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Os “Jovens Turcos” e a influência alemã

3.2 1906-1940: AS INFLUÊNCIAS ALEMÃ E FRANCESA

3.2.1 Os “Jovens Turcos” e a influência alemã

Em 1906, a convite do imperador alemão Guilherme II e a partir de uma sugestão do Barão do Rio Branco, foram enviados à Alemanha, por dois anos, seis oficiais (um capitão e cinco tenentes), a fim de servirem arregimentados no Exército Imperial Alemão (Carvalho, 2005: 27; Resende-Santos, 2007:246). Ao retornar, esses oficiais atuariam como disseminadores de idéias no Exército Brasileiro. Outra equipe, de mesmo porte, foi estabelecida em 1909 e, no ano seguinte, quando um terceiro grupo (agora com vinte e quatro oficiais)43 embarcou para a Alemanha, uma missão de instrução alemã44 já estava sendo preparada para envio ao Brasil.

Resende-Santos (2007: 96) descreve o modelo militar alemão da época como um verdadeiro “Estado dentro do Estado”, caracterizado por uma estrutura altamente centralizada e autônoma, refletindo a concentração do poder político da monarquia

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O Chile era a ameaça mais imediata para a Argentina e os países viveram uma corrida armamentista no final do século XIX, pelo menos até 1902, quando chegaram a um acordo.

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Uma relação nominal completa, extraída dos relatórios dos Ministros da Guerra, pode ser encontrada em McCann (2004: 594).

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Missão de instrução pode ser entendida como aquela organizada para, mediante acordo ou contrato assinado entre dois Estados e de acordo com as possibilidades do país hospedeiro, atualizar e instruir o pessoal militar nas técnicas e táticas mais avançadas no campo militar, por meio da organização, doutrina e preparo convenientes. Resende-Santos (2007: 92) acrescenta que, normalmente, é fruto de uma complexa diplomacia, em função de objetivos diplomáticos e comerciais conflitantes e manobras geopolíticas, envolvendo, indiretamente, outros atores regionais ou potências mundiais, com interesses às vezes contrários.

(os militares somente respondiam ao imperador). Inovou (e foi copiado mundo afora) no gerenciamento da guerra, com seu Estado-Maior forte (que o Brasil tentara imitar, inicialmente sem sucesso), combinado com uniformidade doutrinária e direção centralizada, mas com certo grau de flexibilidade e iniciativa nos escalões inferiores.

Apresentava, entretanto, problemas na cadeia de comando45, que acabaram por refletir no resultado da 1ª Guerra Mundial. Outro grande legado do sistema prussiano para os países que emularam o seu modelo foi a noção de preparação contínua, com o incremento e treinamento da estrutura militar completa desde os tempos de paz. Outra “herança alemã” foi o sistema de conscrição baseado num serviço militar descentralizado e de curto termo (e consequente formação de uma grande reserva treinada).

Por força da influência francesa e com a derrota alemã da I GM, a missão germânica nunca se concretizou. Interesses políticos do próprio Hermes da Fonseca, recém-eleito presidente em 1910 e interessado no apoio dos paulistas – o Estado de São Paulo já havia contratado uma missão francesa para instruir a sua Força Pública46 desde 1905 (Domingos Neto, 2001: 1) levaram-no a deixar de lado parte dos compromissos assumidos com a Alemanha.

Entretanto, aqueles oficiais enviados à Alemanha, os chamados “jovens turcos”47

destacar-se-iam pelo empenho em reformar o Exército, sobressaindo na história militar e política do Brasil nas décadas seguintes. Para alguns autores, o Exército Brasileiro moderno começa com esses homens. Em 1913, inspirados na similar alemã “Militär Wochenblatt” (semanário publicado por militares alemães entre 1816 e 1942), criaram a revista “A Defesa Nacional”, homônima da editada pelos reformadores do exército turco. Esta viria a ser o principal instrumento para a difusão de seu ideário e opiniões reformistas, pois, além de artigos técnicos e militares, expunham seu pensamento político.

Os jovens turcos desejavam que o Exército se modernizasse de acordo com o modelo alemão. Suas idéias, inovadoras, afrontavam ostensivamente posições,

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Esse problema estava no caráter redundante e complexo do alto comando alemão, numa confusa divisão de trabalho entre Estado-Maior, Ministro da Guerra e Gabinete Militar, além de um posterior Quartel General do Kaiser. (Resende-Santos, 2007: 102)

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Cabe aqui destacar que, àquela época, as polícias dos estados de São Paulo e Minas Gerais rivalizavam em tamanho e força com as forças federais, estando inclusive, em determinados períodos, melhores treinadas, equipadas e organizadas.

