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Acumulação de capital

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3 PROCESSO DE TRABALHO E BASE TÉCNICA: SUPERIORIDADE DE

3.1 O PROCESSO DE TRABALHO E A INFLEXÃO DA BASE TÉCNICA SEGUNDO

3.1.1 Acumulação de capital

Entendendo primeiramente o processo de acumulação, é fundamental notar como ele é colocado em movimento pela exploração do trabalho. O próprio Marx estabelece uma conexão entre a extração do mais-valor e o aumento da produtividade com a reprodução ampliada13 (a renovação crescente do capital). A determinação básica do processo de acumulação é justamente essa transformação de parte do mais-valor extraído em capital somando-se ao capital já empregado. A repetição contínua desse processo leva ao crescimento do capital e a outros processos como a centralização e a concentração (MARX, 2013). O que caracteriza a reprodução ampliada é o aporte de parte do mais-valor realizado em materiais, meios de

13 A reprodução simples é entendida como a reaplicação da mesma quantidade de capital ao processo de

valorização repetidamente. A reprodução ampliada é quando para do mais-valor extraído é adicionado àquele capital investido sucessivamente

produção ou matéria-prima (capital constante) ou força de trabalho (capital variável). É fundamental considerar que a composição do capital se dá pela “proporção em que o capital se reparte em capital constante ou valor dos meios de produção e capital variável ou valor da força de trabalho, a soma total dos salários” (MARX, 2013, p. 689)14. Pode-se entender que a acumulação de capital se desenvolve tanto pelo aumento dos investimentos totais em capital, que se expressa pelo aumento quantitativo simples, quanto pela qualidade desse investimento (maior parte destinada aos meios de produção em detrimento do capital variável). Aumenta-se a composição de capital com a inversão de uma parte cada vez maior do mais-valor extraído. Isto não significa, contudo, que o aumento do mais-valor corresponde ao aumento da composição orgânica (eles podem ser contraditórios, inclusive se o mais-valor extraído não for investido). De modo que a acumulação se reproduz com o aumento da massa de capital e à medida em que a proporção de capital constante é maior que a de capital variável, investindo- se mais em meios de produção do que em força de trabalho. Isto é impulsionado por forças como a própria concorrência entre capitais e o impulso da necessidade de aumento de produtividade (que sob uma base técnica limitada, é restringida), ou mesmo a redução de custos com salários, como lembrou Albuquerque (1990)15. A diferenciação da composição orgânica para a composição técnica é fundamental pois, seguindo o alerta de Albuquerque, uma vez que a composição orgânica exprime uma relação de valor, ela exprime também uma relação menor que a composição técnica, pois o capital constante se desvaloriza com o tempo. Dessa forma, a composição técnica é maior que a composição orgânica, contudo, um crescimento na composição técnica é refletido por um crescimento também na composição orgânica. Se há um aporte de novos meios de produção há, portanto, uma valorização do capital constante. Seja como for, mesmo não havendo grande aumento de meios de produção, um aumento no capital variável sempre implica aumento no capital constante, mas este não se representa somente em capital fixo, por exemplo: “todo gasto adicional de trabalho pressupõe o correspondente gasto adicional de matérias-primas, mas não necessariamente de meios de trabalho” (MARX, 2013, p. 679). Mais detalhadamente, diz que:

com a divisão manufatureira do trabalho e o emprego da maquinaria, mais matéria- prima é processada no mesmo espaço de tempo e, portanto, uma massa maior de matéria-prima e de matérias auxiliares ingressa no processo de trabalho. Essa é a

14 Esta relação também pode ser expressa em termos quantitativos: o número de máquinas e o número de

trabalhadores ocupados, ao que Marx dá o nome de composição técnica do capital

15 As relações que denotam o mais-valor e a composição orgânica indicam que em geral o aumento do mais-valor

significa o rebaixamento da composição orgânica. Contudo, Mandel (1982) mostrou que contingencialmente essa relação pode não ser reproduzida, quando por exemplo o exército industrial de reserva é grande o suficiente para que os salários não se elevem.

consequência da produtividade crescente do trabalho. Por outro lado, a massa da maquinaria empregada, dos animais de trabalho, do adubo mineral, das tubulações de drenagem etc. é condição da produtividade crescente do trabalho (MARX, 2013, p. 698).

Aumento do capital constante não é resultado somente de um investimento maior em máquinas16. Regularmente, esse aumento é produto do investimento em materiais de transformação, utilizados cotidianamente ou de outros materiais fundamentais para o processo produtivo. As matérias-primas e outros materiais se renovam à medida em que são utilizados (e por isso renovam também o capital constante), diferentemente das máquinas, que ao se depreciarem, diminuem o valor do capital constante, mas ao se renovarem incrementam-no substancialmente (certamente mais que proporcional à força de trabalho).

