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Capítulo V. Vigilância Pré-Natal nos Cuidados de Saúde Primários

V.2. Vigilância Pré-Natal Adequada

De acordo com Zampieri et al. (2005) existem quatro requisitos para um acompanhamento pré-natal ser eficiente. O acompanhamento deve ser precoce (o primeiro contacto com a grávida deve ser durante o primeiro mês de gestação); periódico (a frequência do controlo pré-natal varia de acordo com os riscos qua a grávida apresenta, sendo que as de baixo risco necessitam de um número menor de consultas); completo (deve contemplar ações de prevenção, promoção, recuperação e reabilitação de saúde); e ter uma ampla cobertura (quanto maior a percentagem de grávidas com um acompanhamento pré-natal, maior o impacto na redução da morbidade e mortalidade materna e perinatal).

Outros autores apresentam diferentes formas de avaliar a adequação do cuidado pré-natal como é o caso de Kessner & colaboradores (1973). O Índice de Kessner (quadro 7) é um indicador amplamente utilizado nos Estados Unidos da América que permite medir a adequação do cuidado pré-natal, pese embora não seja capaz de medir a qualidade do cuidado nem tenha em consideração o risco relativo de complicações para a gestante. Usando este índice, no ano de 2000, 12% das mulheres norte-americanas receberam cuidado pré-natal inadequado, sendo que as principais razões apontadas foram:

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identificação tardia da gravidez pela mulher; falta de recursos económicos ou de cobertura para esse tipo de cuidados; e impossibilidade de marcar a consulta (Cunningham et. al, 2012, p. 190).

Quadro 7 – Critérios do Índice de Kessner Cuidado Pré-Natal Adequado

Consulta Inicial no Primeiro Trimestre e:

Semanas Consultas no Período Pré- Natal 17 e 2 ou mais 18-21 e 3 ou mais 22-25 e 4 ou mais 26-29 e 5 ou mais 30-31 e 6 ou mais 32-33 e 7 ou mais 34-35 e 8 ou mais 36 ou mais e 9 ou mais

Cuidado Pré-Natal Inadequado

Consulta Inicial no Terceiro Trimestre ou:

Semanas Consultas no Período Pré- Natal 17-21 e Nenhuma 22-29 e 1 ou menos 30-31 e 2 ou menos 32-33 e 3 ou menos 34 ou mais e 4 ou menos Cuidado Intermediário

Todas as Demais Combinações

Fonte: Adaptado de Cunningham et al. (2012, p. 191)

Ainda relacionado com este assunto, é pertinente analisar o estudo, elaborado por Delvaux, et al., (2001), desenvolvido em dez países europeus (incluindo Portugal) e que teve como finalidade identificar as barreiras aos cuidados pré-natais na Europa. Os resultados evidenciam que a falta de seguro de saúde é um importante fator de risco para o pré-natal inadequado. O pré-natal inadequado foi caracterizado por mulheres jovens (idade < 20 anos); solteiras; estrangeiras; com um nível de instrução baixo; e com uma gravidez não planeada.

Nesta linha de pensamento, optamos por analisar um estudo desenvolvido em Portugal, que pretendeu relacionar a utilização dos cuidados pré-natais com a mortalidade perinatal e infantil (Barros & Tavares, 1998). Os autores recolheram os dados através da realização de um questionário a 1582 mulheres 24-48h após o parto, em 41 hospitais públicos, agrupados em 19 distritos de residência das mulheres. Como forma de enunciar a adequação dos cuidados pré-natais utilizaram o Adequacy of Prenatal Care Utilization Index (APNCU Index) que estabelece quatro níveis de adequação: inadequado; intermédio; adequado e adequado plus. O cuidado inadequando é definido como aquele que é iniciado após o 4º mês de gestação ou que apresenta menos de 50% das consultas

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recomendadas12. Os autores também definiram «nenhum cuidado» quando a mulher não teve nenhuma consulta durante a gravidez e «cuidado tardio» quando o cuidado pré-natal iniciou-se após o primeiro trimestre. Nesta amostra, a mediana do número de consultas pré- natais foi 8, variando de 0 a 30. Globalmente, 2.7% das mulheres não tiveram nenhum cuidado e 18% iniciaram os cuidados pré-natais após o primeiro trimestre de gestação; 15.3% tiveram cuidado inadequado, 38,9% cuidado adequado e 13.7% cuidado adequado plus. Os resultados obtidos mostraram a existência de diferenças significativas da utilização dos cuidados pré-natais entre os distritos de Portugal, que estatisticamente se correlacionam com as taxas de mortalidade perinatal e infantil desses mesmos distritos. A mortalidade perinatal e infantil encontra-se estatisticamente correlacionada com a proporção de mulheres sem nenhum cuidado. As mulheres sem nenhum cuidado são solteiras, primíparas e com uma gravidez não planeada (Barros & Tavares, 1998).