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Assim alcunhados, pejorativamente, numa alusão aos oficiais turcos liderados por Mustafá Kemal, os quais, também treinados e profissionalizados pelo alemães, remodelaram o exército otomano.

interesses e privilégios estabelecidos. De um artigo publicado naquela revista em 1913, extrai-se o seguinte trecho, ilustrativo do pensamento desses jovens oficiais:

[...] A respeito de doutrina, nós, aqui no Brasil, nunca tivemos nada adotado; e quanto às teorias de que necessitamos, devemos aceitar as boas, alemãs ou francesas, uma vez que venham recomendadas por longa experiência. Mas, mais que doutrina e teoria, o que precisamos é incutir no espírito de nossos jovens oficiais a prática da instrução e do seu desenvolvimento progressivo, de acordo com um método cuidadosamente traçado (A Defesa Nacional Nr 3, Dez 1913, p.101).

Apesar de constituirem um grupo de efetivo reduzido, acabaram por alcançar relativo sucesso na implementação de seu ideário. Resende-Santos (2007: 248) aponta três fatores para isso: (1) eram organizados; (2) foram capazes de conquistar apoio no alto escalão da hierarquia; e, como resultado, (3) conseguiram disseminar suas idéias em pontos-chaves da burocracia militar.

Das pesquisas de McCann (2007: 218) e Coelho (1976: 79), poderíamos resumir as principais idéias de reforma dos jovens turcos nos seguintes itens: (1) a organização do Exército em tempo de paz deveria ser a mesma que na guerra (grandes unidades (divisões), com menor número de unidades e efetivos completos)48; (2) a contratação de uma missão militar estrangeira para colaborar na remodelação e aperfeiçoamento do Exército; (3) treinamento orientado para o combate e criação de áreas de instrução em cada guarnição; (4) aquisição de equipamentos e armamentos modernos; (5) descentralização dos serviços administrativos (para redução dos gastos pela regionalização das aquisições); (6) implementação do serviço militar obrigatório; (7) uma lei de promoções séria e justa; e (8) o afastamento da oficialidade de atividades políticas.49

O general Caetano de Faria (Chefe do EME de 1910 a 1914, no governo de Hermes da Fonseca, e Ministro da Guerra de 1914 a 1918, no governo de Venceslau Brás), a quem os jovens turcos apresentaram esse “programa”, encampou o ideário50. Na reforma consubstanciada no Decreto 11.497, de 23 de fevereiro de 1915 (e em outros subsequentes), as unidades do Exército foram reagrupadas segundo uma organização divisional, espelhando-se no exemplo do

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Uma descrição completa da estrutura do Exército à época pode ser encontrada em Malan (1988: 33).

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Coelho (1976: 81) mostra que esta última idéia carecia de maior peso, por terem, alguns deles próprios, estado no centro de conspirações políticas nos anos vindouros.

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Em Resende-Santos (2007: 246-260) pode ser encontrada uma boa análise das principais propostas e da atuação desse grupo de jovens e idealistas oficiais.

Japão, vitorioso na guerra russo-japonesa (1904-1905). O Alto-Comando e o Estado-Maior do Exército, as Inspeções das Armas e as Regiões Militares, assim como os efetivos, foram reformulados e modernizaram-se os armamentos pesados.

No período de 1910 a 1918 o Estado-Maior funcionaria efetivamente como núcleo do Exército, estudando a doutrina militar e formulando planos de guerra, com a designação de teatros de operações, tipo de guerra – se ofensiva ou defensiva – e organização geral das forças. (McCann, 2007: 249)

Pretendia-se uma expansão da reserva, pela incorporação das forças públicas estaduais (como reserva de primeira linha) e reorganização da Guarda Nacional,51 sob o controle do Exército. Dada a complexidade política de tais mudanças, voltou-se a atenção para o Serviço Militar Obrigatório e a revitalização das Unidades de Tiro, idéias que haviam arrefecido, dada a não implementação da Lei do Serviço Militar de 1908 e a ação de políticos locais.

McCann (2007: 229) aponta a implementação do serviço militar obrigatório como um dos principais problemas do Exército na década de 1910, pois a lei aprovada em 1908 (prevendo um sorteio dentre os alistados anualmente) ficara engavetada. Devido aos cortes orçamentários, o reduzido efetivo autorizado era preenchido por voluntários. Em 1915, é deflagrada uma campanha nacional, na qual o Alto Comando do Exército contou com o essencial apoio do poeta Olavo Bilac e, no ano seguinte, é fundada a Liga de Defesa Nacional, que patrocinaria ativamente discursos e eventos.

