• Nenhum resultado encontrado

Fordismo: mecanização e o processo de trabalho dissolvido no institucionalismo

No documento leandrotheodoroguedes (páginas 103-108)

3 PROCESSO DE TRABALHO E BASE TÉCNICA: SUPERIORIDADE DE

3.2 IRRAZOABILIDADE DAS CATEGORIAS REGULACIONISTAS

3.2.5 Fordismo: mecanização e o processo de trabalho dissolvido no institucionalismo

Os autores da ERF também se debruçaram, talvez como nenhuma outra, sobre o problema do fordismo no processo de trabalho. Resumidamente, é possível dizer que para os autores (como já ensaiado nas considerações de Coriat sobre o taylorismo) o capitalismo se articula mediante regimes de acumulação que se sobrepõem à medida que as crises levam cada um a erodir. Segundo Lipietz, um modelo de acumulação se caracteriza por “um modo de realocação sistemática do produto, que administra, ao longo de um período prolongado, uma certa adequação entre as transformações das condições da produção e aquelas das condições do consumo” (LIPIETZ, 1989, p. 304). Em geral, esses modelos se caracterizam por um tipo de organização estatal, um tipo de organização do trabalho, uma política salarial e uma base técnica que são comuns à toda economia. Foi assim com o fordismo nos países centrais, que perdurou do fim da Segunda Guerra até a década de 1970.

Retomando as palavras de Coriat, ele chama a atenção para as modificações implementadas pela linha de produção na indústria, como um salto em relação ao taylorismo

Economia "geral" de mão-de-obra de trabalho e conversão de tempo eliminada em tempo efetivamente produtivo; a fixação autorizada da cadência que traz consigo uma "socialização" do ritmo de trabalho dos homens submetidos à velocidade do mesmo transportador; Recurso sistemático ao maquinismo: a extorsão da mais-valia relativa é feita aqui numa base muito mais ampla do que através da gestão científica. (CORIAT, 1982, p. 47, tradução nossa)53.

A cadeia de produção em massa se destaca como um salto ao taylorismo por eliminar tempos desnecessários de deslocamento do trabalhador no local de trabalho. É bom lembrar que, em Coriat, já se está argumentando acerca do estágio da grande indústria: a esteira como uma evolução da revolução científica e expressão mais acabada da grande indústria. Em Aglietta (2011), esse aspecto é suficiente para caracterizar o taylorismo e o fordismo como regimes de acumulação intensivo, ou seja, um regime de acumulação em que predomina a extração de mais-valor relativo (a esteira intensifica o trabalho e reduz os poros), o que representa um salto em relação ao que predominava anteriormente, um regime de acumulação

53 Economía “general” de mano de obra de manutención y conversión del tiempo eliminado en tiempo

efectivamente productivo; fijación autoritaria de la cadencia que lleva consigo uma “socialización” del ritmo de trabajo de los hombres sometidos a la velocidad de un mismo transportador; recurso sistemático al maquinismo: la extorsión de plusvalor relativo se hace aquí sobre una base mucho más amplia que por medio del scientific management (CORIAT, 1982, p. 47)

extensivo, baseado na extração do mais-valor absoluto. Evidentemente há provas suficientes, como visto antes, de que a intensificação do trabalho não é inovação do taylorismo. A despeito disto, é preciso entender que para a escola da regulação o fordismo é o símbolo máximo dessa intensificação do trabalho.

Tendo em conta que a grande indústria já estava estabelecida com o taylorismo, é logicamente plausível, que Coriat sustente que: “a ‘produção em massa’ pode ser descrita a partir da grande indústria” (CORIAT, 1982, p. 67, tradução nossa)54. Mas como se viu, a produção em massa não diz respeito somente aos processos de produção, mas um modo de acumulação, o que incluía como vimos, no outro polo, uma forma de consumo, elementos macroeconômicos e uma organização estatal: “O five dollars day marcava de forma extrema esta tentativa de assegurar de maneira imediata e brutal um controle capitalista sobre o conjunto de condições de existência e reprodução da classe trabalhadora” (CORIAT, 1982, p. 78, tradução nossa)55. Como sendo um advento fordista, esta forma de pagamento além de ser mais um condicionante da produtividade, dá as condições do trabalho de consumir as próprias mercadorias produzidas em grandes quantidades. Mas as garantias trabalhistas são também garantidas pelos programas de seguridade social do estado, como já aludido

Ao desobrigar a classe trabalhadora de certas partes dos custos de manutenção e reprodução, sem deixar de organizar um governo seletivo o suficiente para consolidar o sistema salarial, a ajuda pública ajuda a eliminar os obstáculos ao seu desenvolvimento, a grande indústria construiu seu próprio caminho, racionalizando- se (CORIAT, 1982, p. 82, tradução nossa)56.

