• Nenhum resultado encontrado

2 A EMERGÊNCIA DA NOVA ARQUITETURA BRASILEIRA

2.7 ACONTECIMENTO 7: o pós-Brasília e os novos rumos da arquitetura brasileira

No Brasil, a necessidade de pensar o arquiteto na sua condição de urbanista é anterior à inauguração de Brasília. A questão da responsabilidade social da profissão, em que se incluía a temática do espaço urbano, já havia sido objeto de discussão no ambiente acadêmico do Rio Grande do Sul no início da década de 1950. Críticos, como o arquiteto e professor gaúcho Demétrio Ribeiro (1916-2003), denunciavam a necessidade dos jovens

profissionais conhecerem melhor as relações entre a arquitetura e a realidade do seu entorno, uma vez que a arquitetura moderna brasileira não se identificava com as aspirações da população (AMARAL, 1987).

Durante o IV Congresso Brasileiro de Arquitetos de 1954, a posição liderada pelo arquiteto alertava contra o predomínio estético e a ausência de uma visão objetiva da arquitetura brasileira. Segundo Ribeiro et al. (1956), tais aspectos conduziram à negligência de questões ligadas ao meio social e cultural, resultando em programas de interesse somente de setores específicos da população, o que tornava a produção brasileira não representativa da realidade social do país.

A década de 1960 configurou uma transição não só política e econômica no Brasil, mas uma mudança de rumos estéticos, programáticos, nas relações de trabalho e ensino da arquitetura (ZEIN, 1983a). O impacto de Brasília como acontecimento arquitetônico trouxe consigo a sensação da ausência de desafios que lhe fizessem frente. Naquele momento, na posição de ícone do modernismo, dificilmente um outro objeto arquitetônico e urbanístico produzido no país poderia ultrapassar a força imagética da nova capital, levando a que a disciplina da arquitetura fosse repensada no sentido de inserir-se na vida cotidiana do cidadão comum.

Para Zein (1983b), Brasília não significou apenas a realização dos interesses de círculos progressistas, com a espacialização dos ideários da arquitetura moderna de inspiração corbusieriana. A autora concorda que a sua construção encerrou uma etapa e impôs a necessidade dessa ser superada em sua maior contradição: ser um exemplo isolado dissociado de um programa cultural nacional, incapaz de influir no crescimento e urbanização das cidades brasileiras.

Xavier (1984, p. 42) argumenta que se “[...] o período anterior a Brasília preocupou-se com o edifício, a questão da nova capital enfatizou uma outra escala de intervenção, ampliando para a dimensão da cidade o interesse e a ação dos arquitetos.” A nova capital não foi um “ponto de chegada” do modernismo brasileiro, dado que a sua construção delineou mudanças nas

temáticas acerca da arquitetura e da cidade brasileira, com a entrada em cena de novos protagonistas. Assim, os programas conduzidos pelo grupo moderno carioca, marcados pela inserção de objetos arquitetônicos diferenciados, sofreram um processo natural de esgotamento, quando confrontados com a realidade que cercava tais construtos. O próprio Conjunto do Pedregulho, destinado a ser um paradigma de habitação urbana coletiva, foi concebido a partir da escala irradiadora da edificação.

Zein (1983b) mostra que o panorama aberto para a arquitetura brasileira nos anos 1960, partindo da visão crítica de Brasília, trouxe aos arquitetos a urgência da reforma urbana, baseada nos chamados “planos diretores” que se engajavam na política nacional desenvolvimentista do período anterior ao golpe militar de 1964. Destaca que, até a ruptura política definitiva de 1968, a maioria dos arquitetos tinha a convicção da abertura de um novo campo de trabalho que definiria o papel cultural da profissão.

O período que se seguiu ao golpe militar de 1964 teve como modelo o planejamento estatal centralizado em todas as áreas, inclusive em relação à questão urbana. Para Segawa (1999, p. 180), a política habitacional do ciclo militar “[...] resultou em dezenas de agrupamentos de construções em altura ou com desenvolvimento horizontal, isolados dos contextos urbanos aos quais deveriam se relacionar [...]”. Constata que o saldo foi a periferização oficial e compulsória de largos segmentos da população em áreas desprovidas, num primeiro momento, da infra-estrutura necessária. Zein (1983b) analisa que o papel do Banco Nacional da Habitação (BNH), instituição oficial criada em 1965, foi subjugado pela ótica financeira e pelo entendimento do problema habitacional como um “mercado” a ser conquistado, o que deslocou a atuação da instituição para os setores médios e de alta renda da população.

