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Caracterização histórica do taylorismo

No documento leandrotheodoroguedes (páginas 78-84)

3 PROCESSO DE TRABALHO E BASE TÉCNICA: SUPERIORIDADE DE

3.2 IRRAZOABILIDADE DAS CATEGORIAS REGULACIONISTAS

3.2.1 Caracterização histórica do taylorismo

É necessário trazer aqui os aspectos mais definitivos que definem o taylorismo pelo que realmente representou na história. É importante entender por que o taylorismo é um método de organização do trabalho correspondente à manufatura, mas não se equipara à manufatura como uma categoria que expressa os traços mais gerais de uma relação social de produção.

Se por um lado é correto dizer que o taylorismo é uma expressão da manufatura ou da cooperação simples – haja vista os exemplos dados por Taylor (1995), como serviço do pedreiro, carregamento de lingotes, utilização das pás –, por outro lado não é possível negar a sua importância nos impulsos de produtividade no capitalismo no início e no decorrer do século XX com a sistematização da racionalização (o que inclui a divisão do trabalho, melhores formas de execução da tarefa), podendo-se encontrar exemplos em diversos setores como o mobiliário e frigorífico, nos Estados Unidos, apresentados por Braverman (1976), ainda que estes não houvessem verificado uma racionalização puramente taylorista ou que isto estivesse adstringido às maiores indústrias.

Evidentemente, os traços distintivos do taylorismo não estão suficientemente dispostos nas palavras do próprio Taylor, pois as suas palavras não são índice último de verdade, mas ali estão contidos alguns pontos básicos. É importante dizer que o taylorismo não está dissociado de uma defesa da administração, como prática gerencial. Basta lembrar que Taylor anuncia já

dentre os objetivos de seu Princípios de Administração Científica que se “corretamente aplicados estes princípios, os resultados obtidos serão verdadeiramente assombrosos” (TAYLOR, 1995, p. 23). Na mesma medida, o autor é sensível aos confrontos de classe. Isto pode ser verificado nas formas de convencimento que utilizava com os operários em que se lê que com “um homem de mentalidade limitada como Schmidt, é realmente o adequado, visto que eficiente em prender sua atenção sobre o alto salário que ele desejava e, ao mesmo tempo, em desviá-lo do trabalho maior que, percebido, o levaria a considerar a tarefa como impossível” (TAYLOR, 1995, p. 45). Esse aspecto também demarca a sua constituição e centralidade na exploração do capital variável, no processo de valorização. Levando em consideração a atenção dada por Moraes Neto à regressividade do taylorismo, é preciso chamar a atenção atuação de Taylor como um proeminente ideólogo da gestão, logicamente preocupado com a extração do mais-valor.

O vínculo do taylorismo às formas regredidas da base técnica não é somente fruto de uma reciprocidade meramente técnica, há uma vinculação ao próprio processo de acumulação de capital num âmbito de baixo desenvolvimento técnico. Pode-se compreender que o taylorismo surge especialmente como “organização social do trabalho que se confirma como alavanca para a oscilação positiva do processo de acumulação em vias de aceleração culminando na forma monopolista que conhecemos” (PAÇO CUNHA et. al, 2017, p. 11). Por outro lado, é possível dizer que a “luta de classes e o processo de crise do século XIX e suas relações com o processo de acumulação se apresentam como os fatores objetivos mais importantes para a determinação da gênese do taylorismo” (PAÇO CUNHA et. al., 2017, p. 4). Tome-se cada um destes aspectos.

