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4. ANÁLISE DO ATRASO NO REPASSE DE RECURSOS DA UNIÃO AOS BANCOS

4.1 Adiantamentos da CEF: operações de crédito vedadas pelo legislador

4.1.1 Adiantamentos concedidos pela CEF no âmbito do Programa Bolsa Família

O Bolsa Família é um programa do Governo Federal que contribui para o combate à pobreza e à desigualdade social no Brasil. Ele foi criado em outubro de 2003 e possui uma gestão descentralizada, ou seja, cada um dos entes federados têm atribuições específicas no desenvolvimento do referido programa. Porém, no âmbito federal, o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) é o seu principal responsável, tendo a Caixa Econômica Federal como agente que executa os pagamentos.

O Programa Bolsa Família está previsto em lei (Lei nº 10.836, de 9 de janeiro de 2004) e é regulamentado pelo Decreto nº 5.209, de 17 de setembro de 2004, além de outras normas93.

De acordo com a Lei n.º 10.836/2004, em seu art. 1º, a responsabilidade pela criação do programa é da Presidência da República94. O artigo 12, do mesmo diploma legal, estabelece que “fica atribuída à Caixa Econômica Federal a função de Agente Operador do Programa Bolsa Família, mediante remuneração e condições a serem pactuadas com o Governo Federal, obedecidas as formalidades legais”.

Por sua vez, segundo o art. 2º do Decreto n.º 5.209/2004, cabe ao Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome “coordenar, gerir e operacionalizar o Programa Bolsa Família”.

Ademais, a liberação dos recursos financeiros para o MDS é de responsabilidade da Secretaria do Tesouro Nacional95 (STN), por intermédio da Subsecretaria de Política Fiscal96 e da Coordenação-Geral de Programação Financeira, nos termos do que dispõe o Decreto n.º 7.482/2011 e a Portaria que o aprovou (Portaria do Ministério da Fazenda n.º 244, de 16 de julho de 2012). Assim, cumpre destacar que a STN pertence à estrutura do

93AGRÁRIO, Ministério do Desenvolvimento Social e. Programa Bolsa Família: O que é?. Disponível em: <http://mds.gov.br/assuntos/bolsa-familia/o-que-e>. Acesso em: 17 maio 2016.

94

Art. 1º Fica criado, no âmbito da Presidência da República, o Programa Bolsa Família, destinado às ações de transferência de renda com condicionalidades.

95 Art. 21. À Secretaria do Tesouro Nacional, órgão central dos Sistemas de Administração Financeira Federal e de Contabilidade Federal, compete: I - elaborar a programação financeira mensal e anual do Tesouro Nacional, gerenciar a Conta Única do Tesouro Nacional e subsidiar a formulação da política de financiamento da despesa pública;

96 Art. 24. À Subsecretaria de Política Fiscal compete: I - orientar e supervisionar o processo de programação financeira, de gerenciamento da Conta Única do Tesouro Nacional e de formulação da política de financiamento da despesa pública; (...) XI - gerir os fundos e os programas oficiais que estejam sob responsabilidade do Tesouro Nacional, avaliando e acompanhando os eventuais riscos fiscais;

Ministério da Fazenda, desempenhando o papel de órgão central do Sistema de Administração Financeira Federal e do Sistema de Contabilidade Federal97.

Segundo apurado pela fiscalização do TCU, após a análise dos contratos assinados entre MDS e CEF, a sistemática de repasses de valores deveria ocorrer da seguinte forma: os recursos destinados ao Programa Bolsa Família, liberados pela STN, seriam transferidos para MDS e este, por sua vez, seria o responsável por depositar as quantias em uma conta específica junto à CEF, denominada de conta suprimento. Veja-se:

Subcláusula Segunda – Os recursos de que trata o caput serão creditados à CONTRATADA em Conta Suprimento específica para cada programa objeto desse contrato, com movimentação e reserva pela CONTRATADA, cujos respectivos saldos serão remunerados financeiramente em base diária pela CONTRATADA pela variação da taxa extramercado do Banco Central – DEDIP, sendo uma conta para cada exercício financeiro.

