• Nenhum resultado encontrado

Subsunção formal e subsunção real: manufatura e grande indústria

No documento leandrotheodoroguedes (páginas 52-56)

3 PROCESSO DE TRABALHO E BASE TÉCNICA: SUPERIORIDADE DE

3.1 O PROCESSO DE TRABALHO E A INFLEXÃO DA BASE TÉCNICA SEGUNDO

3.1.2 Fundamentos para a análise da relação entre a base técnica e o processo de

3.1.2.2 Subsunção formal e subsunção real: manufatura e grande indústria

Sejam quais forem as formas do processo de trabalho assumidas pela relação social capitalista de produção (cooperação, manufatura ou grande indústria), elas são determinadas também pela forma com que o próprio processo de trabalho é dirigido por aqueles que efetivamente comandam o processo. Ao mesmo tempo em que a transição para a grande indústria é revolucionária, essa transição muda também a forma de controle do processo de trabalho.

Historicamente, à medida que o capitalismo se estabelece como modo de produção dominante, ele conserva algumas características da base técnica dos modos de produção a ele anteriores, sem modificá-los abruptamente. Assim, “o capitalista se enquadra nele como dirigente, condutor; para este, é ao mesmo tempo, de imediato, um processo de exploração de trabalho alheio” (MARX, 1978, p. 51). Essa tomada da direção do processo de trabalho não muda necessariamente o processo de trabalho já posto, mas submete-o ao processo de exploração do valor. Como é possível ver no exemplo:

Certos ramos industriais, p. ex., o trabalho de mineração, pressupõem desde o princípio a cooperação. Consequentemente, quando o capital não existe, a cooperação se realiza como trabalho forçado (trabalho servil ou escravo) sob o controle de um capataz. Idem na construção de estradas etc. Para assumir tais trabalhos, o capital não cria a acumulação e a concentração dos trabalhadores, mas se apodera delas (MARX, 2011, p. 486).

O autor mostra como os ramos industriais citados já estavam arregimentados anteriormente à ascensão do capital e, por isso, a sua forma organizativa de produção não é uma novidade, simplesmente é tomada do estágio até onde se desenvolveu e colocada de acordo com a finalidade posta pelo capital. Não há a destruição do processo de produção anterior, mas uma modificação que se dá nos limites em que esses próprios ramos de produção estão desenvolvidos. Os trabalhadores reunidos pelo capital “estão associados por meio do capital que reúne os produtos dos diferentes trabalhadores e os faz circular” (PAÇO CUNHA, 2010, p. 248). O capital que encontra esses trabalhadores dispersos espacialmente, elabora formas, sem necessariamente modificar o princípio movedor do seu processo de trabalho, de integrar e levar determinada divisão do trabalho a níveis mais elevados de produtividade de modo a atender os imperativos do modo de produção capitalista. E neste momento pode-se dizer que o trabalho se encontrava formalmente subsumido ao capital.

De maneira mais elaborada,

não se efetuou, a priori, mudança essencial no modo real do processo de trabalho, do processo real de produção. Pelo contrário, faz parte da natureza da questão o fato de que a subsunção do processo de trabalho ao capital se opere a base de um processo de trabalho preexistente, anterior a essa subsunção ao capital, e que se configurou à base de diferentes processos de produção anteriores e de outras condições de produção; o capital se subsume a determinado processo de trabalho existente, como, por exemplo, o trabalho artesanal ou o tipo de agricultura correspondente a pequena economia camponesa autônoma. Se nesses processos de trabalho tradicionais, que ficaram sob a direção do capital, se operam modificações, estas só podem ser consequências paulatinas da subsunção de determinados processos de trabalho tradicionais ao capital. Que o trabalho se faça mais intensivo ou que se prolongue a duração do processo de trabalho; que o trabalho se tome mais contínuo, e, sob as vistas interessadas do capitalista, mais ordenado etc, não altera em nada o caráter do processo real de trabalho, do modo real de trabalho. isto constitui um grande contraste com o modo de produção especificamente capitalista (trabalho em grande escala etc), que, como indicamos, se desenvolve no curso da produção capitalista e revoluciona não só as relações entre os diversos agentes da produção, mas, simultaneamente, a índole desse trabalho e a modalidade real do processo de trabalho total (MARX, 1978, p. 52). Portanto, a subsunção formal do trabalho não enceta um revolucionamento no processo de trabalho; tão somente reproduz o processo de trabalho, anteriormente posto, no capitalismo. Como o próprio Marx chama a atenção, o resultado da atuação do capitalista no controle do processo de trabalho não muda a natureza daquela forma ainda pré-capitalista. Ao se apropriar dos ramos, o capital passa a exercer o controle, ainda restrito, sobre a produção, uma vez que os métodos de trabalho mais efetivos ainda estão sob a guarda dos artesãos. Sob a subsunção formal, não ocorre um desenvolvimento suficiente para que haja formas mais intensivas de extração do valor (o mais-valor absoluto é a forma excelente de extração), de tal modo que não há uma possibilidade posta para além do prolongamento do tempo de trabalho.

