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METODOLÓGICO

2.2 DOS FATOS HISTÓRICOS À NARRATIVA

3- ACONTECIMENTOS E METODOLOGIA: EM DEFESA DE UMA NARRATIVA VERDADEIRAMENTE FACTUAL

A apresentação dos acontecimentos e a subseqüente caracterização dos componentes de método feitas nos espaços antecedentes deste capítulo constituem-se como o ponto de partida necessário para a realização do objetivo central desta seção: o reforço dos fatores de articulação existentes entre eles- eventos e método- e a identificação do tipo de narrativa histórica para a qual a elaboração metodológica aqui realizada se destina.

Em primeiro lugar, a nomenclatura “apresentação dos acontecimentos”, aqui adotada,encerra uma profunda inadequação. Em que pesem os esforços feitos no sentido de restringir ao máximo o conjunto das considerações desenvolvidas na primeira seção deste Capítulo, existe uma grande dificuldade- impossibilidade mesmo- de arrolar acontecimentos nus, isto é, sem, simultaneamente, operar, mesmo que preliminarmente, alguma forma de construção de fatos e, também, de produção de narrativa histórica.

Ciente dessa condição inapelável, procurei limitar ao mínimo que me foi possível essa dimensão construtiva/ produtiva/ narrativa, embora sabendo que mesmo a escolha de um critério de seleção e os próprios acontecimentos destacados já se revestem, ainda que preliminarmente,- e é inevitável sê-lo assim- de um conteúdo interpretativo. A própria listagem de eventos, por mais seca que seja, tem, sem dúvida alguma, uma dose de teor narrativo.

A prevenção possível contra um procedimento inadequadamente- por excesso- ideologizado, nesse caso, esteve no cuidado em buscar, o tempo todo, recorrer- e me certificar, tanto quanto possível, de sua veracidade- aos elementos oriundos da

empiria. Por outro lado, é impossível negar a persistência de um certo grau de arbitrariedade; no entanto, este tem, como limitante, o próprio referencial epistemológico-teórico-metodológico assumido.

Isso posto, ainda no que diz respeito aos eventos, gostaria de salientar que, ao meu ver, fica evidente que, pelo menos, para o tema e para a duração em foco, ações de cunho normativo constituem acontecimentos. Tal constatação, nesse caso, indica que, se a história política não deve prevalecer sobre os demais recortes historiográficos, ela é indispensável, em seus feitos e articulações, como ingrediente de uma escrita histórica que se pretenda abrangente. Penso, ainda, em primeira aproximação, que isso seja, também, verdadeiro para uma diversidade maior de problemas históricos a serem investigados, embora considere necessária a confirmação empírica da validade mais geral dessa afirmativa.

Com relação à metodologia, em termos da construção do fato histórico a partir do acontecimento, gostaria de ressaltar, tendo em vista os elos que, a partir dela, se estabelecem, a concepção de objetividade anteriormente apresentada (item 2.1). Ao caracterizá-la com base nos integrantes constitutivos- atributos, relações e peso hierárquico social- das identidades dos sujeitos históricos em presença, num recorte temporal dado, com vistas a possibilitar a produção de sínteses, longe de buscar legitimar e, por conseguinte, perpetuar o contexto observado, mais do que tudo, está a intenção de alcançar a percepção precisa, indispensável, do solo a partir do qual, caso se pretenda, ir-se-á alçar o vôo para a transformação, visando assegurar, desse modo, a possibilidade histórica de empreendê-lo. Lembremo-nos que estamos lidando com história de tempo presente/ recente.

No que tange à narrativa, ainda que uma justificativa razoavelmente minuciosa para tal seja apresentada nas Considerações Finais deste estudo, gostaria de

chamar a atenção- qualquer leitor menos desatento já deve ter percebido e poderá estar se indagando a respeito dos motivos- para a completa ausência, aqui, de narrativas históricas sobre a temática e o período focalizados, escritas por mim ou- compiladas, em parte ou integralmente- por quaisquer outros autores. Neste momento, gostaria apenas de dizer que essa ausência não é casual mas de caso pensado.

Finalmente, tendo em mente agora o processo de produção da narrativa histórica- delimitado como aquele no qual se dá a confecção de uma trama que confere sentidos articulados aos fatos construídos a partir dos acontecimentos- e em sintonia com os vários eixos previamente mencionados (item 2.2 deste capítulo), gostaria de destacar mais outros dois fios condutores cujos desenvolvimentos me parecem essenciais.

