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3.2 Fundamentos da lei de responsabilidade fiscal

3.2.1 Planejamento

A ação planejada é um dos pressupostos da Lei Complementar n.º 101/2000. O princípio do planejamento orçamentário refere-se à “... necessidade de se aplicar os recursos públicos de forma mais coerente e planejada, com o objetivo de evitar o desperdício53” e adequar as prioridades de governo à vontade popular.

Assim, a Lei de Responsabilidade Fiscal defende que uma política fiscal baseada na moralidade e na racionalidade deve necessariamente conter a ideia de equilíbrio entre receitas e despesas, impondo vários limites para o endividamento público. Por exemplo, os artigos 11 a 14 da referida lei tratam sobre a receita e a possibilidade de sua renúncia. O art. 11 prevê a instituição, previsão e efetiva arrecadação de todos os tributos da competência constitucional de cada ente da Federação, enquanto o art. 14 estabelece requisitos para que seja viável a renúncia de receitas, como a obrigatoriedade de que conste estimativa de impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois subsequentes.

A concessão ou a ampliação de incentivo ou benefício tributário são utilizadas pelos governantes, em muitos casos, como forma de atrair investimentos e, dessa forma,

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Ricardo Lobo Torres ressalta especialmente os defeitos da proposta original do Poder Executivo, que considera haver sido muito aprimorada pela intervenção do Congresso Nacional. Apontar haver, fundamentalmente, dois sistemas de controle do equilíbrio orçamentário. Pelo sistema americano, o controle se faz por metas, com cortes de certas despesas por frustração de receita ou excesso de outras despesas. O sistema neozelandês controla os meios (critérios de credibilidade, integridade e transparência), não as metas quantitativas. PEREIRA, Cesar A. Guimarães em ROCHA em Valdir de Oliveira. Aspectos relevantes da lei de

responsabilidade fiscal. São Paulo: Dialética, 2001. p. 51. 53

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promover o desenvolvimento de determinada região do País. Entretanto, a LRF, com o intuito de manter o equilíbrio orçamentário, impôs limites a esses incentivos fiscais, estabelecendo o requisito de compensação da renúncia pelo aumento de receitas ou a demonstração de que a renúncia foi considerada na lei orçamentária anual e não afetará as metas da lei de diretrizes orçamentárias.

Portanto, para elaborar um bom plano, é essencial que haja a adequação entre a receita e os gastos públicos, porém, mais do que isso, ambos devem ser estimados de maneira fiel à realidade, do contrário, nunca atingirão o objetivo intrínseco do próprio planejamento, qual seja: a eficiência.

Segundo Carlos Maurício C. Figueirêdo54, antes da edição da Lei de Responsabilidade Fiscal, as peças orçamentárias elencavam primeiramente todas as despesas que os governantes desejavam realizar para, posteriormente, adequar o montante necessário para os dispêndios. Ou seja, contemplava-se tudo aquilo que o gestor gostaria de fazer para só então definir-se de onde sairia todo o capital para a efetivação do plano.

Em consequência disso, o planejamento orçamentário tornava-se inócuo, pois, diante da inexistência de recursos, passava-se a superestimar as receitas com o intuito de fazer frente aos gastos “planejados”. Assim, havia uma clara inversão da ordem orçamentária natural e, consequentemente, o desvirtuamento do próprio planejamento, o qual chegava a ser considerado, nas palavras do autor, como uma mera “peça de ficção”.

A Constituição Federal de 1988 trouxe no capítulo “Dos Orçamentos” (artigo 165 e seguintes), a previsão de várias medidas de planejamento, como o Plano Plurianual (PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA). Por sua vez, a LRF foi desenvolvida exatamente para aprimorar os mecanismos estatais de planejamento orçamentário positivados pela CRFB/88, dando-os mais eficiência. Na lição de Amir Khair55:

O ponto de partida da Lei de Responsabilidade Fiscal é o planejamento. Através dele são estabelecidas as regras do jogo da gestão fiscal, sendo criadas novas funções para a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e Lei Orçamentária Anual (LOA), cuja discussão e elaboração deverão contar com a participação popular, inclusive em audiências públicas, assegurando maior transparência da gestão governamental. (grifos no original)

54 FIGUEIREDO, Carlos Maurício C.. Aspectos relevantes da lei de responsabilidade fiscal. São Paulo: Dialética, 2001. p. 27.

