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A CONTEMPORANEIDADE COMO CONJUNTURA: O SUPORTE TEÓRICO

2.2 CLASSE: A ATUALIZAÇÃO DA DINÂMICA SOCIAL ESCOLA, SABER ERUDITO E SENSO COMUM

Penso, tendo em vista o campo de idéias em que está inscrita a argumentação desenvolvida e manuseada ao longo deste estudo, que a proposição de utilizar o conceito (posteriormente, como será possível verificar, pretendo comentar o fato de considerar inadequado empregar o termo categoria, neste caso específico) de classe social como uma das chaves para a compreensão da sociedade contemporânea e para a interpretação do conjunto das idéias- como um todo e em

cada uma das suas componentes- que nela se fazem presentes, está longe de ser inesperada. Mais ainda, das referências aqui feitas à(s) classe(s), até agora, acredito ser possível caracterizar a concepção por mim assumida e o papel, em sentido amplo, que lhe(s) atribuo no processo de produção do conhecimento histórico. O trecho a seguir, tem por finalidade melhor fundamentar e sistematizar essas referências, buscando clarificar o ponto de vista adotado sobre essa questão, neste trabalho.

Dos elementos integrantes da referida concepção, penso que os mais importantes a serem ressaltados- e que, como anunciado acima, provocam a necessidade de problematizar a designação de “categoria”17 aplicada à classe social- são: a sua natureza de ente histórico concreto- capaz de articular, em seu âmbito, acontecimentos que, num primeiro olhar, sequer parecem correlacionados; sua dupla dimensão materialista-idealista- abrangendo, portanto, simultaneamente, experiência e consciência, que, nessa perspectiva, mantêm uma relação dialética e não determinista; e, por fim, mas não menos importante, seu teor relacional, dinâmico- que estabelece a inadequação de perceber as classes como coisas imutáveis, numa visão reificadora e esclerosante.

Isso posto, é fácil perceber que a matriz assimilada e defendida neste trabalho encontra-se nas idéias de Edward P. Thompson sobre classe social, apresentadas no Prefácio de A formação da classe operária inglesa (THOMPSON: 1987). Além disso, pelas próprias mudanças que vêm ocorrendo recentemente, já comentadas, impõe-se a necessidade de, ao empregar essa concepção de “classe como processo”, na análise da sociedade contemporânea, permanecer atento no sentido de perceber seu estágio atual, a partir do reconhecimento do processo de

complexificação que a configuração concreta das classes tem atravessado, também já citado anteriormente (cf ANTUNES: 2000).

Acredito que esses próprios elementos apontados como sendo os que instituem a concepção de classe assimilada por este trabalho, são, por si mesmos, capazes de evidenciar o porquê de empregar as classes como vetores para a compreensão da dinâmica da sociedade contemporânea e das idéias- nelas incluídas as diferentes (ou mesmo antagônicas) proposições para os rumos da educação superior- que circulam no seu âmbito.

As classes são, cada uma delas, ao mesmo tempo, sociológica e historicamente, sujeito coletivo e fenômeno resultante da agregação de sujeitos individuais. Seja no exercício de sua ação concreta no âmbito das relações sociais, seja na construção e na implementação (quando, como e tanto quanto possível) de sua percepção da sociedade, vertentes indissociáveis de sua efetivação, elas atuam, incessantemente, no sentido de produzir sua compreensão e, portanto, sua visão tático-estratégica sobre as questões referidas. Cabe, pois, ao historiador, interrogá- las e, a partir das respostas obtidas, propor, consistentemente, os sentidos de sua narrativa sobre esses aspectos.

No que diz respeito à complexificação contemporânea das classes, anteriormente mencionada, gostaria,aqui, de destacar, no caso daqueles que vivem da venda de sua força de trabalho, a enorme diversidade, introduzida na atualidade, dos integrantes desse conjunto, tendo em vista a multiplicidade, em termos dos variados aspectos que os caracterizam, dos processos de trabalho em vigência nos dias de hoje. É importante assinalar que tal diversidade, como já referido antes, é lida por alguns como fator de geração do esgotamento do significado histórico-

17

Na rejeição em designar classe como categoria, um elemento decisivo é a dimensão estática , a- histórica e de engessamento contida, ao meu ver, nessa denominação, para este caso específico,

sociológico da categoria classe- nessa perspectiva, faz, de fato, sentido tomá-la como tal (veja Nota 17), salientando-se, nessa visão, sua impermeabilidade aos esforços para sua atualização-, sendo necessários seu abandono e sua substituição por outro instrumento analítico.18