Um deles, que atravessa todo o período proposto para ser investigado, é a gradativa evolução da razão público/ privado, no que tange ao número de matrículas na Educação Superior, mesmo levando em conta a expansão havida no número de vagas de ambas as redes. O resultado do processo ocorrido, que expressa bem mais que uma simples inversão, fazendo com que o valor dessa razão em meados da década de 60, 3/2, passasse , ao final da duração focalizada, em 2002, a 1/3, leva-nos a uma conclusão inevitável: a drástica (dramática?) intensidade da privatização da educação superior brasileira nesse intervalo.

O outro, ainda que um pouco diferente, principalmente pelo fato de ter sua ocorrência (1988-1996), praticamente, concentrada num dos sub-intervalos, é a própria tramitação da LDB atual. Em que pese o fato de que, no embate então travado, o objeto da disputa supere, abrangendo-a, a questão da Educação Superior, penso que o próprio andamento do processo- em suas marchas e

contramarchas e na peculiaridade de cada um dos seus distintos momentos-, ao ser interpretado, poderá constituir-se em uma das linhas-mestras da trama a ser tecida na produção da narrativa que se busca escrever.

Para concluir, como já antecipado, julgo ser indispensável reafirmar e defender o modo historiográfico para o qual pressuponho ser destinado o construto metodológico aqui exibido.

Como já caracterizado ao longo deste capítulo, insistentemente,aliás, buscou- se criar o suporte instrumental que permita forjar uma narrativa que articule, pela explicação apresentada, fatos erguidos a partir dos acontecimentos, a base empírica primeira do trabalho do historiador. Tendo-se essa caracterização em mente e, também, não querendo deixar passar a oportunidade de um necessário contraponto- que, num primeiro momento, pode parecer estar localizado no nível do jogo de palavras, embora pense não ser esse o caso-, considero ser adequada a essa escrita a designação de História verdadeiramente factual. Para ela, os fatos, construídos, desempenham o papel de nós, condensadores do fluxo interpretativo pelo qual ela navega. E sua peculiaridade como História, nos termos aqui defendidos, anteriormente (item 2.2), estará assegurada pela razão de que esses mencionados nós têm, como ingredientes instituintes, os eventos. Ainda mais, no caso do problema histórico aqui focalizado, cabe reforçar,ainda, a íntima articulação, que se torna necessário registrar na própria produção da escrita, entre a medida da temporalidade envolvida, a dos eventos, e o fundamento de elaboração do conhecimento mais imediatamente perceptível nas construções do fato e da narrativa, o metodológico. Ou seja, em conjunto com o que foi delimitado nos capítulos anteriores, deixar evidente a parceria entre tempo e conhecimento, na diversidade possível de abrangências, quando se busca formular a narrativa

histórica correspondente: uma história de tempo recente/ presente da Educação Superior Brasileira.

Desse modo, ela se diferencia, visceralmente, daquela que recebe de modo costumeiro o adágio de História factual- uma narrativa na qual, de forma imprecisa, é assumida a identidade entre acontecimento e fato41, em oposição à forma pela qual acontecimentos e fatos, conceitos históricos distintos, se relacionam na perspectiva aqui apontada. Além disso, em termos do critério de verdade/ objetividade adotado por cada uma delas, na História factual costumeira, ele decorre de um procedimento de escrita linear e cronológico que, ao buscar naturalizar o percurso feito, escamoteia sua dimensão de construção. A História verdadeiramente factual, aqui proposta, não: estruturada por uma trama temporalmente dimensionada, ela exibe, sem subterfúgios, aquela característica. Por essas razões, é praticamente impossível não perceber o distanciamento entre elas.

41

A denominação História factual é mais corriqueiramente empregada no Brasil, quando se faz referência a esse tipo de procedimento narrativo; em Portugal, a expressão correspondente utilizada com maior freqüência é História acontecimental, mais fiel, ao meu ver, ao original francês, “Histoire

evénnemental” (evénnèment= evento, acontecimento), que ambas pretendem traduzir, cada uma em

seu espaço de uso. Para a escrita histórica defendida neste trabalho, por todas as razões já apresentadas, a designação adequada é, efetivamente, dada pelo termo factual.

4- REFERÊNCIAS