55KHAIR, Amir Antônio. Lei de Responsabilidade Fiscal: Guia de Orientação para as Prefeituras. Brasília: Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, 2001. p. 13.

O Plano Plurianual (PPA) contém diretrizes, objetivos e metas da administração pública federal e tem vigência, segundo art. 35, §2º, inciso I, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), “até o final do primeiro exercício financeiro do mandato presidencial subsequente”, devendo ser encaminhado “até quatro meses antes do encerramento do primeiro exercício financeiro e devolvido para sanção até o encerramento da sessão legislativa”. Ou seja, o PPA estabelece o plano de governo dos administradores e fica vigente durante o mesmo período do mandato do Chefe do Poder Executivo, “embora não coincida integralmente com este56”.

A Lei de Diretrizes Orçamentárias, por sua vez, estabelece metas e prioridades mais específicas do que o Plano Plurianual, porquanto sua vigência é de apenas um ano. Embora a LRF tenha ampliado o significado e a importância da LDO, atribuindo-a novos temas, uma de suas principais funções ainda é orientar a elaboração da Lei Orçamentária Anual.

A Lei Orçamentária Anual (LOA) não se limita à fixação das metas e objetivos. Trata-se do real orçamento público, o qual deve conter as receitas previstas para o exercício em que se elabora a proposta e as despesas fixadas também para o respectivo exercício. Além disso, a título de comparação, devem estar presentes os recursos arrecadados e as despesas realizadas nos últimos três exercícios àquele em que se elaborou a proposta. A LOA é disciplinada pela Lei n.º 4.320/64 e deve ser compatível com o Plano Plurianual e com a Lei de Diretrizes Orçamentárias.

Importante ressaltar também que a LRF incentiva o controle social em “todas as fases do ciclo orçamentário57”. O art. 48, § único, inciso I, traz o incentivo à participação popular na elaboração e discussão dos planos, lei de diretrizes orçamentárias e orçamentos, inclusive mediante a realização de audiências públicas.

Assim, a Lei Complementar n.º 101/2000 faz parte de um sistema amplo de controle orçamentário, composto pelo PPA, pela LDO e pela LOA. A lei em estudo veio reforçar e dar novo sentido aos referidos mecanismos de planejamento, execução orçamentária e disciplina fiscal.

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GIACOMONI, James. Orçamento Público. 15. ed. São Paulo: Atlas S. A., 2010. p. 222.

57 FIGUEIREDO, Carlos Maurício C. Aspectos relevantes da lei de responsabilidade fiscal. São Paulo: Dialética, 2001. p. 38.

As disposições pertinentes ao Plano Plurianual, constantes no art. 3º da LRF, foram vetadas pelo Presidente da República. Segundo as razões do veto, entendeu o Chefe do Poder Executivo que as mudanças de governo trariam dificuldades para o cumprimento dos prazos previstos na LRF e prejuízos para a própria elaboração das prioridades dos programas estatais.

Em relação à Lei de Diretrizes Orçamentárias, porém, o art. 4º da LRF acrescentou a obrigação de a LDO dispor sobre: o equilíbrio entre as receitas e despesas; os critérios e formas de limitação de empenho; as normas relativas ao controle de custos e à avaliação de resultados dos programas financiados com o orçamento público; as condições e exigências para a transferência de recursos para entidades públicas e privadas, entre outros58.

Ainda em relação à LDO, destaca-se a necessidade de esta conter os seguintes anexos: Anexo de Metas Fiscais e Anexo de Riscos Fiscais. O primeiro deve estabelecer metas trienais (para o exercício a que se referem e para os dois anos seguintes), englobando-se receita, despesas, resultado primário, resultado nominal59 e montante da dívida pública. A metodologia de cálculo deve ser “... claramente visualizada de maneira a evitar que demonstrativos contábeis realizados de maneira obscura venham a esconder uma situação fraudulenta ou inexata60”.

