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4 “Será que eu quero isso mesmo para a minha vida?” : EXPERIÊNCIAS E CONSTITUIÇÕES DOCENTES

No documento filipegabrielribeirofranca (páginas 87-92)

Figura 9: “Diadorim II”

A formação já te chamava atenção. Como pensar a formação é difícil, mexe comigo, me faz lembrar a formação que tive. Mas tem que tomar cuidado pra não pensar a formação a partir da perspectiva dos corpos dóceis, pois também existem resistências. Ess@s professor@s mesmo que você vai pesquisar, de certa forma são resultados da resistência né? Porque assumiram uma outra postura. Talvez as ações d@s professor@s possam ser ações de fuga sem que el@s mesm@s tenham consciência disso. (Momento de orientação, dezembro de 2012).

Como ter professor@s enquanto coautor@s de uma pesquisa sem pensar em sua constituição docente? O que el@s têm a dizer sobre suas trajetórias? Quais experiências @s marcaram? Que fatos @s conduziram à carreira docente? O trecho acima faz parte de uma conversa de orientação, na qual a questão da formação docente veio à tona, foi ganhando espaço e percebi a necessidade de trazê-la para a pesquisa. Essa necessidade foi endossada por viagens que fiz na memória e me encaminharam a refletir acerca dos processos formativos que participei enquanto estudante e futuro professor de Educação Física, alguns já relatados neste texto. A viagem na minha formação me proporciona a experiência de voltar sobre mim mesmo, analisando meus modos de ser e interpretar o mundo.

Assim, a viagem exterior se enlaça com a viagem interior, com a própria formação da consciência, da sensibilidade e do caráter do viajante. A experiência formativa, em suma, está pensada a partir das formas da sensibilidade e construída como uma experiência estética (LARROSA, 2010, p. 53).

Sendo assim, quero problematizar mais especificamente a palavra formação, seus desdobramentos, seus significados e sentidos para a constituição da carreira docente. Também trago para a discussão a emergência da temática da sexualidade e as implicações de sua inserção ou não-inserção nos cursos de formação de professor@s. Em seguida trago algumas narrativas d@s professor@s homossexuais, pensando a formação docente como um processo recheado de experiências que se articulam com os percurso trilhados na vida profissional. E essas experiências dizem da constituição docente, ou melhor, da constituição de si. Portanto, nas próximas páginas, quero provocar o

desassossego de pensarmos a constituição docente como sendo parte da constituição de si mesmo.

4.1 Formação, forma-ação ou fôrma de professores?

Formação. Forma-ação. Ação de formar. Ações que formam. Colocar numa fôrma? Enformar? Reformar? Dar forma? Ações de um sobre o outro e sobre si mesmo/a. Formação docente: ação de formar um sujeito docente. De que modos formamos e nos formamos? Que formação? (CASTRO, 2013, p. 139).

Qual o significado da palavra formação? Quando estou formado? Quem está habilitado a formar? Estas perguntas se fazem presentes e me inquietam quando escuto falar em formação docente. Colocam-me a refletir sobre os caminhos e/ou descaminhos dessa trajetória. Assim, para discutir a formação de professor@s, trago o termo formação para ser problematizado. Esse termo carrega consigo alguns significados. Neste sentido:

[...] A palavra ‘formar’ esconde dentro de si ‘forma’ ou, se quisermos, o termo mais forte ainda ‘fôrma’. Nos dois casos, está a ideia de que existe um molde anterior a ser aplicado [...]. Esconde a experiência de uma cultura patriarcal, tradicional, em que as pessoas se sentem submetidas à imposição de fora (LIBANIO, 2001, p. 11).

Será que essa é realmente a concepção de formação a que estamos submetid@s? Produzid@s em série, em uma ‘fôrma’? Existem escapes, modos de resistir? Os processos formativos pautados nesta visão colocam professor@s enquanto sujeitos passivos, que não oferecem resistência, que podem ser esculpidos com saberes que muitas vezes encontram-se distantes dos desafios vivenciados no cotidiano escolar na contemporaneidade.

Desta maneira, falar em ações formativas docentes requer, primeiramente, perceber que não podemos mais associá-las a um padrão, ou de acordo com a citação acima, associá-las a ‘fôrmas’. Este processo pode ser considerado construtivo e revelador de que saberes possibilitam aos atores sociais serem protagonistas do processo formativo.

Desse modo, problematizar sobre o processo formativo de professor@s é compreendê-lo como um espaço que tem significados pertinentes e situados

em cada contexto. Sendo assim, pensar na formação de professor@s significa pensar em sua formação inicial e continuada. Pensar sobre a/na prática docente remete a refletir a partir de sua atuação no presente, na tentativa de compreender seu passado e projetar sua ação no futuro.