Por esta razão, a própria cooperação e a manufatura, na sua fase mais rudimentar, são formas da subsunção formal:

A subsunção é formal, na medida em que o trabalhador individual, em vez de trabalhar como proprietário independente de mercadoria, agora trabalha como uma capacidade de trabalho pertencente ao capitalista [IV-148] e, portanto, sob seu comando e supervisão; também não trabalha mais para si mesmo, mas para o capitalista; os meios de trabalho, além disso, não aparecem mais como meios para a realização de seu trabalho: seu trabalho aparece como o meio de valorização - ou seja, absorção do trabalho - pelos meios de trabalho. Essa distinção é formal na medida em que pode existir sem causar a menor alteração de qualquer tipo no modo de produção ou nas relações sociais dentro das quais a produção ocorre. (MARX, 2010a, p. 262, tradução nossa)22.

A cooperação é justamente o modo de produção encontrado pelo capitalismo na ocasião da sua imposição. É uma forma pré-capitalista que se desenvolve, sob o comando do capital, mantendo as características que são a ele anteriores. De tal modo que as formas de extensão da cooperação estão limitadas às próprias formas de extensão da subsunção formal: o aumento quantitativo de trabalhadores realizando a mesma tarefa, por exemplo.

O revolucionamento, o rompimento com as formas pré-capitalistas, é alcançado com a superação da cooperação ou da manufatura na sua fase mais rudimentar. Com o avanço da manufatura e o estabelecimento da manufatura moderna, já é possível falar em subsunção real, na qual o trabalhador é

um constituinte vivo da oficina, e ele mesmo se tornou um acessório para o capital através da maneira de seu trabalho, uma vez que sua habilidade só pode ser exercida em uma oficina, apenas como um elo de um mecanismo que o confronta como a presença do capital /.../ agora está sob o controle do capital não mais porque não tem os meios de trabalho, mas por causa de sua própria capacidade de trabalho, a natureza e a maneira de seu trabalho” (MARX, 2010a, p. 279, tradução nossa)23.

Com a subsunção real, as possibilidades de produção se exponenciam e o comando do capital não se restringe necessariamente à direção, mas o próprio trabalhador qualificado é demovido de seu posto (os saberes são diluídos pela divisão das tarefas). A divisão do trabalho abre as possibilidades da extração do mais-valor relativo e retira obstáculos, no processo de

22 The subsumption is formal, in so far as the individual worker, instead of working as an independent commodity

owner, now works as a labour capacity belonging to the capitalist, [IV-148] and therefore under his command and supervision; also works no longer for himself but for the capitalist; the means of labour, moreover, no longer appear as means to the realisation of his labour: his labour appears instead as the means of valorisation—i.e. absorption of labour - for the means of labour. This distinction is formal in so far as it can exist without causing the slightest alteration of any kind in the mode of production or the social relations within which production takes place (MARX, 2010a, p. 262).