A questão das crises deve ser entendida no processo de recuperação da economia norte- americana posterior à crise de lucratividade que se impôs a partir da década de 70 do século XIX. Não é exagero notar que o impulso produtivo era também uma forma de enfrentar o processo recessivo: “o que importa de fato é registrar que a formação ideal de Taylor corresponde ao período conturbado do século XIX. Como resposta tecnológica à etapa da acumulação, pode-se dizer que o taylorismo é uma teoria da crise” (PAÇO CUNHA et. al, 2017, p. 15). De outro lado, coloca-se a não menos importante questão da luta de classes. O taylorismo se arvora num contexto de recrudescimento do movimento operário no Estados Unidos. Conforme os levantamentos, o número de greves nos Estados Unidos chegou a inéditos patamares. Para além do que se chamou despotismo de fábrica, Taylor apresentava um ideário munido das necessidades de contenção dos movimentos operários. Em resumo, o “taylorismo é também uma resposta ao acirramento da luta de classes. Isso se confirma pelas inúmeras

indicações do problema e de como a ‘organização racional do trabalho’ implicaria a eliminação do conflito” (PAÇO CUNHA et. al., 2017, p. 16).

A conjunção desses fatores com aquele que posiciona o autor como um dos primeiros pilares do pensamento administrativo são as principais bases constitutivas do ideário do autor. A tentativa de transformar os problemas da produção em problemas de gestão talvez seja uma chave importante de análise para explicar porque dentre várias formas de lidar com o problema da produtividade na manufatura, o taylorismo desfrutou de tanta projeção. Ao sistematizar todos esses métodos oferecendo resultados que pudessem romper com o problema da crise e ao mesmo tempo oferecer uma resposta supostamente efetiva ao problema da luta de classes, o taylorismo se constituiu como uma das formas mais acabadas de gestão da cooperação e da manufatura.

Pode-se ler, em adição, que Taylor e seus seguidores ao atribuírem à gestão a resolução dos problemas práticos da produção, submetendo os problemas técnicos aos problemas de administração, “estavam, de certo modo, desenvolvendo menos as operações de manufatura, encontrando a ‘melhor maneira’ de realizar uma operação de usinagem determinada ou já estabelecida do que encontrar o processo da máquina menos dispendioso”(HOUNSHELL, 1984, p. 204, tradução nossa)33. Portanto, a mudança da base técnica sequer se torna uma questão mais central para o taylorismo. A questão é desenvolver a organização do trabalho ao máximo, e nesse particular, trata-se de uma expressão da própria subsunção real do trabalho. Como Paço Cunha et al. (2017) asseveraram, somente um setor menos desenvolvido como o de metalurgia poderia produzir um Taylor, pois as medidas de administração eram compatíveis com aquele baixo desenvolvimento técnico. Embora Taylor não estivesse alheio ao intenso movimento de acumulação do capital no século XIX, é possível compreender a gênese do taylorismo como expressão do movimento do capital em direção à monopolização na transição do século XIX para o XX, ainda que as preocupações de Taylor sejam, como visto, mais restritas.

O que se expressa de maneira mais extensa é a alavancagem da produtividade do trabalho sob as vestes da “prosperidade” e da “eficiência”. Em outras palavras, a “organização racional do trabalho” é resposta à acumulação; é uma forma de manifestação da acumulação. Não é por acaso que Taylor tenha dedicado esforços para, inclusive, realizar modificação nas ferramentas de trabalho (PAÇO CUNHA et. al., 2017, p. 11)

33“were, in a sense, sub optimizing manufacturing operations by finding the ‘one best way’ to perform a given or

already established machining operation rather than finding the least expensive machine process” (HOUNSHELL, 1984, p. 204).

Isso acontece porque o taylorismo está restrito a um método de gestão muito particular, não se estendendo a uma relação social de produção como a manufatura ou a grande indústria. Assim, articula-se como um método de organização do trabalho típico da cooperação ou da manufatura, mas não pode ser compreendido como sinônimo de um ou de outro simplesmente porque o taylorismo é um método, mas método de organização do trabalho. A cooperação ou a manufatura representam métodos de extração do mais-valor especificamente. Para demonstrar isso, consciente de todos esses elementos constitutivos do taylorismo, Moraes Neto argumenta que, com o taylorismo, “ao invés de subordinar o trabalho vivo através do trabalho morto, pelo lado dos elementos objetivos do processo de trabalho, o capital lança-se para dominar o elemento subjetivo em si mesmo” (MORAES NETO, 1988, p. 34), indo ao encontro da manufatura, guardadas todas essas condicionantes expostas acima. É preciso entender o taylorismo como um desdobramento da própria subsunção real do trabalho, pois as contínua desqualificação e intensificação são muito nucleares no taylorismo. Esses aspectos também fazem com que o mais-valor relativo se coloque em preponderância ao absoluto.

