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e aconteceu Aconteceu e pra mim era uma coisa muito difícil Eu não aceitava de jeito nenhum Eu

No documento filipegabrielribeirofranca (páginas 81-84)

passei quatro anos achando que eu era toda errada

na vida, que aquilo tinha que passar, eu chorava,

eu ficava com essa menina e eu namorava menino

ao mesmo tempo, nossa, uma confusão! Eu não

aceitava de jeito nenhum. Aquilo pra mim era muito

torturante, era uma dor mesmo. “Não é possível que

eu sou assim! Eu não quero, não quero ser

assim!”. E eu não conseguia abandonar as

situações e os envolvimentos. A minha mãe sempre

desconfiando e eu negando, negando até pra mim

mesma. Todo mundo perguntando e eu sempre

falando que não, que não e não. Todo mundo sabia,

menos eu! Eu vivi aquilo, mas pra mim não era

aquilo não. Eu criava um outro universo pra mim.

Essa história foi diminuindo, acabando e a minha

mãe não desistiu das tentativas de me mudar. Por

fim, eu pensei: “chega, isso não vai mais acontecer

na minha vida, isso é página virada!”. Hum, nada!

Conheci outra pessoa! Com essa segunda pessoa que

eu conheci, eu comecei a me aceitar (Professora

Otacília).

A professora Otacília diz ter começado a pensar sobre a construção da sua sexualidade a partir do seu ingresso na faculdade, mais especificamente ao frequentar um grupo de promoção da diversidade sexual. Mais uma vez a presença do outro apresenta-se como importante provocador e catalisador no processo de pensar e voltar sobre si mesmo e suas experiências, pois, “uma experiência é sempre uma ficção; é algo que se fabrica para si mesmo, que não existe antes e que existirá depois” (FOUCAULT, 2003, p. 45). Nessa perspectiva, ela lembra também da relação estabelecida com a própria mãe. Uma mãe que a

“constituiu para ser uma bonequinha, para ser a

menininha”

.Mesmo seguindo

“a risca”

o que a mãe achava que ela devia ser, a professora Otacília foi na contramão das expectativas da mãe em

relação a ela, num movimento de transgressão e de liberdade, pois, afinal, “os corpos não se conformam, nunca” (BUTLER, 2010, p. 154).

A ligação da professora Otacília com o corpo, com a arte e com a dança a leva a associação de que a

“sexualidade sempre esteve muito presente”

em sua vida mesmo não sendo de uma forma

“reflexiva”

como ela se propôs a pensar a partir de sua entrada na faculdade e no grupo Primavera nos Dentes. Os conflitos com a mãe continuavam e a professora Otacília considerava estar

“toda errada na vida”

, mergulhando no que ela denomina

“confusão”

,em que ela ficava com menina e namorava menino ao mesmo tempo. A professora escapa das expectativas criadas por sua mãe e pela sociedade ao vivenciar o seu gênero e a sua sexualidade, mostrando que “há sujeitos de gênero “incoerentes”, “descontínuos”, indivíduos que deixam de se conformar às normas generificadas de inteligibilidade cultural pelas quais todos deveriam ser definidos” (LOURO, 2008b, p. 67).

O que era isso, que a desordem da vida podia sempre mais do que a gente? Adjaz que me aconformar com aquilo eu não queria, descido na inferneira. Carecia de que tudo esbarrasse, momental meu, para se ter um recomeço. [...] Eu queria minha vida própria, por meu querer governada (ROSA, 2001, p. 445).

A professora Otacília expõe um movimento de resistência ao negar compreender os seus desejos afetivos e sexuais. Ao dizer que

“não é

possível que eu sou assim! Eu não quero, não quero ser assim!”

, ela tenta traçar uma rota de fuga para escapar da vigilância de sua mãe, da sociedade e, sobretudo, fugir de si mesma. Para tanto, ela acaba investindo na criação de um

“outro universo”

, um lugar em que ela pudesse se sentir segura e protegida. Porém, seu plano falha, ela conhece uma nova pessoa e afirma que a partir daí começa a se conhecer e a se aceitar. Assim, o simples ato de “existir é resistir” (VILELA, 2006, p. 126), que de certa forma culmina na sua transformação, em que a resistência vai se constituindo enquanto uma experiência de subjetivação e de experimentação da liberdade. Resistir é um combate. Uma luta com as adversidades. Resistência que é um sinal de

liberdade, prova de que é possível escapar dos enquadramentos propostos pelas forças. Ela demonstra que existe espaço para mudanças, oscilações, inversões e negociações nas relações de poder. Conforme aponta Foucault (1988, p. 106), existem “resistências, no plural, que são casos únicos: possíveis, necessárias, improváveis, espontâneas, selvagens, solitárias, planejadas, arrastadas, violentas, irreconciliáveis, prontas ao compromisso, interessadas ou fadadas ao sacrifício” que “não podem deixar existir a não ser no campo estratégico das relações de poder” (idem).

Junto a essas resistências a professora Otacília passa por “uma variedade de processos que constroem a subjetividade e que ocorrem ao mesmo tempo” (FERRARI, 2010, p. 12), entrecruzando-se com suas experiências:

“Eu comecei a me envolver com um grupo de amigas e

aconteceu de eu e uma amiga termos uma relação. Eu tinha 16 anos, já

namorava, já tinha uma experiência mais sensitiva com o corpo, sempre

tive contato com a arte, com a dança, então eu acho que essa questão da

sexualidade sempre esteve muito presente na minha vida”

. Experiências que dizem da produção de si junto ao outro e junto às relações que estabelece com o mundo, propiciando a constituição de um sujeito que “é atravessado por esses diversos processos que modelam, fabricam e produzem a subjetividade” (FERRARI, 2010, p. 12). Assim, os modos pelos quais nos tornamos sujeitos, os modos de subjetivação, surgem e vão se desenvolvendo como práticas de si, provocando “vivimentos”:

A lembrança da vida da gente se guarda em trechos diversos, cada um com seu signo e sentimento, uns com os outros acho que nem não misturam. Contar seguido, alinhavado, só mesmo sendo as coisas de rasa importância. De cada vivimento que eu real tive, de alegria forte ou pesar, cada vez daquela hoje vejo que eu era como se fosse diferente pessoa. Sucedido desgovernado. Assim eu acho, assim é que eu conto. O senhor é bondoso de me ouvir. Tem horas antigas que ficaram muito mais perto da gente do que outras, de recente data (ROSA, 2001, p. 138).

Nessas práticas de constituição de si emergem narrativas que dizem como ess@s sujeitos foram se distanciando da heterossexualidade, assumindo

para si mesm@s a homossexualidade como modo de vida, indo na contramão do sistema sexo-gênero-heterossexualidade (BUTLER, 2003):

Tentei ter uma namorada, eu era apaixonado pela

No documento filipegabrielribeirofranca (páginas 81-84)