23 “a living constituent of the workshop, and has himself become an accessory to capital through the manner of his

work, since his skill can only be exercised in a workshop, only as a link in a mechanism which confronts him as the presence of capital/…/ has now fallen under the control of capital, no longer just because he lacks the means of labour, but because of his very labour capacity, the nature and manner of his labour” (MARX, 2010a, p, 279).

trabalho, para o processo de valorização. Contudo, o processo de subsunção real somente se concretiza finalmente com a grande indústria, quando a dependência da divisão do trabalho também é resolvida. Assim, de forma mais definitiva:

As forças produtivas sociais do trabalho, ou as forças produtivas do trabalho diretamente social, socializado (coletivizado) por força da cooperação; a divisão do trabalho na oficina, a aplicação da maquinaria, e em geral a transformação do processo produtivo em aplicação consciente das ciências naturais, mecânica, química etc, para fins determinados, a tecnologia etc., assim como os trabalhos em grande escala correspondente a tudo isso (se esse trabalho socializado está em condições de utilizar no processo imediato de produção os produtos gerais do desenvolvimento humano, como a matemática etc., assim como, por outro lado, o desenvolvimento dessas ciências pressupõe determinado nível do processo material de produto); esse desenvolvimento da força produtiva do trabalho objetivado, por oposição ao trabalho mais ou menos isolado dos indivíduos disperses etc., e com ele a aplicação da ciência- esse produto geral do desenvolvimento social - ao processo imediato de produção; tudo isso se apresenta como força produtiva do capital, não como força produtiva do trabalho; ou como força produtiva do trabalho apenas na medida em que este é idêntico ao capital, e em todo caso nunca como força produtiva quer do operário individual, quer dos operários associados no processo de produto (MARX, 1978, p. 55)

O capital consegue submeter, com a grande indústria, também as forças da natureza ao avanço científico e coloca este a serviço da evolução da produção, levando o processo de trabalho à mecanização, guiado pelas máquinas. Ao mesmo tempo, faz com que o processo produtivo se dê através da combinação dos trabalhos muito distintos (desde os mais elaborados, como engenheiros até os mais operacionais), que não é meramente a soma dos trabalhos, mas o corpo de força produtiva que se determina pelas máquinas em operação, chega-se ao ponto mais desenvolvido do processo de valorização. Aqui, o trabalho, as funções operacionalizadas, é determinado pelo processo de produção, pelo sistema de máquinas, e o operário torna-se um apêndice, o que não retira a sua condição de produtor do valor. É justamente essa posição mais periférica no processo de trabalho que faculta ao capital o controle absoluto do processo de trabalho.

No capital, a associação dos trabalhadores não é imposta pela violência física direta, como trabalho forçado, servil, escravo; é imposta pelo fato de que as condições da produção são propriedade alheia, existindo elas próprias como associação objetiva, que é o mesmo que acumulação e concentração das condições de produção. (MARX, 2011, p. 490).

O controle do processo de trabalho, sob o modo de produção capitalista, adquire uma forma que supera formas mais violentas, que subordinavam os trabalhadores fisicamente de maneira deliberada. No capital, isso se distingue, pois o trabalho está submetido às condições de produção não pertencentes aos operários, o que se soma a uma sociedade fundada no trabalho livre assalariado e na circulação de mercadorias. Reter que o capital tem arranque em métodos

de trabalho a ele anteriores e os revoluciona e que o próprio capital controla o processo produtivo de maneira a elevar a exploração do trabalho, sustentando seu domínio sobre a força de trabalho, é a lição preliminar fundamental para compreender as relações sociais de produção. A transição da subsunção formal para a subsunção real é definitiva, pois, na última, o capital passa a deter o controle de todos os aspectos da produção. O problema do controle está resolvido com a subsunção real. Evidentemente, o capital pode ser forçado, através da luta de classes, a elaborar novas formas de controle, mas estas formas estarão inseridas no interior da própria subsunção real, como ajustes que tendem a neutralizar as pressões da classe trabalhadora

A partir de todos esses pressupostos que fundamentam a produção capitalista, que indiretamente já apresentaram as categorias fundamentais desta pesquisa, é possível passar a discutir os elementos relacionados às especificidades dos métodos de extração do mais-valor no capitalismo: cooperação, manufatura e grande indústria.

No documento leandrotheodoroguedes (páginas 52-56)