A conta de suprimento do Bolsa Família se destina a receber depósitos de montantes para o pagamento de dispêndios específicos aos beneficiários do programa. Logo, os valores não podem ser utilizados para finalidade diversa. Uma das principais características desse tipo de conta é a existência de saldos positivos ao longo do tempo, o que faz, por conseguinte, que essas contas apresentem, via de regra, saldos médios positivos ao longo do ano, como se observa na conta de suprimento do Bolsa Família no primeiro semestre de 2013:

Gráfico 1 - Fonte: Parecer Prévio das Contas do Governo da República em 2014.

97NACIONAL, Tesouro. Sobre o Tesouro Nacional. Disponível em:

Saldos negativos pontuais nas contas de suprimento são factíveis, inclusive, podem ocorrer por motivos alheios à vontade do ente federado e, geralmente, são de pequena monta e aleatórios, sendo supridos em pouco tempo. Por exemplo, a conta de suprimento pode ficar negativa durante alguns dias de feriados prolongados, quando há um atraso natural no processamento das transações bancárias. Porém, quando esses saldos negativos tornam-se rotineiros, sendo, em regra, contínuos e de grande monta, representam movimento estranho à natureza das contas de suprimento e revelam indícios de irregularidades, segundo o entendimento do TCU.

O contrato celebrado entre o MDS e a CEF também previu a possibilidade de atrasos nos pagamentos dos benefícios, nestes casos, a Subcláusula Oitava dava o direito ao banco estatal de optar pela suspensão do serviço, até que fosse normalizado o fluxo financeiro, como se observa a seguir:

Subcláusula Oitava – Na eventual insuficiência de recursos na Conta Suprimento para o pagamento de benefícios constantes das folhas de pagamento das Ações de Transferência de Renda, fica assegurado à CONTRATADA o direito de optar pela suspensão deste serviço até que seja normalizado o fluxo financeiro, conforme Inciso XV do art. 78, da Lei 8.666, de 1993.

Além da suspensão imediata da prestação de serviço, o contrato analisado trouxe ainda a hipótese de o agente financeiro utilizar recursos próprios para o pagamento dos benefícios no âmbito do Programa Bolsa Família. Neste caso, era estipulada uma remuneração diária sobre o eventual saldo negativo registrado no período. Colaciona-se, adiante, a cláusula contratual mencionada:

Subcláusula Nona – Na eventual insuficiência de recursos na Conta Suprimento para o pagamento de benefícios constantes das folhas de pagamento das Ações de Transferência de Renda, se a CONTRATADA assegurar por seus meios o pagamento dos benefícios, fica assegurada à CONTRATADA remuneração diária sobre o saldo negativo registrado nessa conta com base na taxa extramercado do Banco Central – DEDIP98.

Neste último ponto, segundo os dados coletados na auditoria do TCU junto ao MDS, verificou-se que, ao longo dos meses de 2013 e, de forma mais intensa, durante o exercício financeiro de 2014, houve inúmeros períodos em que o saldo da conta de suprimento gerenciada pela CEF ficou negativo.

A presença de saldo negativo na conta de suprimento de fundos significa que a CEF utilizou recursos próprios para o pagamento de benefícios do Bolsa Família, pois o montante de recursos repassados pela União à CEF não foi suficiente para o pagamento dos

respectivos benefícios. A tabela a seguir, elaborada pelo MDS, mostra os dias em que a conta de suprimento ficou negativada:

