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Adaptação à Transição: Contributos da Psicologia

Capítulo III. Fundamentos Teóricos de Enfermagem

III.3. Teoria de Médio Alcance das Transições em Enfermagem de Meleis

III.3.1. Adaptação à Transição: Contributos da Psicologia

Na linha de pensamento que temos vindo a seguir na abordagem dos modelos teóricos de enfermagem, consideramos também importante, no âmbito deste terceiro modelo focado nas transições em enfermagem (Meleis, 1975; 1986; 1994; 2000), explorar o processo de adaptação à transição. Os quadros de referência de outras disciplinas, nomeadamente a Psicologia, têm sido muito úteis à enfermagem pelo que se considerou uma mais-valia para a nossa investigação abordar o Modelo para Analisar a Adaptação Humana à Transição (Schlossberg, 1981).

Schlossberg (1981, p. 7) refere que “a adaptação à transição é o processo durante o qual o indivíduo deixa de estar preocupado com a transição, integrando a transição na sua vida”. No entanto, nem todas as pessoas experienciam as transições da mesma maneira, havendo umas que se adaptam mais facilmente do que outras. Para melhor compreender esta situação, Schlossberg (1981) apresenta um modelo para analisar a adaptação humana às transições onde descreve os fatores que mediam o processo de transição-adaptação (figura 6). Esta autora acredita que não é a própria transição que é de importância primordial, mas sim a forma como a transição se incorpora na vida da pessoa tendo em consideração toda a sua especificidade. No modelo constam três conjuntos de fatores que influenciam a adaptação à transição: i) características da transição; ii) características do ambiente antes e depois da transição; e iii) características do foro individual. Todos os

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conjuntos interagem entre si de forma produzir o resultado: adaptação ou incapacidade de adaptação (Schlossberg, 1981, p. 5).

Figura 6 – Fatores de Mediação do Processo de Transição-Adaptação

Fonte: Adaptado de Schlossberg (1981, p. 8)

Analisando a figura 6, as características da transição que afetam a adaptação são a mudança de papel social; os afetos desencadeados; a origem inerente à transição; o momento de ocorrência; o modo de ocorrência; a duração; e o grau de stress.

Em relação à mudança do papel social, muitas das transições envolvem mudança de papéis. Algumas mudanças envolvem ganhos (ser pai ou ser mãe, casar-se, começar a trabalhar) enquanto outras envolvem perdas (divorciar-se, reformar-se, enviuvar), embora todas elas sejam acompanhadas de algum grau de stress (Schlossberg, 1981).

Quanto aos afetos desencadeados, alguns tipos de transição como casar-se ou ter uma promoção no trabalho originam sentimentos positivos. Outras, como ficar desempregado ou divorciar-se são acompanhadas por sentimentos negativos. A maioria das transições desencadeia sentimentos negativos e positivos e envolve algum grau de stress. Schlossberg (1981, p. 9 citando LeMasters, 1957) refere que:

“o período após o nascimento do primeiro filho habitualmente constitui uma crise mental para a mãe na medida em que simultaneamente com os sentimentos de alegria e satisfação, a mulher está fisicamente exausta, ansiosa em relação às

79 responsabilidades, frustrada devido à perda de liberdade e, acima de tudo, sente-se culpabilizada por ter estes sentimentos negativos”.

A origem da transição pode ser interna ou externa. Considera-se interna quando resulta da decisão deliberada da pessoa facilitando a adaptação da pessoa. É externa quando a pessoa é obrigada por outra ou pelas circunstâncias pelo que a adaptação da pessoa é mais difícil. Schlossberg (1981, p. 9) refere que “a questão aqui é a perceção do controlo sobre a própria vida.”

Relativamente ao momento de ocorrência da transição, é habitual que muitas pessoas e a sociedade em geral ainda utilizem a idade cronológica da pessoa como um fator orientador para a ocorrência de certas transições como ter filhos ou reformar-se. As transições que sucedem «fora da sua hora» quer seja mais cedo ou mais tarde são mais difíceis de encarar e de resolver sob o ponto de vista adaptativo (Schlossberg, 1981).

