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5 ENSINAMENTOS E REPERCUSSÕES NA FORÇA TERRESTRE BRASILEIRA O estudo do conflito das Falklands / Malvinas coloca-nos diante do que, nos

5.3 O ELEMENTO HUMANO

5.3.3 Adequação de uniformes e equipamentos

Outro aspecto aparentemente simples, mas que se revelou de grande importância foi a necessidade de adequação do fardamento às características do terreno e do clima da área de operações. O equipamento e o uniforme argentinos, mesmo sendo de boa qualidade, não se comparavam aos britânicos234. A maior parte da tropa argentina estava em muito piores condições de conforto por ter que defender o terreno desde tocas235 ou instalações improvisadas, sem uma adequada proteção térmica. Essa situação era ainda agravada pelo precário apoio logístico.

Verificou-se que, além de enviar para o teatro de operações pessoal que não estava acostumado e/ou adestrado para o tipo de terreno e clima do arquipélago das

Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais (EsAO) ou da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME).

234 Palavras de um ex-soldado do Exército Argentino: “[...] eu, no corpo, não tinha frio, mas porque

tinha dois uniformes de verão, um sobre o outro. Essa roupa estaria boa para ir e voltar na semana seguinte [...] A roupa que nos deram nunca poderia servir para três meses, muito menos com o inverno já em cima. Diferente, os garotos da Infantaria da Marinha [argentinas] estavam bem equipados, tinham boa roupa [...]” (Kon, 1982: 20). Anderson (2002: 69) concluiu que o problema do uniforme argentino não era a qualidade, mas o fato de estarem sempre molhados.

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Se por um lado o solo macio facilitava a escavação dos abrigos individuais e trincheiras (típicos de uma posição defensiva), a sua elevada porosidade ocasionava o chamado “efeito esponja”: pela fácil e elevada absorção da água gelada das freqüentes chuvas, as posições escavadas estavam permanentemente molhadas, acentuando o desconforto e insalubridade.

Falklands / Malvinas, o tipo de uniforme e calçados distribuídos à tropa terrestre argentina não eram os mais adequados.

No Exército Brasileiro à época do conflito, além de não haver uma padronização do material para confecção dos uniformes em uso (necessária tanto por uma questão de controle de qualidade como pelo aspecto de homogeneização), não havia adequação à diversidades de clima e aspectos fisiográficos encontrados nas diferentes regiões do Brasil. Do calor úmido da Amazônia ao frio do Sul gaúcho, passando pela secura e aspereza da caatinga nordestina, os uniformes eram confeccionados com o mesmo tecido e feitio, ainda recendendo à década de sessenta e, em alguns casos, à II Guerra Mundial. O fato de essa necessidade de adequação também estar mencionada na parte final do estudo realizado pelo EME (Brasil, EME, 1982: 110), leva-nos a associar as mudanças nos uniformes do Exército Brasileiro, determinadas pelo General Leônidas, ainda no primeiro ano de sua gestão como Ministro do Exército, aos ensinamentos do conflito anglo-argentino.

Nasser (2007: 18), estudando a evolução da indumentária do Exército Brasileiro no final do século XX, menciona uma “acentuada preocupação dos chefes militares em melhor padronizar as peças de fardamento utilizadas pelos integrantes do EB. [...] adequando-os às novas necessidades do combate moderno”. Esse mesmo autor assinala que, no início da década de 1980, apesar do feitio das peças e suas cores serem padronizados, os tecidos e materiais utilizados variavam em tonalidade e qualidade. Não existia um “uniforme operacional”: havia o chamado “uniforme de instrução”, de brim (algodão) verde-oliva, semelhante ao utilizado pelos argentinos naquela mesma época. Poucas organizações militares, de elite ou especializadas, utilizavam uniformes camuflados (mistura de cores com o objetivo de dificultar a localização de um militar progredindo no terreno), em dois tipos: “brotoeja e manchado” – como eram popularmente chamadas as padronagens existentes.

Assim, em 1985, o general Leônidas determinou a criação de uma “Comissão para Revisão do Equipamento de Uso Individual do Exército Brasileiro”, presidida pelo Chefe do Departamento geral de Serviços. Ela deveria elaborar um plano para dotar o Exército de “uniformes que atendam, entre outros, os requisitos de funcionalidade, simplicidade, durabilidade, estética e menor custo de confecção.”236

Dos trabalhos dessa comissão surgiram um novo regulamento de uniformes (RUE –

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Regulamento de Uniformes do Exército) e, na área operacional, o denominado “Equipamento Individual EB-FT 90”.

