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pra conversar com alguém no chat e sair pra encontrar, sabe? Era mais pra saber como aquilo

No documento filipegabrielribeirofranca (páginas 125-129)

acontecia. Tinha um monte de gente casado, noivo que

procurava pra conversar no chat e isso foi dando

uma certa estabilidade pra mim porque era a minha

válvula de escape trocar ideia. Depois as coisas

foram se acertando dentro de mim, eu não tenho que

provar nada pra ninguém e fui me consolidando

(Professor Zé Bebelo).

Para o professor Zé Bebelo, o uso do chat ao acessar a internet era a sua

“válvula de escape”

, um lugar em que ele podia encontrar pessoas que tivessem em comum os mesmos conflitos e curiosidades, ao mesmo tempo em que exerceria uma espécie de “estágio”, uma preparação, uma busca de conhecimentos acerca das homossexualidades. Um lugar de liberdade e realização, onde ele poderia expressar seus desejos sem medos, pudores ou repressão, lembrando aquilo que Foucault (2010a) chamaria de heterotopia17. Desse modo, a internet emerge como uma estratégia de aproximação entre sujeitos que são relegados à exclusão e ao preconceito pela sociedade.

A vontade de conversar e de encontrar alguém que compartilhasse as suas experiências também é apontada pelo professor Zé Bebelo:

“a minha

válvula de escape era o chat. Eu entrava porque tinha muita gente pra

conversar, pra saber como que acontecia com eles, como que era a

relação deles com a família e eu não tinha com quem conversar”

. A necessidade de encontrar alguém, como narra o professor Zé Bebelo, para falar e compartilhar de seus desejos – seja para a criação de relações amorosas, combinação de uma “pegação”, fazer amigos ou simplesmente compartilhar dores – faz da internet o mais novo meio de controle e exposição da sexualidade. Desse modo, “ao colocar o sexo em palavras, a rede se distancia das “regras” que marcavam o antigo “meio”, ou seja, o silêncio sobre

17 O filósofo francês chama de heterotopia os contra-espaços, os lugares reais fora de

todos os lugares que funcionam em condições não hegemônicas. Penso que a internet também pode assumir o sentido de um contra-espaço, ou seja, uma heterotopia.

o que se fazia” (MISKOLCI, 2009b, p. 188). Ao trazer o sexo ao discurso, a internet faz também com que os seus usuários ampliem o sentido e o papel da sexualidade em suas vidas e na própria forma como se compreendem e se constituem, ou seja, “tornar-se” homossexual é um aprendizado que é construído na coletividade.

A internet ampliou as possibilidades de contatos amorosos e sexuais, ou seja, da paquera ou “pegação”. Para parte dos sujeitos homossexuais, a web se apresenta como um dos poucos lugares de sociabilidade em que é possível “expressar os seus desejos, conhecer pessoas em situação similar e não arriscar ser repreendido ou humilhado por seus anseios” (MISKOLCI, 2009b, p. 184). Ao mesmo tempo, a web é uma importante aliada que favorece o encontro de diferentes sujeitos e homossexualidades, que juntos acabam construindo coletivamente saberes sobre o que vem a ser o sujeito homossexual. O professor Zé Bebelo passou por essa situação e traz uma narrativa nesse sentido:

“Eu não sentia aquela vontade louca de encontrar,

de subir pelas paredes, lógico que tem a busca pelo prazer e foi uma

sensação prazerosa. É lógico que a gente espera aquilo, mas eu não

subia pelas paredes pra conversar com alguém no chat e sair pra

encontrar, sabe? Era mais pra saber como aquilo acontecia”

. Uma fala que nos convida a pensar na vontade de saber (FOUCAULT, 1988), um desejo de conhecer o outro e a si mesmo. Nesse sentido, para que esse movimento ocorra, é preciso uma dobra, pois, “para conhecer-se a si mesmo” é “preciso dobrar-se sobre si” (FOUCAULT, 2010c, p. 63), ser receptivo, abrir-se para essa experiência, abrir-se para algo que tem que ser aprendido.

Tal abertura foi proporcionando ao professor Zé Bebelo uma compreensão e produção de si, chegando ao ponto dele poder afirmar:

“Depois as coisas foram se acertando dentro de mim, eu não tenho que

provar nada pra ninguém e fui me consolidando”

. Os modos de constituição de si são processos gradativos, que se dão aos poucos e que não cessam. A abertura do professor Zé Bebelo em aventurar-se em seu próprio ser abre caminhos para a elaboração de um conhecimento de si somado ao

conhecimento fruto da relação com o outro, pois, “é absurdo ignorar a si mesmo quando se aspira a conhecer tudo o mais” (FOUCAULT, 2010c, p. 155).

A atraente promessa da rede continua a ser de um meio individual (que pode se expandir para um meio coletivo), autônomo e secreto de busca de uma vida melhor, com amigos, casos, amores ou simplesmente um espaço de fuga para dividir tristezas, decepções e sentir-se menos só em seus dilemas, experiências e confrontos cotidianos com uma ordem social que não reconhece e não abre espaço para os seus desejos (MISKOLCI, 2009b).