No pós-Brasília, diversos fatores contribuíram para o esvaziamento da liderança que os egressos da ENBA exerceram sobre a arquitetura brasileira nas décadas anteriores. O fim da ordem democrática levou ao exterior Oscar Niemeyer, e os seus trabalhos fora do Brasil caracterizaram-se pelo arrojo das soluções estruturais, como forma de mostrar ao mundo a capacitação técnica

brasileira, mesmo que realizadas por meios não locais. As mortes de Affonso Eduardo Reidy (1964) e do próprio Le Corbusier (1965) também influenciaram o esgotamento desse ciclo. Com a repercussão de Brasília, Lucio Costa dedicou-se a projetos de urbanismo, com destaque para o plano piloto da Barra da Tijuca e Jacarepaguá (1969), no Rio de Janeiro, que orientaram a ocupação daquelas áreas da capital fluminense. A transferência da capital e a consolidação de São Paulo como o principal centro financeiro do país foram outros fatores que reordenaram o mapa da arquitetura brasileira.

Como outra contradição, Brasília representou, para a geração de arquitetos dos anos 1960, o rompimento com o predomínio da arquitetura de Oscar Niemeyer. Essa ascendência tinha sido multiplicada pela leitura superficial e descontextualizada de sua opção pelas formas livres, numa contrafação que gerou um novo repertório de signos para o modernismo brasileiro. Segundo Xavier (1984, p. 48), a produção de Niemeyer passou a ser encarada “como um modelo particular, obra para ser apreciada como fruto de circunstâncias – inclusive pessoais -, excepcional, excepcionalíssimas (sic) e não mais como um modelo capaz de desdobramentos eficientes [...]”. Conclusão similar depreende-se da afirmação explícita de Lucio Costa sobre a influência do grupo carioca e, principalmente, de Oscar Niemeyer: “Assim com a morte de Le Corbusier foi um alívio para todo o mundo, o fato de Brasília ter sido construída foi um alívio para todos os arquitetos que finalmente se livraram daquele pesadelo, daquela arquitetura que vinha desde 1936 até Brasília.” (COSTA, 1979, p.16).

A trajetória de João Batista Vilanova Artigas simbolizou toda uma corrente da arquitetura paulista através da inalienação com que o seu rigor estético próprio manteve indissociáveis a forma e os seus elementos tectônicos constitutivos. Se no período que antecede a Brasília as obras do arquiteto e professor da Universidade de São Paulo restringiram-se a um conjunto de residências construídas na capital paulista10, no pós-Brasília a sua produção

10 As primeiras obras da produção residencial de Vilanova Artigas tiveram uma nítida inspiração nas

contemplou projetos com um progressivo envolvimento urbano (XAVIER, 1984).

Conforme Segawa (1999), Artigas procurou demonstrar a tese de que a responsabilidade social do arquiteto tinha no conceito de projeto um instrumento de emancipação política e ideológica. Com a importância cada vez maior das artes no quadro social, o conteúdo semântico da palavra desenho desvendava o que essa continha do trabalho humano acrisolado ao longo do seu fazer histórico, constituindo-se tanto numa linguagem quanto numa forma de conhecimento proveniente da atividade artística (ARTIGAS, 1997). A clareza e a força ideológica referenciadas nos conceitos de projeto e desenho, como bases para se influir no modo de vida das pessoas, e, também, a autocrítica de Niemeyer (1958)11, da qual se tornou tributário o caráter da arquitetura paulista de estrutura como arquitetura, são elementos importantes no entendimento da produção de São Paulo nas décadas de 1960 e 1970 (SEGAWA, 1999). O Prêmio Pritzker concedido a Paulo Mendes da Rocha em 2006 foi um reconhecimento tardio desses novos rumos da arquitetura brasileira, em que a fluidez escultórica da forma foi substituída por um programa de apropriação precisa do espaço como locus da experiência vivida.

Novos núcleos arquitetônicos desenvolveram-se pelo Brasil. A tentativa de caracterizá-los como uma arquitetura regional remete às relações centro- periferia que tanto marcaram a internacionalização do movimento moderno. Como exemplo, Severiano Porto realizou uma obra de forte adequação às particularidades geoclimáticas do território brasileiro, antecipando o debate sobre a produção sustentável na arquitetura e, mesmo assim, foi indevidamente considerado um arquiteto “amazônico”. Se no Rio Grande do Sul os exemplares construídos de sua arquitetura não obtiveram uma maior percepção nacional, a questão urbana recebeu uma contribuição significativa do ambiente acadêmico gaúcho. Enquanto integrante desse ambiente, Comas (2002) avalia negativamente a utilização dos planos diretores como