A LRF prevê que as metas devem ser objeto de avaliação durante o exercício financeiro, não mais se esperando o encerramento do exercício para a verificação do atingimento dos objetivos traçados. Conforme o art. 9º, §4º da LRF, “até o final dos meses de maio, setembro e fevereiro, o Poder Executivo demonstrará e avaliará o cumprimento das metas fiscais de cada quadrimestre, em audiência pública” (grifou-se) no Poder Legislativo. Destaca-se também a participação popular na avaliação do cumprimento das metas fiscais previstas na LDO.

58GIACOMONI, James. Orçamento Público. 15. ed. São Paulo: Atlas S. A., 2010. p. 224. 59

O glossário da Cartilha sobre a Lei de Responsabilidade, publicação em mídia impressa e eletrônica, do próprio Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, define resultado nominal como sendo a “diferença entre as receitas e as despesas públicas, incluindo receitas e despesas financeiras, os efeitos da inflação (correção monetária) e da variação cambial”, equivalendo, alerta, “ao aumento da dívida pública líquida em determinado período”; já o resultado primário – na mesma obra – é definido como sendo a “diferença entre as receitas e as despesas públicas não financeiras”. LINO, Pedro. Comentários à Lei de Responsabilidade Fiscal: Lei Complementar n.º 101/2000. São Paulo: Atlas, 2001. P. 34.

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O Anexo de Metas fiscais é de extrema relevância para a observação dos demais fundamentos da Lei de Responsabilidade Fiscal, mormente para o princípio da transparência e para o controle e equilíbrio orçamentários. Nas palavras de Marcelo Mont’Alverne61:

O Anexo de Metas Fiscais é essencial ainda para o respeito do princípio da transparência e equilíbrio orçamentário. Fixadas as metas e demonstradas organizadamente no referido documento, pode a sociedade valer-se deste documento para exigir da autoridade pública o cumprimento das mesmas, pois se a meta predeterminada é o saneamento de um bairro, por exemplo, em determinado município, os anexos de metas fiscais posteriores fornecerão elementos de como evoluem os investimentos que estão sendo feitos.

Por outro lado, o Anexo de Riscos Fiscais surgiu da percepção de que, mesmo que o planejamento fosse bem elaborado, o surgimento de imprevistos poderia comprometer o equilíbrio das contas públicas. Sendo assim, essa peça orçamentária deve conter, segundo a LRF, os possíveis riscos capazes de afetar as contas públicas, bem como a determinação dos passivos contingentes. Em caso de materialização dos riscos, devem ser estabelecidas nesse documento as providências que serão adotadas. Um exemplo típico de risco fiscal são as decisões judiciais.

A Lei Orçamentária Anual também foi aprimorada, devendo conter demonstrativo da compatibilidade da programação dos orçamentos com os objetivos e metas presentes no Anexo de Metas Fiscais, medidas de compensação a renúncias de receita e ao aumento de despesas, além de reserva de contingência para pagamento de imprevistos, conforme dispõe art. 5º da LRF.

Apesar dos esforços empreendidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal no sentido de tornar as peças orçamentárias o mais próximo da realidade contábil possível, verifica-se que, mesmo após mais de 15 (quinze) anos de sua entrada em vigor, ainda são inseridos nos orçamentos artifícios que permitem a superestimação de receitas e a subestimação de despesas.

Como exemplo dessa realidade, o Relatório de Levantamento realizado recentemente pelo Tribunal de Contas da União no âmbito do TC 033.142/2015-7 expôs que as projeções macroeconômicas utilizadas na elaboração do PPA dos anos de 2012-2015 não se concretizaram durante os quatro anos de sua vigência, pois levaram em consideração estimativas errôneas e sabidamente inatingíveis, tanto em relação ao PIB projetado para o

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período, quanto para a inflação que se esperava atingir. Veja-se a tabela comparativa entre as estimativas e a realidade do planejamento para o PPA 2012-2015:

Tabela 1 - PIB e IPCA projetados e reais período PPA 2012-2015 Ano PIB Projetado PIB Real IPCA Projetado IPCA Real

2012 5,0 1,9 4,8 5,8

2013 5,5 3,0 4,5 5,9

2014 5,5 0,1 4,5 6,4

2015 5,5 -3,8 4,5 10,7

Fonte: Mensagem Presidencial PPA 2012-2015, IBGE e Banco Central.