Mas, quando se inicia a formação docente? Será que ela inicia-se apenas a partir do ingresso em um curso de licenciatura? Tardif (2012, p. 20) lembra que:

Antes mesmo de ensinarem, os futuros professores vivem nas salas de aula e nas escolas – e, portanto, em seu futuro local de trabalho – durante aproximadamente 16 anos (ou seja, em torno de 15.000 horas). Ora, tal imersão é necessariamente formadora, pois leva os futuros professores a adquirirem crenças, representações e certezas sobre a prática do ofício de professor, bem como sobre o que é ser aluno.

Antes de começarmos a lecionar oficialmente, nós professor@s, já conhecemos bem a realidade do ensino, basead@s primordialmente por nossas vivências escolares. As experiências escolares nos atravessam e nos marcam. Constituem saberes que persistem com o passar do tempo, desafiando e estabelecendo um confronto com a formação universitária. Penso que aprendemos a sermos professor@s desde cedo, a partir do momento em que nossos corpos são colocados nas escolas de educação infantil adentramos num processo de aprendizado continuado sobre a profissão docente.

Passamos a interagir com diversos sujeitos e a participar da construção do conhecimento por meio da mediação de um/a professor/a. Ess@ professor/a carrega consigo alguns saberes que são resultado de suas experiências e se articulam na escola e com outras dimensões do ensino como a formação, a prática ao ensinar e a relação que ele estabelece entre o seu conhecimento e a sua prática. Sendo assim, o saber não é uma coisa que flutua no espaço:

O saber dos professores é o saber deles e está relacionado com a pessoa e a identidade deles, com a sua experiência de vida e com a sua história profissional, com as suas relações com os alunos em sala de aula e com os outros atores escolares na escola, etc. (TARDIF, 2012, p. 11).

Portanto, o saber não é um conteúdo fechado em si mesmo. Ele se manifesta por meio das relações entre o/a professor/a e seus alunos. O saber está longe de ser uma soma de conhecimentos,

porque desses se deve poder dizer sempre se são verdadeiros ou falsos, exatos ou não, aproximados ou definidos, contraditórios ou coerentes. Nenhuma destas distinções é pertinente para descrever o saber, que é o conjunto dos elementos (objetos, tipos de formulação, conceitos e escolhas teóricas) formado a partir de uma única e mesma positividade, no campo de uma formação discursiva unitária (FOUCAULT, 1994, citado por CASTRO, 2009, p. 394).

O saber que busca só a aquisição de conhecimentos vai perdendo o seu valor. Prefiro o risco de apostar no desencadeamento de interações que conduzam ao descaminho aquele que conhece, levando o sujeito para se aventurar “fora do reconhecível e do tranquilizador” (DELEUZE, 1992, p. 132). Guimarães Rosa (2001, p. 392) já lembrava que “mestre não é quem sempre ensina, mas quem de repente aprende”. E nesses atos de ensinar e aprender experiências vão sendo produzidas e professor@s vão se constituindo.

4.2 A constituição docente enquanto experiência

[...] formei em pergunta, ao Mestre Lucas. Ele me olhou, um tempo – era homem de tão justa regra, e de tão visível correto parecer, que não poupava ninguém: às vezes teve dia de dar em todos os meninos com a palmatória; e mesmo assim nenhum de nós não tinha raiva dele. Assim Mestre Lucas me respondeu: - “É certo. Mas o certo de tudo é que um professor de mão-cheia você dava...” E, desde o começo do segundo ano, ele me determinou de ajudar no corrido da instrução, eu explicava aos meninos menores as letras e a tabuada (ROSA, 2001, p. 156-157).

Penso nos processos de constituição docente enquanto processos que estão intimamente ligados e atravessados pelas experiências vividas pel@s docentes coautor@s desta pesquisa. Experiências que marcaram ess@s sujeitos, que dizem de suas vidas, trazem as suas relações familiares, falam da relação com o outro, narram os (des)caminhos percorridos... Nesse sentido atrevo-me a problematizar a constituição docente como sendo um processo de subjetivação e porque não dizer também de dessubjetivação. Um processo de

produção de si. Castro (2013, p. 139) ao discutir o conceito de formação, faz uma explanação nessa direção:

Formação: sinônimo de subjetivação. Subjetivação. Ação subjetiva que forma sujeitos. Sujeito-forma. Subjetividade- processo. Sujeitos por fazerem-se, em devir, subjetividades em movimento. Processos que constroem sujeitos e que são construídos na experiência do viver.

Também penso que os sujeitos são “construídos na experiência do viver” e essa minha crença toma vazão quando paro, leio, analiso e viajo pelas narrativas d@s professor@s quando el@s são convidad@s a falar das trajetórias que @s conduziram à carreira docente. Pois “é contando histórias, nossas próprias histórias, o que nos acontece e o sentido que damos ao que nos acontece, que nos damos a nós próprios uma identidade no tempo” (LARROSA, 2002b, p. 69). Parto da premissa de que a constituição do “ser” professor/a ocorre nos diferentes espaços de formação que frequentamos desde a infância. O caminho até chegar à docência do professor Hermógenes exemplifica esse processo de constituir-se professor:

Eu sou filho de servente escolar. Então eu passei além

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