Capítulo VII. Apresentação, Análise e Interpretação dos Dados
VII.1. Vivência da Gravidez
A dimensão “Vivência da Gravidez” foi estruturada com base nas seguintes categorias: “Sentimentos/Emoções Associados à Gravidez” e “Experiência da Gravidez”.
Da análise relativa à categoria “Sentimentos/Emoções Associados à Gravidez” foram identificadas duas subcategorias: “Sentimentos/Emoções Positivos” e “Sentimentos/Emoções Negativos”.
No que diz respeito aos sentimentos/emoções positivos associados à gravidez verificamos que os sentimentos: “tranquilidade”, “felicidade” e “alegria” foram os mais apontados pelas grávidas:
“(…) felicidade, muita felicidade, claro era uma coisa que eu queria e estava super feliz (…).” (E1);
“Vivi a gravidez de uma forma muito tranquila, não tive grande stress mesmo em relação ao parto (…).”; “Senti-me como se fosse muito especial.”; “Foi uma fase muito harmoniosa.” (E3);
“A gravidez foi a realização de um sonho… no fundo sentia-me abençoada.” (E6); “Felicidade, não sei, aquilo é uma variação de sentimentos.” (E7);
“A partir desse momento [gravidez] tudo muda porque basta que o teu filho ou filha exista que te faz feliz constantemente (…).”; “É mesmo difícil expressar porque é quase como se nunca ninguém tivesse inventado as palavras.” (E8);
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Como se depreende dos excertos, as participantes no estudo associam o estado de gravidez a um período em que vivenciaram sentimentos de grande felicidade. Algumas reconhecem que são sentimentos emocionalmente muito positivos mas nem sempre explicáveis, considerando a gravidez uma bênção e um ato divino.
Ainda relacionado com esta subcategoria, questionámos as mães acerca dos momentos mais felizes durante a gravidez. Estes são, maioritariamente, referentes à realização dos exames médicos (ecografias e auscultação dos batimentos cardíacos fetais) e à perceção dos movimentos fetais. Ilustram estas ideias os seguintes excertos de discursos:
“Um dos momentos mais felizes foi quando fiz a primeira ecografia… ver e sentir o bebé acho que são as melhores coisas… também a fase de comprar as coisinhas, são coisas agradáveis…. (E2);
“Eu acho que um dos momentos mais feliz é quando o bebé mexe, aquela sensação de sentir a mexer, de sentir a barriga a crescer e sentir que realmente tem alguma coisa lá dentro e está vivo, acho que é a parte mais positiva da gravidez.” (E3); “O momento mais feliz da gravidez foi quando o vi na primeira ecografia… era um
pontinho mas quando se começou já a ver qualquer coisa do formato do bebé foi o momento mais feliz.” (E6);
“Foi quando ouvi o coração.”; “Foi a primeira ecografia, ouvia-se logo o coração, via- se um bocadinho logo do formato do bebé.” (E7).
Pode-se, pois, depreender que a realização de exames e a perceção dos movimentos fetais constituem momentos propícios à criação de um laço afetivo entre a mãe e o bebé tranquilizando-as em relação ao estado de saúde do bebé.
O parto/nascimento e o primeiro contacto com o bebé, também foram considerados um dos momentos mais felizes:
“Eu recordo o momento em que ela nasceu, sem dúvida nenhuma. Quando a puseram em cima da barriga foi muito bom… uma felicidade enorme.” (E8);
“Ai quando ele nasceu… mas os momentos das ecografias eram muito bons. Quando ouvi o batimento do coração, quando a primeira vez ouvi foi uma batida.” (E9);
“Foi quando ele nasceu. Acho que foi a emoção toda a sair e pronto até chorei e tudo ao fim.” (E10).
Quando as entrevistadas se pronunciaram sobre os sentimentos/emoções negativos associados à gravidez verificamos que a “preocupação”, o “medo” e a “ansiedade” foram os sentimentos/emoções a que mais se referiram:
128 “Uma confusão de sentimentos. É muita coisa ao mesmo tempo e havia dias bons e
dias maus.” (E5);
“Senti-me bastante ansiosa… automaticamente e constantemente pensas nela e que estás grávida e vais ter um bebé e é a tua filha e por isso há mil e uma preocupações na cabeça.” (E8);
“Muita ansiedade… eu queria conhecê-lo mas estava com aquele receio “será que vou chegar ao fim, será que não”….” (E10).