Como consequência, há, enfim, o investimento em maquinaria, uma vez que se chega a um limite com determinada base técnica. Assim, num momento de crescimento, ainda que a proporção do aumento da composição orgânica penda mais para a parcela constante, há também um reflexo na parte variável para que os novos meios de trabalho realizem o seu potencial como capital constante: “para fazer com que esses componentes funcionem efetivamente como capital, a classe capitalista necessita de uma quantidade adicional de trabalho. Se a exploração dos trabalhadores já ocupados não aumenta extensiva ou intensivamente, é necessário empregar forças de trabalho adicionais” (MARX, 2013, p. 657). Isso fica melhor entendido na seguinte passagem: “o trabalho adicional, produzido por uma maior distensão da força de trabalho, pode aumentar o mais-produto e o mais-valor, a substância da acumulação, sem um aumento proporcional da parte constante do capital” (MARX, 2013, p. 678). Para Marx, aumento da produtividade é um elemento central sempre urgente para o capital, por isso a acumulação também influencia diretamente a organização do trabalho: “A contínua reconversão de mais- valor em capital apresenta-se como grandeza crescente do capital que entra no processo de produção. Este se torna, por sua vez, o fundamento de uma escala ampliada da produção, dos métodos nela empregados para o aumento da força produtiva do trabalho e a aceleração da produção de mais-valor” (MARX, 2013, p. 700). Se por um lado, o aumento da produtividade permite que o processo produtivo se acelere, com o aumento da extração do mais-valor, fornecendo cada vez mais condições de se aumentar o investimento em capital, por outro, está na acumulação de capital a chave para a evolução dessa produtividade.

16 O investimento em maquinaria pode também não significar um acréscimo tão importante na composição

orgânica por poder haver uma produtividade maior no setor de produção de bens de capital do que no setor de bens de consumo (não entendi bem essa consideração), as máquinas terão menor valor e assim a composição orgânica não crescerá tanto.

Quando métodos de exploração do trabalho (taylorismo, por exemplo) são empregados e levam uma determinada relação social de produção no capitalismo como a manufatura ao paroxismo e em seguida para o esgotamento, isso resulta também no processo de acumulação, podendo acionar a inflexão. Mais detalhadamente

o mesmo valor de capital variável põe em movimento mais força de trabalho e, por conseguinte, também mais trabalho. O mesmo valor de capital constante se representa em mais meios de produção, isto é, mais meios de trabalho, material de trabalho e matérias auxiliares, fornecendo, assim, tanto mais formadores de produto como mais formadores de valor, ou absorvedores de trabalho. Se o valor do capital adicional se mantém constante, ou mesmo decrescente, ocorre, pois, uma acumulação acelerada (MARX, 2013, p. 679)

Com o esgotamento desses métodos sob uma base técnica, há finalmente a transição para uma nova forma da relação social de produção capitalista (tenha-se em mente a inflexão da manufatura para a grande indústria). Entenda-se, que são relações sociais de produção no interior do modo capitalista de produção, no sentido de serem métodos distintos de exploração do trabalho. Cooperação, manufatura e grande indústria se superam de modo a reconfigurarem a maneira com que se dá a exploração do trabalho. Evidentemente, quando há uma limitação na exploração do trabalho, o aumento da produtividade se dá com maior emprego de capital constante. Reproduzindo grosseiramente as palavras de Netto; Braz (2006), pode-se entender que uma inovação tecnológica importante, como a introdução da maquinaria, permite que um capital produza as mercadorias a um valor abaixo do tempo socialmente necessário médio, e assim se aproprie de uma parcela maior de mais-valor do que a por ele produzida e isto impulsiona que os outros capitais do mesmo setor, para se manterem na concorrência, adiram àquela inovação17.

O revolucionamento da base técnica é também uma resposta ao processo de acumulação. O aumento da necessidade de produtividade, por outro lado, pode exigir o emprego de um número maior de trabalhadores (o que também contribui com o aumento da exploração do trabalho), porém este aumento se dá cada vez mais raramente, uma vez que com o aumento da composição do capital, a parte variável pode aumentar, mas sempre em proporção menor que a parte constante. Mas esse aumento no número de trabalhadores pode significar um aumento de custos. Assim, o capital variável pode aumentar o seu valor, na forma de salários. É quando “O crescimento do capital variável se torna, então, o índice de mais trabalho, mas não de mais trabalhadores ocupados” (MARX, 2013, p. 711). Há, portanto, um aumento da exploração de