A rede não só abriu a possibilidade de expansão do “armário”. Ela também pôde ressignificá-lo e transformá-lo ao disponibilizar novas oportunidades e alternativas de socialização entre os diferentes sujeitos. Vivências impensáveis para as gerações anteriores à popularização da internet. Até mesmo a “solidão dos que desejam pessoas do mesmo sexo não é a mesma, já que podem compartilhá-la reconhecendo sua não excepcionalidade e diminuindo seu sofrimento” (MISKOLCI, 2009, p. 188). A rede oferece ao sujeito a oportunidade de reflexão e conhecimento de si mesmo por meio da interação com o outro, em que o ato de “conhecer-se é conhecer o verdadeiro. Conhecer o verdadeiro é liberar-se” (FOUCAULT, 2010c, p. 189). Um liberar-se que passa pela ciência de que existem múltiplas formas de se vivenciar as sexualidades que culminam numa experiência de produção de si.

5.4

“A gente acaba se ligando com aquelas pessoas que tem mais a ver

com a gente né?”

: A amizade como produção de si

Ao escutar e ler as narrativas d@s professor@s, eu pude perceber uma intensa presença do outro na constituição destes sujeitos. Porém, é possível observar que existem “outros” que se destacam por sua proximidade, cumplicidade, carinho e confiança. Pessoas com as quais @s professor@s foram estabelecendo laços de amizade durante as suas trajetórias de vida. Os trechos em que a questão da amizade vem à tona me remeteram a problematizar este conceito a partir do pensamento foucaultiano. Foucault não

realizou nenhum estudo específico sobre a amizade. Mas destacou seu interesse pela temática, ao pensar nesta relação social que se desenvolveu a partir da antiguidade, sobretudo, a greco-romana “no interior da qual os indivíduos dispõem de uma certa liberdade, de uma certa forma de escolha (limitada claramente), que lhes permitia também viver relações afetivas muito intensas” (FOUCAULT, 1982, p. 08).

Foucault nos diz que, a partir do século XVIII, há um enfraquecimento da amizade enquanto relação social ao mesmo tempo em que a homossexualidade passa a ser vista como um problema social, político e médico. Para ele,

[...] enquanto ela era socialmente aceita, não era observado que os homens mantivessem entre eles relações sexuais. Que eles fizessem amor ou que eles se abraçassem não tinha a menor importância [...]. Uma vez desaparecida a amizade enquanto relação culturalmente aceita, a questão é colocada: o que fazem, então, dois homens juntos? É neste momento que o problema apareceu (FOUCAULT, 1982, p. 09).

O filósofo francês expõe como a relação de amizade, tão valorizada na antiguidade greco-romana, passa a ser desvalorizada, sofre um encolhimento com o passar do tempo, afetada principalmente pela emergência de instituições políticas como o exército, universidades e as escolas, que poderiam ser influenciadas “[...] diante de amizades tão intensas” (FOUCAULT, 1982, p. 08), e recorrem a diversas estratégias para controlá-las e extingui-las. Foucault completa o seu pensamento, enfatizando que os princípios dessas instituições não comportariam relações de “intensidades múltiplas, de cores variáveis, dos movimentos imperceptíveis, de formas que se modificam” (FOUCAULT, 1981, p. 02), pois, tais relações instaurariam um descompasso ao falarem de amor onde só a lei e o controle poderiam existir.

A amizade está diretamente ligada aos estudos sobre a sexualidade e especificamente sobre as homossexualidades em Foucault, uma vez que ele acreditava que as vivências homossexuais proporcionavam oportunidades de “reabrir virtualidades relacionais e afetivas” (FOUCAULT, 1981, p. 04).

Foucault considera a amizade como uma forma de existência, pensando nela como uma possível atualização da estética da existência, apesar de suas

análises ficarem limitadas quase que exclusivamente às homossexualidades, fazendo referência a um “estilo de vida gay”. “Trata-se de chegar a uma nova forma de existência mediante a sexualidade. Esta forma de existência alcançável através de um certo trabalho sobre si mesmo, de uma certa ascese, tem a forma da amizade” (ORTEGA, 1999, p. 154-155).

A ascese citada acima apresenta-se como um saber do sujeito. É um investimento que o sujeito faz sobre si mesmo para a sua própria transformação ou para “aparecer esse si que, felizmente, não se alcança jamais” (FOUCAULT, 1981, p. 03). É um trabalho que consiste em desprender- se de si, um processo de subjetivação. Como a amizade, para Foucault, tem o sentido de amizade homossexual, a ascese assume a função de se chegar a uma ascese homossexual por meio das práticas de si, podendo culminar em “novas modalidades relacionais até agora “improváveis”” (FERNANDES, 2011, p. 384). Nesse sentido, a amizade em Foucault propõe a intensificação de experiências na busca de novas possibilidades relacionais, numa tentativa de fugir das identidades desejadas pelos dispositivos de controle das sexualidades.

A amizade é representada, hoje em dia, como uma possibilidade de utilizar o espaço aberto pela perda de vínculos orgânicos, de experimentar as diferentes formas de vida possíveis (ORTEGA, 1999). Falar de amizade é falar de multiplicidade, intensidade e desterritorialização. Implica uma abertura para a experienciação e para a construção de novas formas de sociabilidade e relacionamento.

Neste sentido, o professor Joca Ramiro menciona as suas experiências envolvendo a amizade durante a sua graduação em História:

A gente acaba tendo amizade com pessoas mais

No documento filipegabrielribeirofranca (páginas 125-129)