Esse apoio estatal, considerado central, consubstancia-se com o próprio movimento do capital monopolista que cria barreiras de inserção para determinadas empresas em manter um nível alto de produtividade, com as indústrias maiores mais racionalizadas, mesmo porque esse movimento predatório é comum de uma inflexão técnica também. Isso faz com que os setores se restrinjam cada vez mais em menos empresas (CORIAT, 1982). Para ele, essas coisas aparecem um pouco amalgamadas no que toca sua funcionalidade como regime de acumulação.

54 “la ‘producción en masa’ puede ser descrita a partir de la ‘gran industria’” (CORIAT, 1982, p. 67).

55 “El five dollars day marcaba de forma extrema esta tentativa de asegurar de manera inmediata y brutal un control

capitalista sobre el conjunto de las condiciones de existencia y de reproducción de las clases obreras” (CORIAT, 1982, p. 78).

56 Al descargar a la industria de ciertas partes de los gastos de mantenimiento e reproducción la clase obrera, sin

dejar por eso de organizar una dístríbucíón lo bastante selectiva como para consolidar el sistema salarial, la ayuda pública contribuye a eliminar los obstáculos a su desarrollo que la gran industria habla erigido en su propio camino al racionalizar se (CORIAT, 1982, p. 82)

O fordismo realiza o que o taylorismo cria condições, restando a diferença técnica da esteira fordista.

O autor concentra-se mais nos efeitos dessa generalização da produção em massa sobre a economia e o Estado (centralização de capital, política salarial). Se com o taylorismo importavam mais os aspectos do controle sobre o trabalho, com o fordismo despontam os impactos institucionais e econômicos, mas não necessariamente aqueles que impactam o processo de valorização.

Esta dinâmica argumentativa é muito forte nas análises de Aglietta. Assim, é interessante acompanhá-la. Em relação aos aspectos técnicos do fordismo, pode-se ver que

desenvolveu ainda mais a mecanização do trabalho, aumentou a intensidade do trabalho, radicalizou a separação entre o trabalho manual e mental, sujeitou rigorosamente os trabalhadores à lei da acumulação e transformou o progresso científico em relação ao poder que serve à expansão uniforme do valor. (AGLIETTA, 2011, p. 117, tradução nossa)57.

E aqui se concretiza aquela indicação de que com a concreção do fordismo, torna-se generalizada a extração do mais-valor relativo (regime de acumulação intensivo), não restando dúvidas de que o que caracteriza o fordismo é o sistema de máquinas. E isso fica ainda mais claro na sua justificativa:

A fixação de trabalhadores a empregos cujas posições eram rigorosamente determinadas pela configuração do sistema de máquinas. O trabalhador individual perdeu assim todo o controle sobre seu ritmo de trabalho. O fluxo linear contínuo proibia a formação de estoques intermediários entre os trabalhos e sujeitava-se ao ritmo coletivo ao movimento uniforme do sistema da máquina. Neste modo de organização, os trabalhadores são incapazes de colocar qualquer resistência individual à imposição da norma de produção, uma vez que a autonomia do trabalho foi totalmente abolida. (AGLIETTA, 2011, p. 118, tradução nossa)58.

Na direção de Coriat, Aglietta enxerga a principal consequência dessa suposta modificação da base técnica na própria atuação sobre trabalhador, a retirada do controle sobre a produção. De mais a mais, a retirada do controle do processo do trabalhador individual é transferida ao conjunto de operários parcelados. Em nada muda o princípio subjetivo. Em relação aos aspectos técnicos do processo de trabalho, fordismo e taylorismo não se diferenciam

57 further developed the mechanization of labour, increased the intensity of work, radicalized the separation

between manual and mental labour, rigorously subjected workers to the law of accumulation and turned scientific progress against them as a power serving the uniform expansion of value (AGLIETTA, 2011, p. 117).

58 the fixing of workers to jobs whose positions were rigorously determined by the configuration of the machine

system. The individual worker thus lost all control over his work rhythm. The continuous linear flow prohibited the formation of buffer stocks between jobs and subjected the collective rhythm to the uniform movement of the machine system. In this mode of organization workers are unable to put up any individual resistance to the imposition of the output norm, since job autonomy has been totally abolished (AGLIETTA, 2011, p. 118).

a não ser pelos aperfeiçoamentos adicionados pelo segundo ao primeiro com a esteira semiautomática.

Para Aglietta, a evolução do processo de trabalho posterior à racionalização taylorista já está colocada nos termos da grande indústria, muito embora o autor não tenha muito claro de que se trata essa categoria. Evidentemente, Aglietta trata desse desenvolvimento em termos lógicos e não se debruça sobre os exemplos históricos que se davam à época. Assim, é possível levantar questionamentos como os de Moraes Neto (1988, p. 82): “como se pode entender que o fordismo apresenta limitações semelhantes em essência a uma forma de produção anterior à maquinaria (manufatura) e, ao mesmo tempo, constitua um desenvolvimento dessa mesma maquinaria?”. Neste momento já se colocam elementos suficientemente claros de que a própria argumentação dos autores franceses impede que se descreva as evoluções do processo de trabalho, pois taylorismo e fordismo possuem praticamente os mesmos fundamentos: parcelização do trabalho, retirada do controle, produtividade, sistema de máquinas. Ora, esse conjunto faz com que estas categorias sejam indestrutíveis no capitalismo. Elas conjugam coisas contraditórias (divisão do trabalho e sistema de máquinas), portanto, seria difícil descrever as mudanças a partir delas. No seu tratamento sobre o fordismo fica mais claro a atuação deste como regime de acumulação.