17 Para se compreender a completude desta questão é preciso compreender outros aspectos como os preços de

produção e preços de mercado, mas o propósito aqui é apenas elucidar a relação da acumulação com o revolucionamento tecnológico

um número de trabalhadores igual ou menor, o que aumenta os salários “só que num ritmo mais lento do que o do aumento da massa de trabalho” (MARX, 2013, p. 711). Desse prisma, é possível compreender como o avanço técnico, que implica o aumento do capital constante, é também um índice de redução da massa salarial. Note-se que “a grandeza da acumulação é a variável independente, a grandeza do salário a variável dependente, e não o contrário” (MARX, 2013, p. 696). Os salários orbitam em torno do processo de acumulação: num ciclo crescente eles podem aumentar, mas nunca o suficiente para interditar o processo de acumulação (não o suficiente para ultrapassar o capital constante), por outro lado, em momentos de baixa, eles regridem o máximo possível, compensando uma impossibilidade de novos investimentos18. De tal modo que vários fatores atuam como reguladores do salário (o avanço técnico, o exército de reserva são exemplos). Essas pressões significam, em última instância, que o capital variável sofre mais pressões para decrescer do que o constante recebe de impulsos para aumentar (especialmente em relação às máquinas). A concorrência é um outro importante elemento no impulso da acumulação. A fragmentação e o engrandecimento dos capitais, a concentração de capitais são aspectos por ela determinados.

O movimento da acumulação faz com que cada vez mais os capitais concentram maior volume de capital constante e variável. Assim, “pressupondo-se inalteradas as demais circunstâncias, crescem os capitais individuais e, com eles, a concentração dos meios de produção na proporção em que constituem partes alíquotas do capital social total” (MARX, 2013, p. 701). Ligada a esse processo está a centralização do capital, que decorre da dificuldade cada vez maior de um número grande de capitais individuais se manterem em condições de concorrer com os outros. Decorre disso, a eliminação de capitais menores seja pela saída do mercado ou pela incorporação dos capitais maiores. No longo prazo isso mobiliza o processo de monopolização.

Essa centralização, como expressão do processo de acumulação tem um papel fundamental no avanço técnico, inclusive como resultado daquela reciprocidade já mencionada

O mundo ainda careceria de ferrovias se tivesse de ter esperado até que a acumulação possibilitasse a alguns capitais individuais a construção de uma estrada de ferro. Mas a centralização, por meio das sociedades por ações, concluiu essas construções num piscar de olhos. E enquanto reforça e acelera desse modo os efeitos da acumulação, a centralização amplia e acelera, ao mesmo tempo, as revoluções na composição técnica

18 A este respeito entram na discussão uma série de questões como a superpopulação relativa e o exército de

reserva, que também atuam como elementos reguladores do salário. Uma vez que, à medida que a composição técnica é maior que a orgânica ocorre “um aumento absoluto da população trabalhadora, aumento que é sempre mais rápido do que o do capital variável ou dos meios que este possui para ocupar aquela”. Decorrendo uma série de questões acerca de uma camada mais marginalizada. Esta discussão é fundamental, mas é uma das limitações da pesquisa não recobri-la de maneira mais profunda.

do capital, que aumentam a parte constante deste último à custa de sua parte variável, reduzindo, com isso, a demanda relativa de trabalho (MARX, 2013, p. 703)

Assim, a centralização como consequência do processo de acumulação enceta efeitos particulares dessa acumulação, sobretudo no que toca o avanço produtivo, sem necessariamente se desenrolar através dos meios da acumulação, mas da incorporação de capitais uns pelos outros – havendo também a função do crédito e do capital financeiro (PAÇO CUNHA; GUEDES, 2018). Estes pontos, como será visto, foram importantes para trazer à tona o problema da acumulação e sua ligação com o processo de trabalho, fundamental para a compreensão do problema da inflexão e da evolução da grande indústria na economia brasileira.

Torna-se aqui perfeitamente compreensível porque o revolucionamento da base técnica faz com que haja um salto tão grande na composição orgânica: há um aumento importante na parte constante do capital (não somente na parte circulante, mas fundamentalmente na parte fixa), que ou rivaliza com o rebaixamento salarial e do número de operários, havendo o decréscimo na parte variável, ou compensa os aumentos salariais. O processo de concentração e centralização do capital é fundamental para a evolução da grande indústria, potencializando as possibilidades de investimento, o que pode significar o avanço tecnológico e o avanço dos ramos industriais até o ponto máximo da grande indústria. Com a centralização, por exemplo, fica mais fácil, com a incorporação dos capitais menores que a maior parte da produção esteja localizada naqueles estabelecimentos já mecanizados.

No documento leandrotheodoroguedes (páginas 40-45)