O Ministro determinou também ao EME que, com o apoio dos adidos militares, coletasse regulamentos de uniformes de diversos países, para dali se coletar as melhores idéias. Mais tarde, foram trazidos também fardamentos, para observação e estudo dos materiais utilizados. Adicionalmente, deveriam ser observadas as peculiaridades / necessidades nacionais.

Nasser (2007: 113) ressalta que uniformes adequados ao terreno, confeccionados com materiais de qualidade, de feitio confortável, além de concorrerem para o fortalecimento do espírito de corpo das tropas que os usam, contribuem para a operacionalidade, a disciplina e o moral dessas tropas.

A citada Comissão coletou ainda sugestões na “ponta da linha” (os futuros usuários – oficiais e praças), por meio dos Comandos Militares. Uma vez definidos os novos trajes e as eventuais mudanças naqueles que permaneceriam, foram adquiridos mecanismos sofisticados para o controle de qualidade do material de confecção dos novos uniformes, para uso pelos órgãos de suprimento da Força Terrestre. (Gonçalves, 2010)

A primeira edição do “Novo RUE” ainda manteve o uniforme na cor verde, embora tenha adotado o camuflado de padronagem rajada (em substituição aos antigos “brotoeja e manchado”), inicialmente para as organizações militares da Amazônia. Adotava-se o “uniforme operacional” (padrão verde ou camuflado) para as atividades de instrução e de combate, em substituição ao velho “uniforme de instrução”.

As principais alterações apresentadas foram: padronização detalhada de tecidos, cores e tons; adoção do camuflado (com um tecido mais leve e resistente), coturno de lona e boina (estes últimos, com cores variadas); previsão de uniformes e acessórios para atividades peculiares (caatinga, selva, montanha e tropas blindadas, mecanizadas e de aviação); reativação do traje de gala (preto, de posse não obrigatória); regulamentação de agasalhos contra o frio237; complementação dos uniformes femininos; e homologação de trajes históricos.

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Nasser (2007: 73) registra uma curiosidade ligada ao nosso tema de trabalho, ao tratar de um tipo de jaqueta de nylon (impermeável e camuflada), para uso em campanha, muito popular e utilizada no Exército nos anos que se seguiram ao Conflito das Falklands / Malvinas, até a edição do “Novo RUE”. Adquiridas no comércio pelos militares interessados e não reconhecidas pela Instituição, eram muito

O Boletim Informativo do EME de 1990, publicado em 31 de janeiro de 1991, trazia um apanhado das realizações no âmbito da FT-90, uma vez que atingira-se o horizonte temporal estabelecido para aquele projeto. Consta ali: “É preciso acreditar que as realizações obtidas foram todas compreendidas dentro de um período de profundas transformações na ordem, política, social e principalmente econômica do país, às quais, imperativamente, o Exército teve que se ajustar [grifo nosso].”

Em 1990 e 1991 houve o contingenciamento de boa parcela dos recursos e a sua liberação tardia veio a prejudicar a execução do planejamento, inclusive porque a inflação retornara, reduzindo o poder de compra à medida que se retardavam as aquisições.

Chega-se ao final desse capítulo, onde foram verificados os principais ensinamentos de interesse para a Força Terrestre Brasileira extraídos do conflito das Falklands / Malvinas.

É oportuno lembrar, nesse ponto, o objetivo principal da pesquisa: verificar até que ponto o Exército Brasileiro implementou mudanças organizacionais e/ou doutrinárias, decorrentes do estudo do desenrolar e desfecho da Guerra das Falklands / Malvinas.

Cabe ressaltar a importância de dois documentos encontrados durante a pesquisa, atestando que o Alto Comando do Exército Brasileiro esteve atento ao desenrolar da guerra e ciente da importância de estudá-lo para benefício próprio: a Nota Ministerial No 009, de 08 de junho de 1982, e o decorrente “Estudo Histórico- Doutrinário sobre a Guerra do Atlântico Sul” (Brasil, EME, 1982).

Restava, todavia, comprovar se – e em que medida – os ensinamentos observados tiveram efetiva repercussão em território brasileiro (especificamente no Exército), objetivo que consideramos ter alcançado.

Tenta-se, no quadro abaixo, resumir os principais ensinamentos verificados, juntamente com o alcance / profundidade dos reflexos observados.