A alardeada apropriação de saberes resultante do taylorismo existe, mas é limitada. Moraes Neto destaca como o taylorismo está ligado ao estágio da manufatura (dominar o elemento subjetivo), mesmo após o capitalismo ter atingido o patamar da grande indústria em determinados setores. Sublinhe-se o domínio do princípio subjetivo aqui. Isto se explica porque “a imperfeição humana para movimentos uniformes e contínuos está no centro das limitações da forma taylorista” (MORAES NETO, 2003, p. 24). O taylorismo não é liderado por um progresso técnico, no sistema de máquinas, pelo princípio objetivo. Sequer seria exagero dizer que o taylorismo é uma forma característica da cooperação simples, tendo em mente que “a eficiência dos métodos tayloristas é maior quanto menos conteúdo tiver o trabalho manual” (MORAES NETO, 1987, p. 24). Evidentemente, isso não se dava por uma questão de vontade; as condições às quais estava inserido se impunham mais vigorosamente, de modo que por meio das “MFCN, a ‘redoma de vidro’ que o taylorismo não conseguiu destruir, que protegia os mecânicos qualificados, é mudada radicalmente de lugar” (MORAES NETO, 1987, p. 25)34. A regressividade técnica do setor mecânico, que tinha o torno mecânico como ferramenta básica no tempo de Taylor, somente inflexiona a partir da metade do século XX, com o controle numérico computadorizado, é um fator crucial. Mas é somente esse salto que promove uma, por assim dizer “apropriação de saberes”, definitiva. E aqui pode-se demarcar também como é

evidente o problema da intensificação do trabalho e isso não faz com que haja elementos suficientes para considerar o taylorismo como produto de um salto técnico.

A regressividade se expressa também nos princípios do próprio taylorismo: “dissociação do processo de trabalho das especialidades dos trabalhadores; separação de concepção e execução; utilização do monopólio do conhecimento para controlar cada fase do processo de trabalho e seu modo de execução” (MORAES NETO, 1988, p. 32-3). Em parte, isto se explica pelo descompasso de evolução de determinados setores.35 São exatamente princípios que preenchem o conteúdo das formas dependentes do princípio subjetivo anunciadas por Marx: a dependência do trabalho vivo e a divisão do trabalho como força motriz da produção. Os princípios tayloristas dão conta de resolver as questões impostas pela manufatura, na medida em que são “suporte para que o capital, por um lado, explora as particularidades do homem enquanto máquina, e por outro, aperfeiçoe os mecanismos de controle dos passos do trabalhador coletivo (...) mantendo o trabalho manual como base do processo de trabalho” (MORAES NETO, 1988, p. 41-46). A potencialidade e as limitações do taylorismo estão postas pela base técnica manufatureira. O taylorismo é um método de organização do trabalho que prima pela intensa desqualificação e intensificação da jornada de trabalho. É possível entende-lo certamente como expressão da extração do mais-valor relativo e da subsunção real, dado o estágio em que se encontra a divisão do trabalho e a parcelização dos opera´rios.

Existem inclusive esforços na tentativa de compreender o que foi a implementação do taylorismo no Brasil. Nas palavras de Antonacci (1993, p. 24), implementava-se o taylorismo nas duas primeiras décadas do século XX “ao dividir e especializar funções distribuir competências, hierarquizar e burocratizar decisões, desqualificaram os trabalhadores, prescindindo de seus conhecimentos na reorganização científica do trabalho”. Este ponto da argumentação é fundamental, pois como foi possível se verificar todos estes elementos listados fazem parte de um arcabouço taylorista, contudo o que está abstraído é justamente o elemento que particulariza o taylorismo como uma prática de gestão específica: o tipo de setor sob o qual

