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A CONTEMPORANEIDADE COMO CONJUNTURA: O SUPORTE TEÓRICO

2.3 PROSPECÇÃO DE POSSIBILIDADES: A ATUALIZAÇÃO DO CONHECIMENTO COMO INTERVENÇÃO SOCIAL

A atribuição de capacidade de previsão à ciência é derivada de uma concepção determinista de conhecimento, que, por sua vez, filia-se à uma perspectiva filosófica positivista (cf GIANNOTTI: 1996). Particularmente no caso da História, poucas atribuições revelaram-se tão inadequadas quanto essa.

chamada de ciência arrogante. A diferença fundamental entre elas, na minha percepção, é que a primeira valoriza a vivência, a experiência, enquanto a segunda a menospreza.

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Ainda que lugar-comum nos discursos referentes às instituições de educação superior, penso que nunca é demasiado explicitar as naturezas e especificidades das atividades cuja indissociabilidade se está propondo como característica institucional na educação superior. Ao ensino, vincula-se o processo de transmissão de conteúdos e instrumentais integrados ao saber acumulado pela espécie, numa perspectiva de formação profissional especializada e altamente qualificada; à pesquisa, aquele referente à produção do conhecimento novo para a superação dos pontos de estrangulamento identificados no já citado saber acumulado; à extensão, associa-se a materialização de uma via de mão dupla entre a instituição e seu entorno social, na qual a primeira realiza uma socialização ampla do saber acumulado e do novo e o último apresenta, em suas demandas oriundas da realidade de suas carências- peculiares mas não únicas-, aspectos do conhecimento que necessitam uma reelaboração, contribuindo, assim, para a formulação de uma pauta para o ensino e para a pesquisa.

No entanto, mesmo numa outra perspectiva, como a aqui assimilada, que valoriza, no conhecimento histórico, suas dimensões de representação e produção do real, dialeticamente inseparáveis, e, no agente de sua construção, sua vertente de sujeito social, é pertinente interrogar esse conhecimento elaborado, no sentido de avaliar suas possibilidades de anunciar- e, no caso do historiador, no de delimitar sua disponibilidade em comprometer-se com esforços para a concretização de- prospecções consistentes para o futuro.

Como aponta Josep Fontana (FONTANA:1998), em sua crítica a essa prática de produção do conhecimento histórico, a, por assim dizer, função social que tem sido desempenhada por esse conhecimento, ao longo dos tempos, por seus nexos com o momento de sua produção, é a de constituir-se como uma parte da resposta predominante à referida interrogação, aquela que diz respeito ao (seu) presente:

“Toda visão global da história constitui uma genealogia do presente. Seleciona e ordena os fatos do passado de forma que conduzam em sua seqüência até dar conta da configuração do presente, quase sempre com o fim, consciente ou não, de justificá-la. Assim o historiador nos mostra uma sucessão ordenada de acontecimentos que vão encadeando-se até dar como resultado ‘natural’ a realidade social em que vive e trabalha, enquanto que os obstáculos que se opuseram a essa evolução nos são apresentados como regressivos, e as alternativas a ela, como utópicas. Apresenta-se como uma averiguação objetiva do curso que vai do passado ao presente, o que antes de tudo é, um partir da ordem atual das coisas para rastrear no passado as suas origens, isolando a linha da evolução que conduz às realidades atuais, transformando em uma manifestação de progresso, com fins legitimadores.” (p. 9).

No que tange ao futuro, não é muito difícil perceber que os historiadores adeptos dessa tendência preponderante, de relacionar passado e presente por intermédio da construção de uma direção única, buscarão articulá-lo ao presente num viés de continuidade, conservador e, também, unicista. Mais ainda, nessa visão, é plenamente consistente a proposição de um fim da história, de uma ausência de futuros, no plural, a serem explorados.

Outro percurso, de caráter divergente, ou mesmo antagônico, ao anterior, deverá ser tomado por aqueles historiadores que queiram considerar, entres as possibilidades (múltiplas) de configuração para o futuro, a reversão das características predominantes do presente.

Caber-lhes-á investigar no passado, e mesmo no presente, aquilo que, tratado pela tendência preponderante como- nas palavras de Fontana- regressões e/ou utopias, pode representar, na qualidade de sinais deixados por sujeitos históricos não dominantes, uma latência de quadros históricos com atributos diferenciados dos encontrados nas constelações que prevaleceram. Ou seja, como expresso pelo poeta espanhol Antonio Machado, também citado por Josep Fontana, “examinar o passado para...encontrar nele um acúmulo de esperanças, nem alcançadas nem falidas, isto é, um futuro.” (p. 276).

Ou, ainda, dito de outra forma, articular de modo orgânico o que é atualmente possível ao que seja- perdão pelo jogo de palavras- possivelmente atual, a partir de uma garimpagem dentre os elementos constitutivos do acervo de experiências acumulado pela espécie humana, como um todo, ao longo dos tempos, no sentido de favorecer a emergência do novo, a liberação de forças sociais emancipatórias e igualitárias.

Desse modo, se a previsão (no caso, uma narrativa histórica do futuro) não é ato científico do conhecimento, nem por isso a prospecção está interditada ao historiador, como expressão, assentada em dados de uma empiria que tem como base os vestígios coletados no passado-presente, do esforço de criação (atualização/ revitalização?) de vontade coletiva. Prospecção, assim entendida, e não na perspectiva mais usual que a superpõe à previsão, é construção de possibilidades históricas, o que assegura legitimidade epistemológica, teórica e

metodológica ao vínculo entre produção de conhecimento e projeto de intervenção social. Projeto, aqui, tomado não numa acepção determinista, grandiloqüente e/ou totalitária mas como perspectiva claramente delimitada, norteadora da ação.

Nessa trajetória, um cuidado adicional deve ser observado: uma atenta vigilância do investigador com o propósito de não permitir que a ideologia extrapole seu papel nesse processo; delinear, sem desconhecer o real, táticas, estratégias e objetivos, sim, mas, em hipótese alguma, desnaturar, irremediavelmente, a autonomia do conhecimento produzido. Construir e favorecer, a partir de elementos empíricos, possibilidades históricas, sim; inventá-las, tendo como suporte, apenas, a vontade de poder, nunca.

Para finalizar minhas reflexões sobre essa temática, recorro, uma vez mais, por sua, ao meu ver, irretocável correção e, também- por que não?- por sua luminosa beleza, às palavras de Josep Fontana:

“Porque nunca é o fim da história, somente que sempre nos encontramos no fim de uma história e no começo de outra ou de outras cujo curso não podemos predizer com nenhum método, por refinado e científico que seja, não só pela complexidade da previsão, como também porque a trajetória do porvir dependerá do que entre todos nós queiramos e saibamos fazer. Esse caráter imprevisível do futuro tem sido, como já disse, a origem de boa parte do nosso desânimo e do nosso desconserto. Não deve ser assim, mas sim que temos que aprender a construir com ele uma esperança que nos anime, neste tempo em que se generalizou uma nova série de profecias, negativas e sombrias, com o objetivo de recobrar a confiança em que, como disse um poeta da minha terra, ‘tudo está por fazer e tudo é possível’.” (pp. 279-280).

2.4- O TEMPO CONTEMPORÂNEO: CONCEPÇÃO, DESDOBRAMENTOS E