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Ele passou a achar que eu tinha que fazer alguma coisa com ele Foi uma das coisas que me marcou e

No documento filipegabrielribeirofranca (páginas 102-106)

até hoje eu guardo. Ah, e ele é casado tá? Casado

com mulher e tem três filhas. Isso foi no início da

minha carreira de professor, há uns 18 anos. Foi

assédio mesmo de chegar por trás, começar a alisar e

eu ter que mandar parar. Nem as minhas aventuras

de sair aí pela rua caçando não chegou a tanto.

Ninguém imagina que um diretor de colégio vai

chegar ao ponto de fechar todas as cortinas da sala

da direção e trancar a porta. Eu não tinha visto que

ele tinha trancado a porta. Eu fui ver que ele tinha

trancado a porta quando eu fui sair e vi que a porta

tava trancada. Aí quando eu consegui sair eu bati a

porta. Eu só sei que a cara dele daquele dia em

diante se modificou. Ele achou que eu ia ceder ali

mesmo. De vez em quando eu encontro com ele na rua

(Professor Medeiro Vaz).

A narrativa acima expõe uma situação marcante na vida e na carreira do professor Medeiro Vaz. Uma experiência que o tocou, o atravessou e que dela ele não conseguiu esquecer-se. Um acontecimento em que a hierarquia e a relação de poder do diretor para com o docente são colocadas em jogo. Tal fato ocorrido constitui-se em uma experiência que se experimenta na caminhada, que se constitui e constitui os sujeitos, se modifica e se transforma

no transcorrer do tempo. Ou seja, é uma experiência tomada “como arte de experimentar, ação política, produção de saberes e sujeitos, mediada por relações de poder. Experiência como processo intranquilo que remete a acontecimentos [...]” (CASTRO, 2013, p. 139-140). Assim, o diretor abusa de sua autoridade, assedia o professor “iniciante” numa atitude inesperada para aquele sujeito porque

“ninguém imagina que um diretor de colégio vai

chegar ao ponto de fechar todas as cortinas da sala da direção e trancar

a porta”

.

Ao me envolver e dialogar com essas narrativas percebo que existem muitos modos de ser e de se constituir professor/a. A docência é sempre atravessada pelas histórias de vida d@s professor@s, cada qual com suas particularidades, acontecimentos, vivências e experiências. A ação de constituir-se professor/a se dá cotidianamente. Assim, compartilho da fala de Riobaldo, ao dizer que “tudo o que já foi, é o começo do que vai vir, toda a hora a gente está num cômpito. Eu penso é assim, na paridade. O demônio na rua... Viver é muito perigoso; e não é não. Nem sei explicar estas coisas” (ROSA, 2001, p. 394).

***

“O sertão não tem janelas nem portas. E a regra é assim: ou o

senhor bendito governa o sertão, ou o sertão maldito vos governa...”

5.

“Quantas vezes em reunião eu já peguei um salto, falava

‘eu ando bem nisso, vocês nem imaginam’ e desfilava pela

sala”

: VIDAS EM CONSTRUÇÃO

Figura 10: “A Deus dada...”

Eu queria minha vida própria, por meu querer governada (ROSA, 2001, p. 445)

O desejo de Riobaldo em querer “vida própria” e “governada” por si mesmo vai ao encontro dos desejos d@s professor@s homossexuais com @s quais eu tive a oportunidade de conversar durante a produção da pesquisa. Vontades, coragem, descobertas, inquietações e experiências. Esses sentimentos surgem nas narrativas d@s professor@s ao falarem de suas vidas e compartilharem suas vivências.

Neste capítulo, trago para discussão cinco questões que apareceram durante as entrevistas com @s professor@s e que vi a possibilidade delas serem trabalhadas, pois, dizem dos modos como ess@s professor@s se constituíram e se constituem enquanto sujeitos docentes.

Primeiramente, trabalho com a questão do armário, o ato de assumir- se ou não homossexual e suas consequências, pensando a partir das narrativas dos professores Compadre Quelemém e Medeiro Vaz. Em seguida, trago para a discussão a emergência da internet e a abertura de novas formas de encontro e de relacionamento com o outro a partir do uso da web. A amizade é outro elemento que coloco em evidência, problematizando a importância d@s amig@s para os processos de produção de si, sobretudo, durante o período em que @s professor@s “descobrem” a homossexualidade. Também abordo a temática da coragem da verdade a partir do conceito de parrhesía trabalhado por Foucault durante os cursos de 1983 e 1984 no Collège de France. A seguir, começo trazendo a discussão acerca das estéticas das existências e para tanto utilizo como inspiração as narrativas do professor Hermógenes, que retratam momentos em que ele se constitui dentro da escola em que atua e vai assumindo a homossexualidade como um modo de vida.

5.1

“Sou gay, sou alegre, mas não sou bagunça!”

: Estéticas da existência, artes de viver!

Gay, viado, homossexual... Palavras constantes nas falas do professor Hermógenes. Palavras que dizem do seu modo e estilo de vida. Palavras que

carregam vida! Possibilidades de viver a vida! A vida como um instigante, provocante e apaixonante conjunto de “artes da existência”. Foucault nos fala que

estas devem ser entendidas como as práticas racionais e voluntárias pelas quais os homens não apenas determinam para si mesmos regras de conduta, como também buscam transformar-se, modificar-se em seu ser singular, e fazer de sua vida uma obra que seja portadora de certos valores estéticos e que corresponda a certos critérios de estilo (2012c, p. 193).

Neste sentido, a estética da existência tem "compromisso com mudanças que levam à criação de novos estilos de vida baseados em uma ética capaz de criar subjetividades mais libertárias e, a partir delas, novas formas de sociabilidade" (MISKOLCI, 2006, p. 689). Com o conceito foucaultiano de estética da existência abre-se a possibilidade de invenção de novas formas de se viver e de afetividade entre os sujeitos. Portanto, a noção de estética da existência propicia a emergência da “discussão e questionamento de padrões normalizadores, heterônomos e identitários, que formatam o indivíduo contemporâneo ao aprisioná-lo em rígidas identidades previamente definidas” (CÉSAR, DUARTE, SIERRA, 2013, p. 75). A criação de novas formas de sociabilidade também se dá no exercício da profissão docente e nas relações que os sujeitos estabelecem com a instituição escolar. O professor Hermógenes cria seu próprio estilo de vida e vai construindo a sua identidade na escola:

Eu desmunheco na hora que eu quero. Desmunheco na

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