35 É necessário fazer uma ressalva nesse momento para indicar que o taylorismo já não poderia causar efeito tão

significativo no setor têxtil à altura do início do século XX pelo estágio mais avançado desse setor. Porém isso não pode ser generalizado. Como bem aponta Paço Cunha (2018) o desenvolvimento do setor têxtil no Brasil, em meados do século XX, ainda restrito em sua base técnica, observou a utilização de técnicas tayloristas para o avanço da produtividade em casos mais isolados do que gerais, de acordo com os registros disponíveis. Isso mostra como o avanço técnico respeita às condições de desenvolvimento particulares que apresentam um contraste entre uma economia mais solidificada (Inglaterra) e outra sensivelmente dependente de importações de maquinário e investimento externo (Brasil). Não seria razoável afirmar, peremptoriamente, portanto, que “o taylorismo não teve qualquer relevância em toda a evolução da indústria têxtil” (MORAES NETO, 2016). Em termos lógicos, o setor em tela descartaria o desenvolvimento de práticas tayloristas por ser já dominado pela maquinaria. Em termos empíricos, entretanto, é possível colecionar exemplaridades de tais práticas no setor têxtil ainda que não generalizadas.

ele foi forjado e no qual frutificou, o metalúrgico e mecânico. Isto é, se o taylorismo é uma tecnologia de gestão (para citar Faria, 2017), é porque responde a um patamar técnico específico (setores menos desenvolvidos). A caracterização de Antonacci não é falsa, tampouco incoerente, mas permite que se caracterize o taylorismo por meio de exacerbações, exageros.

O taylorismo é meio de racionalização do trabalho cooperativo ou manufatureiro, compensando as debilidades técnicas existentes nesses patamares tecnológicos. A acepção dada por Antonacci se aproxima muito da acepção mais hegemonicamente aceita do taylorismo, aquela oriunda do regulacionismo francês, mas aqui destacando-se os elementos mais afeitos à racionalização. Assim, é perfeitamente compreensível como a autora, no texto, entenda que aquele Brasil do início do século XX passava por um processo de taylorização: “seus princípios e normas foram difundidos e aplicados através de variados instrumentos e tecnologias, sob diversificadas formas, sem que perdessem o sentido básico: aprofundar a divisão do trabalho e resguardar o domínio patronal a partir de novas estruturas e relações de poder” (ANTONACCI, 1993, p. 42). Esta passagem simboliza de maneira muito clara, o que se perde de vista quando se abandona o aspecto setorial que caracteriza o taylorismo. A aplicação através de variados instrumentos ou tecnologias retira de cena os possíveis meios em que pode germinar o taylorismo, na medida em que o que importa é o efeito racionalizador. Certamente, o taylorismo não foi um pilar do desenvolvimento de setores de processo contínuo, e tornou-se obsoleto quando estes menos desenvolvidos atingiram um grau mais alto de desenvolvimento técnico. Mas nem por isto foi desimportante: tratou-se de uma solução da organização do trabalho para as formas ainda manufatureiras. Sem tratar diretamente de uma determinada evolução da base técnica, é uma categoria restrita para caracterizar uma mudança no processo de trabalho.

É interessante notar que, ao falar das aplicações do taylorismo no Brasil, Antonacci traz à tona um exemplo prático – a construção de quartéis sob a gestão de Roberto Simonsen no interior do Brasil na década de 1920 – todos os fundamentos já aludidos na seção anterior do texto aparecem cristalinamente: “a impossibilidade de maior mecanização nesse ramo, dependente do poder dos operários qualificados e sindicalizados, conduziu o patronato à administração científica, para, na reorganização do trabalho conforme suas regras e interesses, quebrar a autonomia dos trabalhadores” (ANTONACCI, 1993, p. 42). Essa descrição é muito claramente A construção civil trata-se de um setor tecnologicamente precário à época (não somente no Brasil) e essa experiência mostra a tentativa de levar às últimas consequências aquela base técnica regredida, por intermédio de uma maior desqualificação e intensificação do trabalho humano com a organização do trabalho.

No documento leandrotheodoroguedes (páginas 78-84)