Esclarece o Ministro Relator da TC 033.142/2015-7, José Múcio Monteiro62: “... a diferença entre os parâmetros macroeconômicos projetados e os valores que de fato se concretizaram foi bastante significativa, o que demonstra que não se tratou apenas de erro comum à atividade preditiva, mas de falta de qualidade na construção do cenário para definição desses parâmetros. Em 2012, primeiro ano do PPA, o PIB apurado foi 62% menor que o projetado, no que se refere ao IPCA, a inflação foi 20,8% maior que a projetada. Ressalte-se que, no primeiro ano do Plano, existe a proximidade temporal entre a elaboração dos parâmetros e sua concretização, o que, pelo menos em tese, deveria contribuir para que as projeções fossem mais próximas da realidade.

Em 2015, último ano do Plano, o PIB foi 169% menor que o projetado para o período e o IPCA apurado foi 137,8% maior que o projetado, ou seja, pode-se concluir que as projeções macroeconômicas realizadas no momento da elaboração do PPA, que constaram da Mensagem Presidencial que o acompanhou, estavam totalmente distanciadas da realidade e, mesmo com todas as alterações sofridas na economia brasileira e mundial.

Dessa forma, não é possível falar em planejamento com limites claros, credíveis e previsíveis com um Plano elaborado com base em um cenário econômico tão distante da realidade. Os valores globais dos programas temáticos foram elaborados com base nesse cenário irreal, bem como as metas estabelecidas para os objetivos desses programas. Também foi com base nesse cenário que se

estimou as receitas que seriam utilizadas como fontes das dotações orçamentárias que possibilitariam a execução do PPA.” (grifou-se)

Diante da disparidade entre os valores projetados e reais do período analisado, conclui-se que o planejamento realista previsto pela Lei de Responsabilidade Fiscal vem sendo descumprido pelos gestores públicos, os quais insistem em subverter a lógica da gestão fiscal responsável. Primeiramente, são definidas as despesas que os governantes desejam realizar para, posteriormente, adequarem-se as receitas ao montante que necessita ser dispendido63.

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BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 948/2016. Relator: Ministro José Múcio Monteiro. Acórdão Nº 948/2016 – TCU – Plenário: TC 033.142/2015-7. Brasília, 20/04/2016.

63 No que tange ao estabelecimento de metas de resultado nominal e primário, as alterações nessas metas, ocorridas por iniciativa do Poder Executivo, no mês de dezembro dos exercícios de 2014 e 2015, com a finalidade de ajustá-las aos gastos do governo e não os gastos do governo às metas, conforme deveria ocorrer em um ambiente de governança fiscal responsável, demonstraram que não houve preocupação do governo federal, nos últimos dois anos, com o equilíbrio fiscal consagrado pela LRF. BRASIL. Tribunal de Contas da União.

Como resultado dessa prática desarrazoada, faz-se necessária a supervalorização da receita para fazer frente aos gastos, fato que vai de encontro aos fundamentos da Lei Complementar n.º 101/2000, descumprindo-se não apenas o princípio do planejamento, mas também o da transparência, do controle (equilíbrio) e da responsabilização64.

Em relação às metas previstas na LDO, José Maurício Conti, em esclarecimento à Comissão Especial do Impeachment no Senado Federal em 2016, foi categórico em assegurar que elas são constantemente descumpridas pelo Poder Executivo. Em trecho de sua declaração, por exemplo, destacou que pouco antes do término do exercício financeiro de 2015, no dia 03 de dezembro de 2015, foi aprovada proposta de lei que modificou a meta fiscal da LDO então vigente para fazer constar não mais uma meta de resultado primário de superávit de sessenta e três bilhões de reais, mas um resultado primário deficitário de quarenta e nove bilhões de reais.

Ressaltou que alterações semelhantes nas metas fiscais têm ocorrido nos últimos anos, causando sérios prejuízos à credibilidade desse instrumento da LDO. Concluiu seu depoimento afirmando que os governantes “... diante do evidente descumprimento da regra, mudam a regra e não a conduta”65

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