Tabela 3 Conta de Suprimento Saldo devedor em R$ milhões

Data Saldo Negativo Data Saldo Negativo Data Saldo Negativo Data Saldo Negativo

31/mai/13 -18,10 25/fev/14 -174,66 1/jul/14 -82,11 21/ago/14 -185,87

31/out/13 -1,20 26/fev/14 -359,90 2/jul/14 -107,05 22/ago/14 -405,10

28/nov/13 -22,55 27/fev/14 -555,39 3/jul/14 -126,32 25/ago/14 -674,08

29/nov/13 -226,52 28/fev/14 -797,11 4/jul/14 -135,48 26/ago/14 -880,26

20/dez/13 -82,79 31/mar/14 -219,72 7/jul/14 -151,36 27/ago/14 -1.086,44

23/dez/13 -326,18 2/abr/14 -3,35 8/jul/14 -156,34 28/ago/14 -493,56

24/dez/13 -365,28 29/abr/14 -14,26 9/jul/14 -161,80 29/ago/14 -711,02

26/dez/13 -399,73 30/abr/14 -227,53 10/jul/14 -166,81 17/set/14 -39,55

27/dez/13 -431,79 23/mai/14 -47,00 11/jul/14 -170,89 29/set/14 -54,24

30/dez/13 -480,68 26/mai/14 -264,93 14/jul/14 -175,41 30/set/14 -286,93

31/dez/13 -480,68 27/mai/14 -445,20 15/jul/14 -177,91

28/mai/14 -627,87 18/jul/14 -157,35 29/mai/14 -810,27 21/jul/14 -371,71 30/mai/14 -1.000,98 22/jul/14 -577,29 18/jun/14 -206,59 23/jul/14 -788,97 18/jun/14 -206,59 24/jul/14 -1.000,28 20/jun/14 -432,65 25/jul/14 -1.219,78 23/jun/14 -658,50 28/jul/14 -1.360,93 24/jun/14 -830,70 29/jul/14 -1.576,99 25/jun/14 -1.063,26 30/jul/14 -1.797,62 26/jun/14 -1.275,25 31/jul/14 -2.018,33 27/jun/14 -1.505,89 30/jun/14 -1.782,20

Fonte: MDS – Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.

Desse modo, verificou-se saldo negativo na conta de suprimentos da CEF em 55 (cinquenta e cinco) dias diferentes ao longo do ano de 2014, ano este considerado na apuração do presente trabalho, não se podendo ignorar que, desde 2013, os atrasos tinham se iniciado, embora sem a detecção imediata pelo Tribunal de Contas. Observa-se nos gráficos abaixo a inversão dos saldos na conta de suprimento do Bolsa Família:

Gráfico 2.

Gráfico 3.

Em vista disso, a utilização, pela Caixa Econômica Federal, de recursos próprios para, em nome da União, efetuar os pagamentos do Bolsa Família, enquadra-se, segundo entendimento do TCU, no conceito clássico de operação de crédito estabelecido pelo art. 29, da Lei Complementar n.º 101/2000.

Art. 29. Para os efeitos desta Lei Complementar, são adotadas as seguintes definições: (...) III - operação de crédito: compromisso financeiro assumido em

razão de mútuo, abertura de crédito, emissão e aceite de título, aquisição

financiada de bens, recebimento antecipado de valores provenientes da venda a termo de bens e serviços, arrendamento mercantil e outras operações

assemelhadas, inclusive com o uso de derivativos financeiros; (grifou-se)

A operação de crédito se assemelha à contratação da modalidade adiantamento a depositantes (cheque especial) por uma pessoa física perante os grandes bancos de varejo. Neste tipo de empréstimo, são cobrados juros pela utilização do capital de determinado banco para cobrir despesas contraídas pelos seus respectivos correntistas, pelo fato de que estes não teriam saldo suficiente em sua conta para cumprir a obrigação naquele momento. Diferencia- se, entretanto, desse tipo de operação, pois, no caso da União, não havia um limite máximo para que se pudesse utilizar essa vantagem e, ao final de cada mês durante o exercício de 2014 (quando os repasses deveriam ocorrer), em muitas oportunidades, não houve o pagamento do saldo devedor.

Neste caso, no Parecer Prévio sobre as contas da Presidência da República, o ministro Relator, Augusto Nardes, entendeu que a existência de saldo negativo desvirtuou a natureza da conta de suprimentos, pois se deu de maneira rotineira, sucessiva e crescente, utilizando-se de montantes vultosos e do poder de controlador que o ente federado possui sobre a instituição financeira, com o intuito de obter financiamento de forma proposital e sucessiva e de burlar a fiscalização, caracterizando-se como operação de crédito vedada pela LRF.