O fordismo é, assim, o princípio de uma articulação entre processo de produção e modo de consumo, que constitui a produção em massa que é o conteúdo específico da universalização do trabalho assalariado. O processo de trabalho característico do fordismo é a produção semiautomática da linha de montagem. Esse tipo particular de processo de trabalho foi estabelecido nos Estados Unidos a partir da década de 1920, especialmente para bens de consumo de massa produzidos em longos períodos de produção, e posteriormente estendido para a produção de componentes intermediários padronizados para a fabricação desses meios de consumo. (AGLIETTA, 2011, p. 117, tradução nossa)59.

Exatamente como fez Coriat com a produção em massa chamando a atenção para a importância das políticas estatais e dos salários, Aglietta, de uma maneira ainda mais direta, considera o fordismo (modo de consumo, de produção e de universalização do salário) como o corolário do regime de acumulação que vigeu a partir dos anos 1920 nos Estados Unidos. E aqui o aspecto institucional, de acomodação de interesses contraditórios, passa a ser o que

59 Fordism is thus the principle of an articulation between process of production and mode of consumption, which

constitutes the mass production that is the specific content of the universalization of wage-labour. The characteristic labour process of Fordism is semiautomatic assembly-line production. This particular type of labour process was established in the United States from the 1920s onwards, especially for mass consumer goods produced in long production runs, and was subsequently extended upstream to the production of standardized intermediate components for the manufacture of these means of consumption (AGLIETTA, 2011, p. 117)

caracteriza o fordismo mesmo. Esta combinação é justamente o que caracteriza a regulação. Para tornar clara essa caracterização, analisando este aspecto com mais detalhes, é possível entender como essas engrenagens se articulam, para esta acepção do fordismo, na descrição crítica de Gounet

O sistema taylorista é eficaz porque racionaliza o trabalho individual, permitindo uma produção em massa, em nível sem igual até então. Porém para que ele funcione efetivamente é preciso existir uma demanda capaz de absorver o aumento da produção – em outras palavras, um consumo em massa. O sistema não proporciona essa condição espontaneamente. Faz-se necessária a regulação. A luta para impor o novo modelo de desenvolvimento desenvolve-se no período entre-guerras (GOUNET, 1999, p. 59-60)

Seguindo este raciocínio, “cada modo de regulação é constituído por uma rede de instituições relativamente integrada e historicamente desenvolvida que reproduz as relações fundamentais de propriedade capitalista” (BRENNER; GLICK, p. 47-8, 1991, tradução nossa)60. Isso por um lado reforça o lado politicista das análises da teoria da regulação, e por outro deve ser notada a ideia de que o capitalismo se renova em novos ciclos de desenvolvimento “a escola de regulação enfatiza a permanência das estruturas e tende a desconsiderar os sujeitos humanos, suas mudanças e o que lhes acontece com a desorganização e reorganização das relações sociais” (GAMBINO, 2007, p. 43)61. O fordismo assim, torna-se uma categoria muito pouco precisa e completamente alheia às mudanças no processo de trabalho (mais ainda que o taylorismo). Para não entrar na discussão da validade deste arranjo institucional, considerando a validade deste fordismo, é como se houvesse a permanência de todos os setores produtivos no mesmo estágio técnico durante grande parte do século XX, sendo a produção em massa um aspecto comum a todos os setores igualmente. Em termos de efeito sobre o processo de trabalho sequer se consegue definir uma diferenciação entre o fordismo e o taylorismo, uma vez que a atuação de ambos se dá majoritariamente sobre o controle do trabalho. No fordismo, especialmente, desponta o peso do institucionalismo, na combinação de vários fatores econômicos e políticos, que dissolvem o problema do processo de trabalho, e generalizam ainda mais a categoria. Assim o fordismo regulacionista é ainda menos apropriado para caracterizar as mudanças no processo de trabalho.

60“Each mode of regulation is constituted by a historically developed, relatively integrated network of institutions

that reproduces the fundamental capitalist property relationships” (BRENNER; GLICK, p. 47-8, 1991).

61“the regulation school stresses the permanence of structures, and tends to overlook human subjects, their changes

and what is happening to them with the disorganisation and reorganisation of social relations” (GAMBINO, 2007, p. 43).

No documento leandrotheodoroguedes (páginas 103-108)