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5 ENSINAMENTOS E REPERCUSSÕES NA FORÇA TERRESTRE BRASILEIRA O estudo do conflito das Falklands / Malvinas coloca-nos diante do que, nos

5.2 O ELEMENTO TECNOLÓGICO

5.2.1 Guerra Eletrônica

Landaburu (1988) e Oliveira (1991) apontam a importância dessa atividade no conflito das Falklands / Malvinas. De fato, ali encontramos todas as aplicações possíveis da guerra eletrônica: impedir, dificultar ou tirar proveito das emissões eletromagnéticas do inimigo, proteger as próprias e enganar o oponente.

Ambos os contendores fizeram uso da guerra eletrônica, entretanto, mais eficaz e acentuadamente os britânicos. Estes últimos, desde a I Guerra Mundial, na batalha naval de Jutlândia (1916), estão entre os pioneiros no uso dessa atividade, a qual, com os avanços da eletrônica e o advento do radar, ganharia grande impulso na II Guerra Mundial. (Landaburu: 1988: 537)

Cabe aqui ressaltar que, no presente trabalho, foram destacados os eventos de guerra eletrônica que afetaram as forças terrestres, deixando de se relacionar uma série de outros exemplos de seu emprego em combates estritamente aéreos ou navais. Nesses ambientes a guerra eletrônica apresenta toda uma gama de especificidades (técnicas e táticas), em função das peculiaridades de ambiente e de emprego e equipamentos utilizados.

Os britânicos empregaram intensivamente a guerra eletrônica (GE), enquanto a Argentina, à época, dava seus primeiros passos nessa atividade. Forças desdobradas no terreno, normalmente dispersas, necessitam comunicar-se, entre si e com seus comandos enquadrantes. O rádio (meio de comunicação que é simultaneamente o mais prático e o menos seguro) e o radar são extremamente vulneráveis à ação da GE. Por meio da interceptação das transmissões argentinas, os britânicos puderam avaliar as condições das forças argentinas, a partir de dado momento precárias e com meios de comunicação deficientes.

Um dos motivos para a relativa demora na reação aérea argentina ao desembarque britânico teria sido a guerra eletrônica britânica, que interferira fortemente nas comunicações argentinas (a ligação entre as ilhas e o continente ficou interrompida até as 10h30min daquele dia). Além disso, foram criados alvos falsos para os radares argentinos, no contexto de um plano de dissimulação tática (que envolveu ainda o bombardeio aéreo e incursões de tropas de Comandos nas regiões de Goose Green / Pradera Del Ganso – Darwin e o bombardeio naval de Porto Stanley / Argentino). (Brasil, EME, 1982: 47-48)

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Vinte anos depois, em 2005, esse órgão fundir-se-ia com a Secretaria de Tecnologia da Informação, dando origem ao atual Departamento de Ciência e Tecnologia.

As comunicações (por rádio) e os radares argentinos foram frequentemente detectados, localizados e/ou interferidos, possibilitando ataques da artilharia britânica – de campanha e naval – contra os postos de comando e posições logísticas, de artilharia e de defesa antiaérea. Entretanto, mesmo que em menor escala, as comunicações britânicas também foram alvo de ações argentinas de guerra eletrônica, em particular a interceptação de transmissões de rádio feitas em claro (sem criptografia) e sem proteção eletrônica (ver episódio da malfadada operação britânica de desembarque em Fitzroy – Bluff Cove – Pag 131-132).

Ainda relativamente às comunicações argentinas, o relatório final do exército argentino (Argentina, Ejército, 1982: 16) registra, dentre as falhas observadas, a inadequação dos equipamentos às características ambientais das ilhas (excessiva umidade e baixas temperaturas), a escassez de pilhas e baterias (pelas restrições logísticas) e a incompatibilidade entre a maioria dos sistemas de comunicações das três Forças Armadas. Em Balza (1985: 59-61), um oficial argentino de comunicações afirma que foi somente ao longo do desenvolvimento da campanha que se logrou certa integração nas comunicações das forças de terra, mar e ar (o que confirma a ocorrência do problema).

5.2.1.1 A Guerra Eletrônica no Exército Brasileiro

No Exército Brasileiro à época do conflito, diferentemente dos contendores da Guerra das Falklands / Malvinas, a guerra eletrônica era praticamente inexistente. Seu conhecimento e interesse pelo tema restringiam-se a uma parcela ínfima dos seus quadros. Oliveira (1995), referindo-se à década de 1970, escreve: “A expressão Guerra Eletrônica não existia no vocabulário do Exército, mas ela, como atividade, já era um fato concreto nas guerras deste século”. Deve-se acrescentar que tal assunto, por tratar-se de uma fonte de informações sobre o inimigo ou por constituir-se num meio de atrapalhar ou impedir suas comunicações, é sempre cercado de sigilo por quem o domina.