No julgamento dos embargos de declaração interpostos pela Advocacia-Geral da União e pelo Banco Central do Brasil no âmbito da TC 021.643-2014-8, o ministro Relator, José Múcio Monteiro, expôs o seguinte argumento99:

É o próprio Banco Central que define o “adiantamento a depositantes” como operação de crédito, como se pode verificar na sua Circular 1273/1987, que instituiu o Plano Contábil das Instituições do Sistema Financeiro Nacional – COSIF, cujo Capítulo “Normas Básicas – 1”, Seção Operações de Crédito – 6”, assim diz da “1 Classificação das Operações de Crédito”:

“2 – As operações de crédito distribuem-se segundo as seguintes modalidades: a) empréstimos – são as operações realizadas sem destinação específica ou vínculo à comprovação da aplicação dos recursos. São exemplos os empréstimos para capital de giro, os empréstimos pessoais e os adiantamentos a depositantes; (...)”. (grifou- se)

Quando a aplicação do dinheiro de terceiro não é saldada propositalmente pela União, utilizando-se de seu poder excessivo sobre os bancos públicos para postergar a dívida,

99 BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 992. TC 021.643-2014-8. Relator: JOSÉ MÚCIO MONTEIRO. Acórdão 992/2015 - Plenário. Brasília.

configura-se a operação de crédito vedada pelo legislador complementar, segundo entendimento do TCU. Além disso, até o início da fiscalização pela Corte de Contas, os passivos junto à CEF não eram registrados pelo Bacen no rol de obrigações da Dívida Líquida do Setor Público, evidenciando a intenção de fraudar a fiscalização contábil. Esse último ponto será desenvolvido em tópico apartado adiante.

Portanto, é necessário que haja, para configuração da operação de crédito vedada pelo legislador complementar, “a evidência de intenção deliberada de manipulação da programação financeira e cronograma mensal de desembolso, do contingenciamento e do resultado fiscal100”.

Figura 1 - Fonte: Parecer Prévio das Contas do Governo da República de 2014.

A partir da constatação de que os saldos negativos na conta da CEF tinham origem nos atrasos contumazes das transferências no âmbito do programa governamental em análise, faz-se necessário avaliar de onde seriam provenientes esses atrasos, pois, seguindo a sistemática contratual já exposta, os recursos eram transferidos da Conta Única do Tesouro Nacional para o MDS; este, por sua vez, transferia o numerário para a conta de suprimento da Empresa Pública.

100BRASIL. Tribunal de Contas da União. Parecer. Relator: Ministro Augusto Nardes. Parecer Prévio das Contas do Governo da República de 2014. Brasília. p. 628.

Referido questionamento pode ser sanado por meio da análise da tabela a seguir, elaborada no âmbito da TC 021.643/2014-8, com informações colhidas perante a CEF e o MDS, a qual contempla as seguintes informações: (i) montante de recursos financeiros solicitados pelo MDS à STN; (ii) montante de recursos repassados pela STN ao MDS; (iii) montante de benefícios pagos pela CAIXA; (iv) montante de recursos devolvidos pela CAIXA ao MDS; (v) diferença entre o montante repassado pela STN e o montante solicitado pelo MDS; e (vi) diferença entre o montante repassado pela STN ao MDS e o montante pago de benefícios pela CAIXA.

Tabela 4 Fluxo de Recursos Bolsa Família 2013 e 2014 Em R$ mil

Pedido Repassado Pago Devolvido Repassado

(-) Pedido Repassado (-) Pago Saldo Jan/13 1.932.000 2.046.695 1.898.093 53.874 114.695 148.602 94.728 Fev/13 1.897.366 1.842.000 1.851.185 16.252 (55.366) (9.185) 69.291 Mar/13 2.006.180 1.945.776 1.913.318 36.491 (60.404) 32.458 65.257 Abr/13 1.981.991 2.260.171 2.026.009 36.118 278.180 234.162 263.301 Mai/13 2.010.200 1.707.140 2.003.601 0 (303.060) (296.461) (33.160) Jun/13 2.008.920 2.094.140 1.944.078 51.302 85.219 150.062 65.599 Jul/13 2.060.000 2.019.546 2.092.561 0 (40.454) (73.016) (7.416) Ago/13 2.002.007 2.050.640 2.003.084 29.193 48.633 47.556 10.947 Set/13 2.023.476 2.055.444 2.011.988 42.123 31.968 43.456 12.280 Out/13 2.037.055 2.066.872 2.095.785 176 29.816 (28.913) (16.809) Nov/13 1.996.215 1.790.627 1.970.832 45.055 (205.589) (180.205) (242.070) Dez/13 2.100.986 1.911.780 2.166.003 0 (189.206) (254.223) (496.292) Jan/14 2.068.406 2.578.473 1.976.549 11.699 510.067 601.924 93.933 Fev/14 2.100.000 1.140.973 2.010.057 14.172 (959.027) (869.084) (789.323) Mar/14 1.956.000 2.606.000 2.030.601 5.597 650.000 575.399 (219.521) Abr/14 2.100.000 1.978.907 1.986.720 15.808 (121.093) (7.812) (243.142) Mai/14 2.050.000 1.171.093 1.944.546 0 (878.907) (773.454) (1.016.595) Jun/14 2.290.000 1.450.000 2.231.243 0 (840.000) (781.243) (1.797.838) Jul/14 2.290.000 2.060.000 2.296.131 6 (230.000) (236.131) (2.033.975) Ago/14 2.380.000 3.540.000 2.232.674 0 1.160.000 1.307.326 (726.650)

