema, não foi preciso que me apontassem uma arma, proferindo ameaças de morte. Mas será que, quando decido duma determinada maneira, não existiram outros fatores que exercem o seu poder sobre a minha vontade levando-me a agir num determinado sentido? [incompleto]

A liberdade humana não é absoluta. Como facilmente já vimos existem limitações que incidem sobre o homem e a sua vontade. Segundo alguns autores o homem está submetido a diversos tipos de determinismo.

Determinismo físico

Significa a conceção do universo em que os fenómenos ou acontecimentos estão de tal maneira relacionados uns com os outros que uma inteligência, capaz de conhecer todas as circunstâncias da evolução do universo num momento dado, poderia prever qualquer acontecimento futuro. Todos os acontecimentos estão interligados entre si em termos de causa e efeito, todos os acontecimentos são causa e efeito uns dos outros e onde o homem acaba também por ser determinado pela realidade física. Neste sentido, o homem não é livre pois acaba por agir determinado pelo turbilhão da realidade externa. É este determinismo que serve de base à indução das leis científicas.

Determinismo biológico

É a posição segundo a qual não há traços humanos que não sejam produto biológico. A vida de cada homem seria condicionada por certas limitações impostas pela herança biológica. Haveria, por exemplo, alguns mecanismos neurofisiológicos e modos de comportamento que seriam muito difíceis ou mesmo impossíveis de modificar. O homem seria consequentemente desresponsabilizado pelas suas tendências e pelos seus atos, na medida em que tudo aquilo que ele faz deve ser explicado não pela sua vontade mas através do funcionamento do seu corpo. Para algumas tendências mais radicais, como por exemplo no âmbito da biossociologia, mesmo os valores, como o patriotismo, teria um fundamento biológico.

Determinismo psicológico

É a tese segundo a qual todo o comportamento livre e espontâneo é determinado por antecedentes psíquicos de ordem afetiva (crenças, desejos, temores, etc.) ou de ordem intelectual (motivos). Esta forma de determinismo nega a liberdade humana.

Determinismo sociológico

Considera que o comportamento do indivíduo é um produto da cultura, ou seja, dos hábitos coletivos, adquiridos por aprendizagem social e transmitidos de geração em geração. A cultura modela a personalidade, influencia os valores, as crenças e atitudes. Condiciona, portanto, a maneira de ser, de pensar e de agir do homem.

§31 – A.

A crença no destino como forma de determinismo

O homem que se afirma a si mesmo, assumindo a sua liberdade, afirma-se como senhor do seu destino. Mas há também quem afirme que o destino do homem já está traçado de uma vez por todas e que tudo o que acontece no mundo corresponde à Providência Divina e à vontade de Deus. Para esses, o homem não é livre, é uma espécie de marionete, cuja vida é manipulada a partir do Além. Esta posição também pode ser muito cómoda para quem não quer assumir a responsabilidade pela sua condição e situação. Atribuir a Deus a causa de tudo o que acontece é afastar o homem do seu próprio caminho e da sua história. Quem assim pensa tem, sobretudo, medo que os homens sejam senhores do seu destino e da sua vida e expulsem definitivamente os deuses da sua realidade.

§32.

Consciência, vontade e responsabilidade

Como já atrás vimos, as ações humanas envolvem a consciência e a vontade humanas. A consciência e a vontade são elementos intrínsecos à ação, sem os quais não poderíamos dizer que estávamos diante de uma ação humana. A liberdade e a ação livre concretizam-se através de um processo em que o homem (o agente) sabe o que faz e faz o que deseja fazer. A ação só é livre se o sujeito agir de acordo com a sua vontade, consciente do que está a fazer e das consequências de que daí resultam.

O sujeito é livre e age livremente, não porque não existam limites / limitações ou barreiras à sua ação, mas porque reconhece essas limitações e joga com elas.

A partir do momento em que o sujeito age livremente, de acordo com a sua vontade e consciente do caminho que iniciou, então o sujeito é também responsável pelos seus atos e pelas consequências destes. Só um sujeito livre pode ser responsável e responsabilizado. Se a vontade do sujeito fosse manipulada por indivíduos estranhos, por exemplo, então a responsabilidade recairia sobre estes e o sujeito nunca poderia ser responsabilizado. Se o sujeito é livre e sabe o que faz, então também é responsável, é sobre ele que recaem as responsabilidades do que acontecer como consequência direta do seu agir27. Ser responsável

significa assumir as consequências do que acontece devido à sua iniciativa e à sua ação.

27 Se não fosse a consequência direta, então poderíamos cair numa situação absurda em que o sujeito seria

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