Com a deflagração do conflito das Falklands / Malvinas e a demonstração do poder bélico argentino, acentuou-se a preocupação da cúpula do EB com o desequilíbrio militar no sul do continente (vimos que, no ano anterior, o Ministro do Exército visitara a Argentina e impressionara-se com o que viu). Nesse contexto foi expedida a Nota Ministerial Nº 009, endereçada ao Chefe do Estado-Maior do Exército, determinando, dentre outras medidas, estudos com a finalidade de

implantar os meios eletrônicos de busca, interceptação e localização eletrônica na Força Terrestre, o que nos remete à Guerra Eletrônica.

Este documento, fundamental, gerou uma série de comissões e estudos, que entre outros resultados, levariam à criação do Centro de Instrução de Guerra Eletrônica, para a formação e especialização de recursos humanos para a nova atividade e, posteriormente, da 1ª Companhia de Guerra Eletrônica, seu braço operacional. Na sua parte final, sugere a realização de estudos para produção e adoção, dentre outros materiais, de “equipamentos eletrônicos destinados a perturbar ou reduzir a eficácia dos sistemas eletrônicos adversários, como também capazes de proteger da guerra eletrônica inimiga” e, no campo doutrinário, “a realização de estudos doutrinários sobre a guerra eletrônica moderna, incluindo a criação de unidades de guerra eletrônica [grifo nosso]”. (Brasil, EME, 1982: 108; 110)

Além do já mencionado estudo, o então Chefe do Estado-Maior do Exército, general Leônidas Pires Gonçalves, determinou, possivelmente também em função daquela Nota Ministerial, a organização de um grupo de trabalho com a finalidade de estudar e propor medidas para implantar uma Organização Militar de Guerra Eletrônica. (Boletim Reservado Nº 013 do EME, de 15 de junho de 1982)

O primeiro documento gerado por esse grupo foi uma proposta de "Diretriz para Implantação da Atividade de Guerra Eletrônica", datada de 3 maio de 1983 e que, aspecto a ser destacado (voltaremos a isso mais a frente), priorizava a formação de recursos humanos. Foi então constituída a Comissão de Coordenação e Controle das Atividades de Guerra Eletrônica (CCCAGE)193, com os encargos de: (1) propor, coordenar e controlar as medidas necessárias à implantação de uma Organização Militar de Guerra Eletrônica – OM/GE (estrutura e faseamento), que permitisse atender ao desenvolvimento doutrinário das atividades de GE do Exército, inicialmente no valor Companhia (núcleo de um futuro / possível Batalhão); (2) sugerir a localização dessa OM/GE; (3) propor a aquisição de equipamentos atualizados (em quantidade e confiabilidade) para equipá-la; e (4) planejar a formação de recursos humanos especializados nessa atividade.

Em março do ano seguinte foi formalmente criado o Centro de Instrução de Guerra Eletrônica (CIGE), com sede em Brasília/DF, primeira organização militar de

193

GE do Exército Brasileiro.194 Os anos seguintes foram de extrema importância para a formação de recursos humanos para a implantação da atividade, pela execução de visitas a instalações industriais e militares da França, Itália, Israel, República Federativa da Alemanha (RFA), Suécia e Estados Unidos da América.

O Plano de Estruturação do Exército, em seu Documento N° 06 - Implantação do Centro de Instrução de Guerra Eletrônica, de 15 de outubro de 1985, atribuiria verbas para os anos de 1988, 1989 e 1990 para obras de implantação do CIGE e do núcleo de uma Companhia de Guerra Eletrônica.195 (Oliveira, 1995)

Assim, a atividade de GE surgiu e estabeleceu-se num curto espaço de tempo, seguindo em evolução até a atualidade.196 Sua implantação, como vimos, foi catalisada pelo conflito das Falklands / Malvinas, estando a ele umbilicalmente ligada. Foi ali que as lideranças militares brasileiras observaram, não sem certo grau de estupefação, a utilização e a importância dessa atividade (à qual ainda não haviam dado a devida atenção ou valor) por ambos os contendores. Tal fato só encontra paralelo – e foi inclusive superado – pela implantação da atividade de aviação (helicópteros) no Exército, discutida a seguir.