O modo de ocorrência da transição pode ser gradual ou súbito. As transições cujo modo de ocorrência é gradual são mais fáceis de resolver/adaptar porque a pessoa pode preparar-se, ou seja, pode aprender os direitos e as obrigações, os recursos, assim como, analisar as diferentes perspetivas acerca da posição ou situação que vai ocupar no futuro. A isto, Atchley (1975, citado por Schlossberg, 1981, p. 9) denominou de “socialização

antecipatória” e “(…) explica porque é que uma viúva de 60 anos tem um tempo mais fácil

de ajustamento à sua situação do que a viúva de 30”.

Outro fator relacionado com a facilidade ou a dificuldade de adaptação às transições é a sua duração. Uma transição permanente é encarada de forma diferente daquela que é temporária. Do mesmo modo que se uma transição é desagradável é mais facilmente resolvida se tiver uma duração limitada, assim como, se uma transição é desejada pode ser reconfortante se representar um estado mais ou menos permanente. O ponto fundamental relacionado com este fator é a incerteza que é encarada como um foco de tensão capaz de gerar altos níveis de stress (Schlossberg, 1981).

A última característica da transição considerada neste modelo é o grau de stress envolvido na transição. Schlossberg (1981, 9) refere que “independentemente da transição representar ganhos ou perdas ou trazer sentimentos negativos ou positivos, existe sempre stress”. No entanto, reconhece que existem acontecimentos potencialmente mais geradores de stress do que outros dependendo da maior ou menor vulnerabilidade da pessoa à mudança. Este mesmo autor invoca a Escala de Reajustamento Social apresentada por Holmes & Rahe (1967) como uma das maneiras de classificar os acontecimentos de vida. Mede o stress relativo ao impacto de 43 acontecimentos de vida sobre as pessoas que os experimentam. Analisando a escala, a gravidez encontra-se na 12ª posição e a chegada de um novo membro da família na 14ª posição (Mendes, 2002). Tendo em consideração as

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visões dos autores, pode-se concluir que a gravidez e o nascimento de um filho são acontecimentos de vida potenciais geradores de stress.

Olhando agora para as características do ambiente antes e depois da transição, pode-se evidenciar: os sistemas de suporte e de relação interpessoal; os sistemas de suporte institucional; e o contexto físico.

Em relação aos sistemas de suporte e de relação interpessoal, Schlossberg (1981) considera a existência de três níveis: relações íntimas de natureza conjugal, família e relações de amizade. As relações íntimas que envolvem confiança, suporte, compreensão e partilha de confidências são um recurso importante durante as transições stressantes. A família continua a ser uma importante fonte de suporte. Os laços de coerência e a unidade que atravessa a vida familiar, dos quais interesses comuns, carinho, e um senso de interdependência económica são, talvez os pontos mais importantes na integração familiar e na adaptabilidade familiar. As relações de amizade nomeadamente aquelas que proporcionam conforto emocional são um importante sistema social de suporte.

Os sistemas de suporte institucional incluem organizações culturais e educacionais, instituições religiosas, serviços de voluntariado, organizações de ajuda, entre outros. Para este autor, o apoio institucional é importante na medida em que providencia a prestação de serviços concretos e fornece acompanhamento e suporte emocional (ibidem).

O contexto físico engloba as condições climatéricas, a localização (rural ou urbana), a vizinhança, os locais de trabalho e de lazer, entre outros. Todos estes fatores contribuem para o stress, sensação de bem-estar e perspetiva geral da pessoa e desempenham um papel importante na adaptação à transição (ibidem).

Finalmente, em relação às características do foro individual, Schlossberg (1981) apresenta as seguintes variáveis: género; idade; estado de saúde; educação e estatuto socioeconómico; valores; personalidade e competência psicossocial; e experiência prévia com transições de natureza semelhante.

A relação entre o género e a adaptação à transição é complexa embora seja reconhecido que as mulheres são mais sensíveis às transições relativas à família enquanto os homens às transições relativas ao trabalho. A autora considera que mais importante do que o género estão os aspetos relacionados com o processo de socialização ou as representações de género que estão habitualmente associadas a determinadas transições específicas. Schlossberg (1981) apresenta o exemplo das “mulheres que se conformam com o estereótipo feminino – dependente, passiva, desamparada – podem sentir-se em desvantagem na adaptação a situações que exigem delas, independência, assertividade e autoconfiança, nomeadamente no divórcio.”