Desse modo, de 10 a 17 de dezembro daquele mesmo ano, seria realizado o primeiro sorteio: “Quarenta e dois anos depois da primeira lei de sorteio militar (1874) e oito após a segunda (1908), o Exército incorporou seus primeiros recrutas sorteados, iniciando, assim, sua história como força qualificada.” (McCann, 2007: 232)

A entrada do Brasil na I Guerra Mundial em outubro de 1917, depois do afundamento de navios comerciais brasileiros por submarinos alemães, forneceu uma justificativa palpável para o (há muito tempo desejado) aumento no efetivo do Exército. A guerra serviu para catalizar, também, o estabelecimento de acordos com os governos estaduais (transformando, finalmente, as polícias estaduais e os bombeiros em Forças Auxiliares) e a extinção da Guarda Nacional.

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Esta, que sempre rivalizara com o Exército no recrutamento de pessoal e na distribuição de recursos, acabaria por extinta em 1918.

O fato de o Brasil não ter recebido um grande estoque de armas e equipamentos encomendados à Alemanha às vésperas da eclosão da guerra (retidos no porto de Hamburgo pelo bloqueio naval britânico), fortaleceu a argumentação dos reformistas que pregavam a necessidade de produção de armamento e munição pela indústria nacional. Reforçando essa questão, a Argentina – país vizinho e potencial inimigo – estava, à época, mais avançada que o Brasil nesse setor (A Defesa Nacional Nr 8, Mai 1914, pp. 258-259). Sabedores que a produção de armamentos requeria uma indústria siderúrgica ainda inexistente no país, os militares solicitavam que o governo lhes concedesse o monopólio da fabricação de explosivos, com o objetivo de assegurar um mercado que mantivesse um nível elevado de produção e faturamento.

Em 1918, chegava ao final uma corrida contra o tempo do Gen Faria e dos jovens turcos, na tentativa de implementar o máximo de mudanças antes do fim do governo de Venceslau Brás. Adicionalmente, o desfecho da guerra na Europa fez aumentar a pressão em torno de uma missão militar francesa no Brasil, processo que foi acelerado com a chegada dos paulistas ao governo federal, visto que estes já tinham ligações militares com a França.

Nesse momento, o espectro do positivismo – em seu extremo, ateísta e pacifista – fora afastado e, nas escolas, a prática já prevalecia sobre a teoria. Apesar de persistirem problemas curriculares e na constituição do corpo docente, os oficiais formados na Escola Militar do Realengo52 sabiam efetivamente atirar, cavalgar e conduzir jogos de guerra. Boa parte dos manuais sobre armas de combate já tinha sido reformulada com base no modelo alemão, mas, na maioria das vezes, não passavam de mera tradução, ainda inadequados à tropa e ambiente brasileiros.

Entretanto, a influência dos jovens turcos ficou bem marcada nos editoriais e artigos da sua revista mensal, assim como nas mentes dos oficiais formados na Escola Militar pela “Missão Indígena” 53

, que contava com jovens turcos entre seus membros. Nesse período, puseram suas idéias em prática e influenciaram

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Com o fechamento das escolas da Praia Vermelha e do Realengo em 1904, em decorrência da Revolta da Vacina, foi criada em Porto Alegre, em 1906, a Escola de Guerra (o novo nome deixava clara a intenção de preparação para a guerra), afastando os alunos do – turbulento – centro político do país. Em 1911, o curso retorna ao Rio de Janeiro, na nova Escola Militar do Realengo.

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Assim denominada por se composta por militares nacionais; seus instrutores, selecionados por concurso, instruíram os cadetes da Escola Militar entre 1919 e 1923, introduzindo mais instruções ténicas e tráticas, o uso de manuais alemães traduzidos e enrijecendo a disciplina. Paradoxalmente, a Escola Militar tornou-se berço de um ativismo radical, que levou a uma rebelião de 1922 (nenhum

fortemente os novos oficiais, colocando a descoberto o descompasso em que se encontrava o Exército em relação aos avanços na arte da guerra.

Mansur (2002: 53) afirma: “Se por um lado as modificações estruturais não foram suficientes para atingir o objetivo desejado pelos jovens turcos, o pensamento do oficial brasileiro foi modificado [...] graças a essa nova mentalidade [...] puderam receber, em melhores condições, os ensinamentos da MMF.”