Um estudo mais recente (Lunet et al., 2008) veio quantificar a associação entre a adequação dos cuidados pré-natais e a prevalência de utilização de ácido fólico, ferro e vitaminas durante a gravidez. Para tal, foram questionadas 836 mulheres 24-72h após o parto em dois hospitais públicos do norte de Portugal relativamente a características sociodemográficas, utilização dos cuidados pré-natais, complicações durante a gravidez e utilização de suplementos vitamínicos/minerais. A adequação do cuidado pré-natal, neste estudo, utilizou o Adequacy of Prenatal Care Utilization Index (APNCU Index). Os resultados comprovam que a adequação dos cuidados pré-natais é uma determinante importante da utilização de vitaminas/minerais durante a gravidez (Lunet et al., 2008).

Estes estudos evidenciam que os cuidados pré-natais adequados são importantes para a redução das taxas de mortalidade perinatal e infantil, pois de certa forma é por frequentarem as consultas que as mulheres adotam comportamentos adequados, como por exemplo, a toma do ácido fólico, e onde são detetados precocemente complicações.

No entanto, a satisfação das mulheres com os cuidados pré-natais é também um fator a ter em consideração, pois as mulheres que se encontram satisfeitas com os cuidados pré-natais têm uma maior tendência para aderirem ao número recomendado de consultas neste período (Handler et al., 1996). Este facto é importante dado que quando a vigilância pré-natal é adequada existem menos complicações na gravidez e uma maior adesão aos cuidados, nomeadamente, a ingestão dos suplementos vitamínicos.

Handler et al. (1996) referem que a satisfação das mulheres relaciona-se com a relação estabelecida com o profissional de saúde que a acompanha, dado que vem de encontro ao mencionado por Meleis et al. (2000), ao considerar que a continuidade na relação entre o profissional de saúde e a pessoa é fundamental para que esta se «sinta ligada» aos cuidados de saúde. Handler et al. (1996) vai mais além, ao constatar que a

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maioria das mulheres desejam ser acompanhadas pelo mesmo profissional de saúde ao longo de toda a gravidez, preferindo alterar as consultas quando o seu profissional está ausente em vez de serem consultadas por outro. Algumas grávidas preferem o atendimento por um profissional de saúde do género feminino por sentirem maior empatia com estas relativamente à experiência da gravidez (ibidem).

Os aspetos dos cuidados que afetam a satisfação das mulheres em relação aos cuidados são considerados como a «arte do cuidar». A qualidade na interação e comunicação com o profissional de saúde aparenta fazer a diferença na satisfação das mulheres, sendo este o elemento essencial no cuidado pré-natal ideal apresentado pelas mulheres. Neste sentido, as mulheres esperam ser tratadas com respeito, e compreensão pelas suas experiências pessoais. Enfatizam a importância da explicação dos procedimentos; de obterem resposta às suas questões; de serem questionadas acerca do seu estado de saúde e emocional, e que o seu tempo seja cumprido, isto é, cumprimento com a hora da consulta evitando tempo de espera. Esperam, ainda, que os profissionais de saúde tenham em consideração situações especiais, nomeadamente quando chegam 5 minutos mais tarde ou quando vêm acompanhadas com filhos mais velhos (Handler et. al, 1996).

Os resultados deste estudo também demonstraram que os fatores que motivam as mulheres a frequentar as consultas pré-natais são a crença de que os cuidados influenciam a saúde do bebé e a importância de ouvir os batimentos cardíacos fetais como forma de confirmar a saúde do bebé e como forma de estabelecer a ligação com o feto em desenvolvimento (Handler et. al, 1996). No que diz respeito ao conteúdo educativo das consultas as mulheres esperam obter informação acerca das alterações corporais; testes e procedimentos nos cuidados pré-natais, e sobre o parto e nascimento. Referem, ainda, a importância de lhes ser dada a oportunidade de falarem umas com as outras e de grupos de suporte.

V.3. Cuidados de Enfermagem na Vigilância Pré-Natal na Unidade de