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5 ENSINAMENTOS E REPERCUSSÕES NA FORÇA TERRESTRE BRASILEIRA O estudo do conflito das Falklands / Malvinas coloca-nos diante do que, nos

5.1 PLANEJAMENTO, OPERAÇÕES CONJUNTAS E LOGÍSTICA 1 Planejamento, Inteligência e decisão

5.1.2 Integração das Forças Armadas

Não exigir o cumprimento da Doutrina Conjunta [...] é injustificável na guerra moderna, na qual os objetivos só podem ser alcançados com eficácia mediante a ação conjunta das Forças Armadas.

Essa falha, extraída da parte final do Relatório Rattenbach, foi imputada aos comandantes de cada força armada argentina e deixa patente a necessidade da intensificação do adestramento para operações combinadas, decorrente do fato de que os componentes terrestre, naval e aéreo são interdependentes, desde o tempo de paz.

Hastings; Jenkins (1983: 322-323) afirmam que a estrutura de comando militar argentina estava dominada pelos requerimentos da guerra contra-insurgência e mal adaptada para a condução de operações combinadas, por ter se desenvolvido através de gerações de rivalidade entre os serviços: “As recriminações entre os serviços impediam uma cooperação efetiva.”

Isso, entretanto, não teria sido exclusividade argentina. Middelbrook (2001: 395-398) também aponta sua ocorrência entre os britânicos, atrapalhando o planejamento e desenvolvimento das operações e tendo sido um dos fatores que conduziram ao desastre de Bluff Cove. “Do começo ao fim, a 5ª Brigada foi vítima dos arranjos ad hoc. Parece menos surpreendente a ocorrência do desastre do Galahad [em Bluff Cove] do que a não ocorrência de algo muito pior no flanco Sul.” (Hastings; Jenkins, 1983: 320)

O planejamento de uma operação anfíbia (como a de San Carlos e, quatro décadas antes, a da Normandia) é intrinsecamente trabalhoso e complicado, devendo ser acompanhado de um planejamento paralelo das operações subsequentes, o que não teria ocorrido na operação de retomada do arquipélago. Estas, predominantemente terrestres, estariam a cargo do general Moore, que só chegaria ao arquipélago após o desembarque, com a 5ª Brigada. O que se viu foi que, tão logo se desembarcou, começaram as pressões (políticas, de Londres) por movimento em terra e foi isso que levou ao ataque “apressado” a Goose Green / Pradera Del Ganso179. (Summers Jr, 1984: 68-69)

Desde a década de 1940 não se visualiza mais a ocorrência de conflito exclusivamente terrestre, aéreo ou naval (nessa guerra foi verificada a presença de elementos das três Forças). Entretanto, sua integração só será possível se, desde o tempo de paz, as Forças Armadas forem organizadas, preparadas e adestradas para o emprego conjunto. Isso envolve o conhecimento mútuo das doutrinas de emprego, além da máxima padronização de equipamentos, uniformes, procedimentos, nomenclaturas e termos militares comuns, respeitando-se as peculiaridades inerentes a cada força. A importância disso, verificamos, estava também mencionada na parte final do estudo realizado pelo EME. (Brasil, EME, 1982: 110)

No tocante à necessidade de doutrina e adestramento adequados para operações conjuntas, a situação brasileira, na década de 80, não era muito diferente da argentina. Apesar do reconhecimento pelos militares brasileiros da importância da integração das diferentes Forças Armadas em presença num Teatro de Operações remontar à II Guerra Mundial (data de 1946 a criação do Estado-Maior das Forças Armadas - EMFA), somente a partir de 1999, com a implantação do Ministério da Defesa – MD, a questão ganharia o tratamento adequado em nosso país.

Apesar de já haver no Brasil há tempos todo um arcabouço doutrinário, as Forças Armadas brasileiras careciam da já mencionada padronização (mínima que fosse) dos diversos aspectos supramencionados, de uma maior integração das

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A premência pelo ataque a Goose Green / Pradera Del Ganso pode ser analisada sob o prisma da tríade Clauzevitziana (povo – governo – exército): tão importante quanto o resultado / efeito tático da neutralização e ocupação daquela área, uma vitória naquele momento asseguraria a manutenção do apoio popular, que, àquela altura, estaria sendo minado pelo afundamento dos navios britânicos pelos argentinos. (Summers Jr, 1984: 72)

escolas militares, particularmente as de altos estudos (ECEME, ECEMAR, EGN e ESG), e, finalmente, da realização mais frequente de exercícios de adestramento conjunto.

Cabe aqui uma breve análise de por que tardariam cerca de duas décadas para que fossem tomadas medidas efetivas no Brasil para a integração sinalizada na Guerra das Malvinas (e em todos os conflitos bélicos desde a II Guerra Mundial).180 Esse tema, tomado de per si, certamente comportaria um trabalho bem mais extenso e profundo – talvez outra tese de doutorado. Desse modo, restringir-nos- emos a identificar o [histórico] problema de difícil integração das doutrinas de emprego das Forcas Armadas brasileiras.

Buscando acompanhar o ritmo das inovações tecnológicas, elas evoluíram estrutural e doutrinariamente, porém, cada qual em seu próprio caminho, dada a cultura organizacional reinante de autonomia e isolamento.181 Pela ausência de um órgão superior que as coordenasse, as Forças Armadas brasileiras acabaram por estabelecer doutrinas, manuais e terminologias particulares (às vezes conflitantes), mesmo para temas ou áreas eventualmente comuns, dificultando o seu emprego conjunto.

Para os militares (das três Forças), a criação de um Ministério da Defesa sempre significou o fantasma do controle civil pleno sobre as Forças Armadas, clássico problema nas relações civis-militares mundo afora. No meio militar brasileiro era comum (e assim segue na atualidade) argumentar-se que tal subordinação sempre existiu, constitucionalmente, ao Presidente da República, Comandante Supremo das Forças Armadas. Todavia, essa noção sempre foi rebatida por estudiosos que argumentam que isso não impediu a tomada do poder pelos militares no passado.

Fuccille (2006: 60-62) coloca que a derrocada do socialismo (praticamente eliminando as hipóteses de guerra global e subversiva), somada à globalização (minimizando o risco de conflitos regionais, pela tendência de formação de blocos econômicos / políticos) levaram a uma “crise de identidade militar” nos países ocidentais. No Brasil, essa crise teria enfraquecido a histórica resistência dos

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Criado o MD em 1999, consumir-se-iam ainda alguns anos para que fossem dados passos concretos rumo à efetiva implementação da referida doutrina, até então restrita aos manuais (em parte desatualizados) ou esporádicas operações de adestramento envolvendo a participação simultânea de mais de uma força.

militares, que, numa posição defensiva, não conseguiram obstar o processo que levaria à implantação do Ministério da Defesa, no início do segundo mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso.182

Todavia, ainda hoje a doutrina e o adestramento conjunto são incipientes. Se o MD vem aos poucos contornando a cultura de histórica autonomia das Forças Armadas, o processo de integração segue ainda parcialmente obstado por restrições orçamentárias (crônicas) e pelo decorrente sucateamento de parcela significativa do material de emprego militar das três forças, dificultando a execução de exercícios com a frequência e amplitude necessárias.