Fonte: MDS – Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.

Verifica-se que, entre fevereiro e agosto de 2014, com exceção do mês de março, apesar de o MDS ter solicitado montantes proporcionais às obrigações que deveriam ser

cumpridas em cada mês, a STN repassou sempre valores a menor do que os requeridos. Dessa maneira, a responsabilidade pelos atrasos recai, obviamente, sobre a Secretaria do Tesouro Nacional que, como visto, compõe a estrutura do Ministério da Fazenda.

Cotejando os fatos até então narrados com os dispositivos da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar n.º 101/2000), pode-se perceber a infração de uma série de seus dispositivos.

Primeiramente, o art. 36, da LRF, proíbe expressamente a realização de operação de créditos entre uma instituição financeira estatal e o ente da Federação que a controle101.

Em segundo lugar, o art. 32, § 1º, inciso I102, da lei em estudo também foi infringido, pois determina a necessidade de prévia e expressa autorização legislativa para a contratação de operação de crédito, o que também não ocorreu no caso concreto.

Ademais, a Lei Complementar n.º 101/2000, em seu artigo 38, inciso IV, alínea “b”, proíbe a contratação de operação de crédito por antecipação de receita orçamentária no último ano de mandato da Presidente da República. O TCU considerou que a obtenção de recursos junto à CEF a título do programa Bolsa Família tinha natureza extraorçamentária, pois foi efetuada para cobrir insuficiência de caixa ao longo dos exercícios de 2013 e 2014, mas não com o objetivo de autorizar novos gastos.

Cesar A. Guimarães Pereira103 leciona que o endividamento público deriva necessariamente da circunstância de o ente realizar despesas superiores às suas receitas. Segundo o autor, “... esse descompasso entre receitas e despesas é possível apenas em face de uma de duas condições: ou, no caso da União, há a emissão de dinheiro para fazer frente às despesas, ou, no caso de qualquer dos entes, há a concessão de crédito por alguém. O endividamento é uma forma de financiamento desse descompasso”.

Destarte, no caso em análise, em vez de contingenciar os gastos discricionários para poder honrar as suas obrigações, o governo realizou “empréstimos” perante os bancos públicos para poder continuar gastando mais do que estava arrecadando e, assim, endividar-se descontroladamente, sem o conhecimento dos órgãos fiscalizadores e ao alvedrio da lei. Infringiu não apenas artigos específicos e técnicos da Lei de Responsabilidade Fiscal, mas

101 Art. 36. É proibida a operação de crédito entre uma instituição financeira estatal e o ente da Federação que a controle, na qualidade de beneficiário do empréstimo.

102

Art. 32, § 1º: O ente interessado formalizará seu pleito fundamentando-o em parecer de seus órgãos técnicos e jurídicos, demonstrando a relação custo-benefício, o interesse econômico e social da operação e o atendimento das seguintes condições:

I - existência de prévia e expressa autorização para a contratação, no texto da lei orçamentária, em

créditos adicionais ou lei específica;

103 PEREIRA, Cesar A. Guimarães em ROCHA, Valdir de Oliveira. Aspectos relevantes da lei de responsabilidade fiscal. São Paulo: Dialética, 2001.

seus principais fundamentos, quais sejam: a transparência, o equilíbrio, o planejamento e a gestão fiscal responsável.

4.1.2 Adiantamentos concedidos pela CEF no âmbito do Seguro-Desemprego e Abono