A complexidade intrínseca à relação entre o género e a adaptação mantém-se em relação à idade. Uma das perspetivas apresentadas por Schlossberg (1981) reporta-se ao

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facto de existirem outras idades mais importantes do que a idade cronológica: idade psicológica (capacidade da pessoa responder à pressão social e às tarefas exigidas); idade social (grau de adequação da pessoa ao desempenho dos papéis atribuídos pela sociedade); idade funcional (capacidade da pessoa cumprir com o esperado de acordo com a sua faixa etária, o que, por sua vez, depende de considerações sociais, biológicas e de personalidade). Outra complicação apresentada por esta autora refere-se à circunstância de que o próprio processo de envelhecimento conduz a uma série de eventos que requerem adaptação da pessoa, como por exemplo, puberdade e menopausa (ibidem).

O estado de saúde da pessoa afeta a capacidade da pessoa se adaptar à transição e pode ser per si uma fonte de stress. Para a autora a saúde física será mesmo a variável mais suscetível de predizer o sucesso ou o fracasso adaptativo, pelo menos na velhice (ibidem).

Schlossberg (1981) considera que a relação entre a adaptação à transição e a

educação e o estatuto socioeconómico não é sempre consistente. Por um lado, as pessoas

que têm menos recursos não só têm menos dinheiro como têm menos acesso a outros recursos como a saúde, conforto, espaço social, etc. o que dificulta a adaptação. Por outro lado, o elevado estatuto educacional e socioeconómico relaciona-se com níveis elevados de stress, provavelmente devido ao não cumprimento das expectativas em termos práticos.

Os valores e as crenças da pessoa são fatores que afetam a sua capacidade de adaptação à transição. No entanto, esta relação não é simples na medida em que um sistema de valores contribui para a adaptação numa determinada fase da vida por tornar-se disfuncional noutra fase (ibidem).

Em relação à personalidade e competência psicossocial, Schlossberg (1981, p. 12) refere que “são várias as variáveis da personalidade e do comportamento que têm sido propostas para explicar o sucesso ou o insucesso na adaptação à transição”. Esta autora apresenta três facetas da configuração da personalidade que são geralmente apontadas como facilitadoras da adaptação: atitudes do eu; atitudes face ao mundo; e atributos do comportamento. As «atitudes do eu» relacionam-se com a capacidade de autoavaliação, o sentido de controlo sobre a própria vida e o sentido de responsabilidade. As «atitudes face ao mundo» prendem-se com o otimismo, a confiança moderada e a esperança. Os «atributos do comportamento» que originam um self competente incluem um estilo de coping ativo, elevado poder de iniciativa, definição realista de objetivos, capacidade de planeamento, persistência e esforço para atingir objetivos, capacidade para apreciar o êxito, capacidade para reconhecer as falhas e evoluir para novas realizações, procura e uso da informação e capacidade de planeamento (ibidem).

Em relação à experiência prévia com transições de natureza semelhante, a pessoa que conseguiu resolver e adaptar-se a uma dada transição no passado, está mais munido

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de estratégias para se adaptar com êxito a uma transição semelhante no presente quando comparada com outra pessoa que encara essa situação pela primeira vez (ibidem).

Este modelo apresenta a visão de que a adaptação à transição é um processo dinâmico onde os três fatores - características da transição, do ambiente antes e após a transição e do indivíduo – trabalham em conjunto dependendo a importância relativa de cada um deles do modo como influenciam a adaptação de aspetos como a fase da vida em que a pessoa se encontra ou a disponibilidade dos recursos de adaptação mais adequados a cada momento.

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Capítulo IV. Evolução dos Cuidados de Saúde Primários em

Portugal: uma Análise Focada nos Diplomas Legais

Notas Introdutórias

Este capítulo apresenta uma abordagem legislativa sobre a evolução do serviço nacional de saúde, assim como, dos cuidados de saúde primários e o seu papel na vigilância pré-natal. Apresenta, ainda, as estratégias e objetivos do Plano Nacional de Saúde (PNS) 2012-2016.