Destes discursos fica patente a existência de uma confusão de sentimentos nos quais o medo, a ansiedade, a dúvida e a insegurança se misturam dando lugar a sentimentos ambivalentes que podem ser situados entre o desejo e o receio da gravidez.
Esta ambivalência discursiva é expressa nos seguintes depoimentos:
“Eu desejava muito, mas ao mesmo tempo tinha muito medo… medo de saber se era capaz.”; “… medo do futuro… vivia a felicidade de estar grávida mas andei sempre preocupada em relação a tudo, neste momento como está o país.” (E2);
“Foi uma criança desejada, mas houve momentos de grandes inseguranças… “criar uma criança…” e começava a chorar.” (E4);
“Alegria, medo, expectativa e medo do futuro, mesmo muito medo do futuro, medo que é um projeto de vida a dois e que depois não é… tem o G. que é a três agora… mas se ia dar certo se não, a incerteza, se era perfeito… os receios normais.” (E9).
Os sentimentos manifestados estão relacionados não só com aspetos físicos e psicológicos, mas também com a situação futura, nomeadamente no que respeita às alterações na vida conjugal e familiar.
Por sua vez, os momentos mais difíceis estão relacionados com as complicações obstétricas que ocorreram durante a gravidez associadas ao medo de causar danos ao bebé, incluindo o risco de aborto, como referem algumas entrevistadas:
“Estive muito mal mesmo no início. Eu tive uma ameaça de aborto, essa foi uma fase um bocado… fiquei um bocadinho preocupada.” (E2);
“A amniocentese foi um momento difícil porque ouvi o médico a dizer “o teu filho pode ser deficiente por causa da trissomia 21”. Fiquei sem ação.” (E4);
“O momento mais difícil foi quando tive de ficar internada com risco de hemorragia. Pensar que podia perdê-lo foi a pior coisa.” (E5);
“…realmente foi o pior momento porque quando eu saí eles [equipa médica hospitalar] puseram nas minhas mãos decidir se fazia a amniocentese e podia perder
129 o bebé porque tinha bastante risco ou então podia arriscar e podia ter um bebé com algum problema. Pronto, e foi o pior momento.” (E6);
“Se calhar o parto… chegou uma certa altura que a bebé devido a… ficou com o cordão umbilical ao pescoço, aí acho que foi a parte pior.” (E7);
“Às 36 semanas disseram [equipa médica do hospital] que o meu bebé tinha um percentil de 18. Não te explicam porquê, o que é um percentil no fundo, não é? Fiquei um bocado assustada e passei-me, senti-me completamente abandonada…” (E8); “Eu acho que os três primeiros meses foram os piores porque enquanto não passava
aquela fase dos três meses que é aquela mais complicada…”; “Até saber que estava tudo bem, lá está os primeiros três meses.” (E10).
Estes depoimentos revelam que os momentos mais difíceis estão, sobretudo, associados ao desconhecido que a gravidez representa, por um lado, e, por outro, ao confronto com situações novas que lhes exige uma tomada de decisão para as quais não se sentem devidamente esclarecidas, como é o caso da amniocentese.
Quanto à caracterização da experiência da gravidez, os dados evidenciam que as alterações corporais e os desconfortos da gravidez influenciam diversas dimensões na vida da mulher, nomeadamente a nível pessoal, familiar, social e no trabalho.
Os discursos das entrevistadas evidenciam que a história obstétrica anterior da mulher influencia a gravidez atual, especialmente a nível psicológico e emocional:
“Tive um aborto e então tinha sempre aquele receio… será que estou grávida? A ansiedade era tanta, tanta, tanta que eu fiz vários testes de gravidez.”; “Foi uma experiência espetacular, vivida sempre com medo, com receio de que algo possa acontecer….”; “Vivi cada momento, claro, mas sempre com medo até ao fim.”; “…foi mesmo o receio e só depois do momento em que o vi é que tudo isso se apagou….”; “Tive mesmo muito medo que algo corresse mal, que se voltasse a repetir.” (E1).