De todo modo, na vertente de trabalho aqui assumida, considera-se que um primeiro desdobramento desse fato, no que diz respeito ao conhecimento, pode ser percebido na própria configuração presente exibida pelo senso comum. Conforme descrição anteriormente feita (veja a última seção do capítulo precedente) de seu conteúdo, ele é formulado pelos subalternos- que, nos dias de hoje, apesar de dotados de menor grau de homogeneidade, persistem e ampliam-se numericamente, abrangendo, inclusive, aqueles que sequer conseguem integrar-se a qualquer relação mais formal ou permanente de assalariamento, que representam uma parcela cada vez maior da espécie humana. Desse modo, tendo como condicionante o mencionado processo recente de heterogeneização dos subalternos, o referido conteúdo do senso comum adquire um maior grau de complexidade, ao congregar um espectro mais amplo e diversificado de elaboradores, sem, contudo, desnaturar- se completamente em sua natureza conflituosa: infiltrada pela ideologia dos dominantes, em sua vertente de submissão; portadora da ideologia dos dominados, ainda que em estágio embrionário, na vertente de resistência.

que se contrapõe a uma visão processual, dinâmica.

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André Gorz (GORZ: 1980, pp. 91-103), ao caracterizar a sociedade contemporânea como pós- industrial, associa às modificações e à diversificação de formas de realização introduzidas no trabalho uma crise do socialismo “científico” (sic) pela desnaturação do potencial transformador (revolucionário) da classe trabalhadora, designação que, a seu ver, deixa de fazer sentido. Na obra citada, Gorz refere-se á abolição do trabalho no mundo atual e à dissolução das classes dela decorrente, valorizando, acentuadamente- exageradamente, acredito-, a dimensão individual no processo de mudança social. Esses indivíduos, cada um com suas potencialidades próprias de alteração do “status quo”, encontram-se aglutinados, socialmente, na “não-classe dos não- produtores...(tendo em vista que) ela, encarna, neste momento histórico, o salto para além do produtivismo, a rejeição à ética da acumulação e a dissolução de todas as classes.” (pp. 102-103, tradução livre minha).

É tomando essa percepção como um dos alicerces para suas reflexões que Boaventura de Sousa Santos (SANTOS: 1989) anuncia o patamar das relações entre ciência (saber erudito) e senso comum, que considera adequado às exigências dos tempos atuais, na perspectiva de uma ação emancipatória, visando uma efetiva generalização do conhecimento.

Ressaltando no senso comum atributos que o aproximam da mentalidade, “uma vocação solidarista e transclassista” (p. 37) mas, de todo modo, valorizando seus vínculos de classe ao registrar a evidência de que “contém sentidos de resistência” (ibid.), Sousa Santos demanda da ciência, por intermédio de seus produtores, os intelectuais, em seu processo de trabalho, um movimento de ruptura e, posteriormente, outro de reencontro com o senso comum, caracterizando-se, desse modo, um duplo corte epistemológico que, por sua natureza, expressa uma percepção dialética da relação entre ambos19. A ciência, em suas maior autonomia relativa e superioridade epistemológica, ao superá-lo, simultaneamente, negaria e incorporaria o senso comum. Este, ao ser posto em contato com um novo saber sistematizado, renovar-se-ia e, sem perder seus nexos de origem, tornar-se-ia um conhecimento melhor, nos termos da sua autonomia, já referidos anteriormente, que o senso comum precedente. Desse modo, seria possível operar sobre o senso comum, no sentido, já antecipado por Antonio Gramsci (GRAMSCI: 1982 e 1984), de que ele avançasse e alcançasse, em termos de seu conteúdo, a textura de bom- senso.

Do meu ponto de vista, no que tange ao aspecto institucional, penso que os espaços sociais adequados à materialização desse patamar, nas relações entre

19 Essa ciência, produzida a partir da sistemática descrita, que efetua o duplo corte epistemológico,

Souza Santos caracteriza como prudente, numa crítica e em oposição a uma outra, que renega o senso comum, ao deixar de realizar o segundo corte, e é agenciada pela razão instrumental, por ele

ciência e senso comum, em seus processo e propósitos, serão aqueles que possam viabilizar um fluxo de duplo sentido, com o máximo grau possível de simetria (equilíbrio) na valoração hierárquica de cada um deles, entre a sociedade, de um modo geral- em sua composição multifacetada e não apenas contemplando os setores que expressam as idéias que nela detêm a hegemonia-, e os que têm por ofício a produção do conhecimento. Ou seja, aqueles espaços existentes, ainda que em caráter minoritário, nas instituições de ensino superior, que tenham como princípios estruturantes a democracia, a autonomia e a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.20

2.3- PROSPECÇÃO DE POSSIBILIDADES: A ATUALIZAÇÃO DO