11 No depoimento à revista Módulo, o arquiteto reconheceu que havia aceitado “trabalhos em demasia,

executando-os às pressas [...]”, o que o levou “por vezes a descuidar de certos problemas e a adotar uma tendência excessiva para a originalidade [...]” (NIEMEYER, 1958, p. 3).

instrumentos de reprodução do ideário de Brasília. Nesse “espalhamento” da arquitetura brasileira, deve ser mencionado, também, o surgimento em Minas Gerais, na década de 1970, de um grupo de arquitetos com um trabalho vigoroso na cena local, com destaque para Éolo Maia, Maria Josefina de Vasconcellos, Sylvio Emrich de Podestá, Gustavo Penna, José Eduardo Ferolla, Álvaro Hardy (1942-2005), entre outros.

FIGURA 1 - Casa da Rua Santa Cruz (São Paulo-SP) Fonte: SEGAWA, 1999, p. 45.

FIGURA 2 - Casa da Rua Bahia (São Paulo-SP) Fonte: SEGAWA, 1999, p.47.

FIGURA 3 - Residencial Gamboa (Rio de Janeiro-RJ) Fonte: COSTA, 1997, p. 74.

FIGURA 4 – Projeto de Vila Operária em João Monlevade-MG Fonte: COSTA, 1997, p. 98.

FIGURA 5 - Associação Brasileira de Imprensa (Rio de Janeiro-RJ) Fonte: PIONEIROS... 2004, p. A6.

FIGURA 6 – Aeroporto Santos Dumont (Rio de Janeiro-RJ) Fonte: PIONEIROS... 2004, p. A6.

FIGURA 7 – Instituto de Resseguros do Brasil (Rio de Janeiro-RJ) Fonte: PIONEIROS... 2004, p. A6.

FIGURA 8 – Edifício Seguradoras (Rio de Janeiro-RJ) Fonte: PIONEIROS... 2004, p. A7.

Figura 9 – Ministério da Educação e Saúde (Rio de Janeiro-RJ) Fonte: COSTA, 1997, p. 127.

FIGURA 10 – Ministério da Fazenda (Rio de Janeiro-RJ) Fonte: CAVALCANTI, 2006, p. 75.

FIGURA 11 – Ministério do Trabalho (Rio de Janeiro-RJ) Fonte: CAVALCANT, 2006, p. 92.

FIGURA 12 – Croquis do Ministério da Educação e Saúde Fonte: COSTA, 1997, p. 123.

FIGURA 13 – Pavilhão Brasileiro na Feira de Nova Iorque Fonte: UNDERWOOD, 2003, p. 51

FIGURA 14 – Grande Hotel de Ouro Preto-MG Fonte: CAVALCANTI, 2006, p. 109

FIGURA 15 – Palácio Episcopal de Mariana-MG Fonte: PODESTÁ, 2000, p. 84.

FIGURA 16 – Museu de Arte da Pampulha (Belo Horizonte-MG) Fonte: UNDERWOOD, 2003, p. 57.

FIGURA 17 – Casa do Baile (Belo Horizonte-MG) Fonte: UNDERWOOD, 2003, p. 65.

FIGURA 18 – Iate Clube da Pampulha (Belo Horizonte-MG) Fonte: UNDERWOOD, 2003, p. 63.

FIGURA 19 – Igreja de São Francisco (Belo Horizonte-MG) Fonte: CAVALCANTI, 2006, p. 201.

FIGURA 20 – Conjunto do Pedregulho (Rio de Janeiro-RJ) Fonte: CAVALCANTI, 2006, p. 142.

FIGURA 21 – Casa de Vidro (São Paulo-SP) Fonte: BARDI, 1999, não paginado.

FIGURA 22 – Museu de Arte Moderna (Rio de Janeiro-RJ) Fonte: BONDUKI, 2000, p. 181.

FIGURA 23 – Park Hotel São Clemente (Nova Friburgo-RJ) Fonte: Costa, 1997, p. 216.

FIGURA 24 – Parque Guinle (Rio de Janeiro-RJ) Fonte: COSTA, 1997, p. 208.

FIGURA 25 – Esplanada dos Ministérios (Brasíla-DF) Fonte: UNDERWOOD, 2003, p. 83.

FIGURA 26 – Palácio da Alvorada (Brasília-DF) Fonte: UNDERWOOD, 2003, p. 86.

FIGURA 27 – Palácio do Planalto (Brasília-DF) Fonte: UNDERWOOD, 2003, p. 93.

FIGURA 28 – Congresso Nacional (Brasília-DF) Fonte: UNDERWOOD, 2003, p. 84.

3 A EXPERIÊNCIA DO SUJEITO ATRAVESSADO PELA