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Adequação Valorativa e Unidade no Interior do Sistema

4.8 TIPOS DE ESTADO: EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO ESTADO

4.10.2 Adequação Valorativa e Unidade no Interior do Sistema

Importante de tudo é saber que esse conjunto de normas encontra-se organizado em um sistema por ter a harmonia, a unidade entre as normas, arrazoada em um valor. Mesmo conforme a teoria de Kelsen, que, na tentativa de apartar o Direito totalmente da filosofia, coloca como fundamento do sistema uma norma, a denominada norma hipotética fundamental. Quando se pergunta qual o conteúdo dessa norma qual a intenção dessa norma, ou no que se baseia essa norma, percebe-se que o seu fundamento se encontra nos valores da sociedade que adotar aquele sistema.175 “Assim o pensamento sistemático radica, de facto, imediatamente, na idéia de Direito (como o conjunto dos valores jurídicos mais elevados).”176

Evidentemente, essa unidade é um postulado o qual é necessário para o reconhecimento do Direito como Ciência, como corpo autônomo. Então, na realidade, os elementos componentes dessa ciência, o Direito, devem ser

175 BOOBIO, Norberto. A era dos Direitos. Traduzido por Regina Lyra. Rio de Janeiro: Elsevier,

2004.

ALEXY, Robert. Teoría de los Derechos fundamentales. Traduzido do alemão Theorie der Grundrechte por Ernesto Garzón Valdes. 1. ed., 3. reimpressão. Madrid: Centro de Estúdios Políticos y Constitucionales, 2002.

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CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do Direito. 3. ed. Traduzido por Antônio Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro. Lisboa: Fundação Calouste

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interpretados e aplicados de maneira tal que sejam adequados ao postulado, ou seja, a unidade deve ser provocada e as interpretações e aplicação serão meios que possibilitarão tal adequação. Então, essas interpretações e aplicações estão de acordo com as técnicas e critérios definidos segundo uma ordem, ou seja, de acordo com os princípios do próprio Direito, como também valores determinados pela sociedade a qual está regida. Percebe-se que a unidade e a adequação não são somente postulados, mas existem, ainda que fragmentadas, e é na existência delas que se diferencia um ordenamento jurídico de outro.

Com essas afirmações, pode-se deduzir que Direito é um sistema axiológico ou teleológico e não, por exemplo, lógico-formal. Bom, realmente a lógica, a exatidão, é típica das ciências exatas. Conceber que as contradições entre normas estariam resolvidas por simples aplicação de técnicas, seqüência de critérios, seria desprezar a presença, o objetivo-fim do Direito. Como já afirmado, a justiça é o objetivo permanente (hipótese fundamental) de caráter axiológico do Direito.

Um sistema lógico, como a jurisprudência dos conceitos, que, por décadas, dominou o pensamento alemão, exige que, no conjunto de todas as normas, elas se relacionem logicamente, de forma que não mais exprimam qualquer contradição, que a lógica da aplicação dos critérios supra todas as lacunas, de maneira que, não ocorrendo o sistema, estaria sem garantia essencial, conforme dita o pensamento de Max Weber, dentre outros. Logicamente, isso seria um ideal muito distante, enfim, da realidade jurídica que se vivencia ou que já se tenha vivenciado.

Princípios como o da igualdade não poderiam ser atacados pela lógica, mas somente explicados com valores. Observe os ensinamentos de de Canaris:

Os valores estão, sem dúvida, fora do âmbito da lógica formal e, por conseqüência, a adequação de vários valores entre si e a sua conexão interna não se deixam exprimir logicamente, mas antes, apenas axiológica ou teleologicamente (no sentido amplo do termo). Pode, com isso, colocar-se a questão difícil de saber até onde está o Direito ligado às leis da lógica e até onde a ausência lógica de contradições da ordem jurídica pode ser incluída, como previsão mínima, na sua unidade valorativa; mesmo quando isso seja afirmado, é indubitável que uma eventual adequação lógico-

formal das normas jurídicas singulares não implica a unidade de sentido especificamente jurídica de um ordenamento.177

Dizer que o Direito é um sistema valorativo, não quer dizer que a lógica não pertença a esse sistema, ou que essa metodologia seja imprestável, não se aplique a esse sistema. Só se quer afirmar que o Direito não tem a solução, o fundamento, de sua completude nessa metodologia, mas ela tem aplicabilidade, existem pensamentos desenvolvidos com base na lógica jurídica.

Essa discussão foi muito valiosa nos primórdios do século XX e é retomada atualmente. Contudo, os objetivos são um tanto distintos. Inicialmente, buscava-se entender se o Direito seria mesmo uma ciência e em que se basearia. Então o Direito foi compreendido como ciência, sendo Kelsen o maior responsável. Mas sua teoria do positivismo jurídico puro provocou na história alguns desastres e escândalos. Percebeu-se que se omitiu tudo que se referia a valores, ainda que, analisando sua teoria com mais passar, veja-se que ela toda estaria arraigada em um valor: a norma hipotética fundamental se basearia no senso de justiça entre os homens. Posteriormente, a discussão é retomada – fase denominada de pós-positivismo; nesse momento, já não se busca saber se o Direito é ou não uma ciência; esse ponto já é pressuposto. O tema é distinguir o papel dos valores nessa ciência. Conclui-se que os valores são elementos do Direito. Mas eles atuam como, nesse sistema? Quais as denominações dos valores?

Diante dessas questões, afirma-se que o Direito é um sistema do tipo axiológico, portanto é fundamental a presença e a identificação dos valores, bem como a sua adequação.

[...] a adequação dos valores, pretende-se significar isso mesmo. Não se trata, portanto, da “justeza” material, mas apenas da adequação formal de uma valoração [...] uma vez legislado um valor (primário), pensar todas as suas conseqüências até ao fim, transpô-lo para casos comparáveis, solucionar contradições com outros valores já legislados e evitar contradições derivadas do

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CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do Direito. 3. ed. Traduzido por Antônio Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro. Lisboa: Fundação Calouste

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aparecimento de novos valores (seja através de legislação, seja por via da interpretação criativa do Direito).”178

Quando se diz que o Direito é um sistema axiológico, valorativo, devem-se caracterizar a ordem e a unidade. A ordem é caracterizada pela adequação dos valores e a unidade pela redução de uma multiplicidade de valores em alguns poucos valores gerais, mais comumente denominados princípios gerais do Direito. Esses seriam os elementos constitutivos de qualquer ordenamento jurídico, pois não deduziriam ordenamento específico, mas o Direito como ciência.

Canaris179 ensina como se deve proceder para alcançar a unidade do

sistema:

Não se pode ficar pelas ”decisões de conflitos” e dos valores singulares, antes, se devendo avançar até aos valores fundamentais mais profundos, portanto até os princípios fundamentais duma ordem jurídica; trata -se, assim, de apurar, por detrás da lei e da ratio legis, a ratio iuris determinante. Pois só assim podem os valores singulares libertar-se do seu isolamento aparente e reconduzir-se à procurada conexão “orgânica” e só assim se obtém aquele grau de generalização sobre o qual a unidade da ordem jurídica, no sentido acima caracterizado, se torna perceptível.

4.10.3 Estado Liberal, sua Ideologia e Políticas Sociais no