Relativamente às alterações corporais e desconfortos associadas à gravidez, os dados evidenciam reações positivas e negativas, como podemos analisar:
“Estar grávida… eu senti-me assim um bocado incomodada. Sou sincera. O peso, isso tudo…”; “Eu sou sincera, quando a tive senti-me um bocado aliviada em termos de calma, de sentir assim… em termos físicos e isso tudo me incomodou um bocadinho.” (E2);
“Eu gostei muito de estar grávida, apesar das transformações todas no corpo e das hormonas todas aos saltos como se costuma a dizer, eu gostei muito de estar grávida, foi muito giro…” (E3);
130 “…então depois dos 6 meses para a frente então foi a melhor fase, até pela barriga
grande eu adorei, adorei. O último trimestre foi o melhor para mim.” (E10).
Através da análise dos discursos, verifica-se que algumas entrevistadas encararam as alterações corporais como sendo naturais e transitórias, o que tornou a experiência da gravidez tranquila. Outras, porém, admitiram que as alterações corporais foram demasiado incomodativas. Estes sentimentos contribuem para desmistificar a ideia de que a gravidez é sentida como um “estado de graça” para todas as mulheres.
Algumas entrevistadas referem também que as alterações corporais e desconfortos experienciados durante a gravidez influenciaram a sua rotina social e profissional:
“Comecei com contrações muito cedo, contrações não dolorosas mas sempre a barriga muito dura, tive de deixar de trabalhar às 31 semanas que é bastante cedo mas teve mesmo de ser.”; “…é mais difícil trabalhar grávida, com mais 10-15kg em cima trabalhar não é fácil.”; “Tive muita dificuldade na mobilidade no final da gravidez.” (E3);
“Tive um descolamento [placenta] e então depois tive 2 meses e tal, quase 3 meses de repouso. Depois entretanto estava com muitas limitações, não podia andar de carro….”; “…deixei de conviver com as pessoas que convivia normalmente porque estava limitada a estar em casa….”; “Limitou-nos obviamente porque éramos pessoas [casal] que gostávamos muito de sair e passar férias.” (E6);
“A partir de uma certa altura sabia que o meu desempenho [no trabalho] não era igual porque o peso que fui adquirindo começou a limitar-me um bocado nos movimentos e tinha medo de colocar o meu filho em risco….” (E9).
Como podemos constatar o desconforto que pareceu dificultar a realização das atividades diárias da mulher a nível social e do trabalho foi o aumento de peso e do volume da barriga e consequentemente a dificuldade na mobilidade. No entanto, algumas entrevistadas não sentiram nenhuma alteração a este nível como podemos verificar através do exemplo:
“Também não apresentei uma barriga muito grande… consegui fazer tudo, mesmo em casa, no trabalho, ou seja, nunca tive impedimento de fazer nada devido à gravidez, por isso a vida que eu levava continuei a levar.” (E2).
As entrevistadas evidenciaram, ainda, outros desconfortos associados à gravidez como: “edemas dos membros inferiores”, “azia”, “cansaço” e “alterações do sono”.
131 “A meio do 2º trimestre comecei a dormir muito mal, não tinha cãibras mas considerava as pernas pesadas, era falta de magnésio. Os comprimidos de magnésio resultaram então facilitou-me.” (E3);
“…ficava assim com os pés muito inchados.” (E4);
“Os primeiros 5 meses foram mais complicados enquanto as tensões andavam muito baixas. Andava sempre a ir para o hospital….”; “Tinha muitas dores, não conseguia estar sentada, tinha de estar de pé….”; “No início tinha enjoos e muita azia, muita azia mesmo.” (E5);
“Houve algum desconforto conforme a barriga foi crescendo a nível de coluna e assim mas só aquilo que até foi mais foi a azia que não tinha, nos últimos tive bastante.” (E7);
“Muito soninho, muito cansaço… coisas assim, cansaço só.” (E9).
Em síntese, os dados relativos à primeira dimensão Vivência da Gravidez deixam claro que se trata de um período marcado por sentimentos ambivalentes onde a felicidade e o desconhecimento (desejo, felicidade/medo e insegurança…) convivem, e competem, par a par até ao fim.