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4. ANÁLISE DO ATRASO NO REPASSE DE RECURSOS DA UNIÃO AOS BANCOS

4.2 Mudança de entendimento do Tribunal de Contas da União?

Um dos argumentos preliminares trazidos pela Advocacia-Geral da União em defesa das contas federais durante a elaboração do Parecer Prévio das Contas da Presidência da República de 2014 (TC 005.335/2015-9) e que causou bastante polêmica à época foi o de que o TCU já teria decidido em várias fiscalizações, ao longo dos 15 (quinze) anos de vigência da LRF, pela legalidade das “pedaladas” fiscais praticadas pelo executivo federal, sob a alegação de que se o Tribunal nunca as tinha condenado, significava então que aprovava a conduta.

O Advogado-Geral da União invocou o princípio da segurança jurídica para justificar a não aplicação do suposto novo entendimento do Tribunal de Contas ao condenar a prática das “pedaladas” fiscais como violadoras dos princípios da Lei de Responsabilidade Fiscal, defendendo a modulação dos efeitos da decisão. Além disso, destacou a Lei n.º 9.784/1999 (Lei do Processo Administrativo) no que diz respeito à vedação à aplicação retroativa de nova interpretação (art. 2º, parágrafo único, inciso XIII), argumentando que a nova interpretação não poderia retroagir a fatos pretéritos.

Não existe, entretanto, aprovação tácita de atos e procedimentos não avaliados ou fiscalizados em auditorias no passado. A atuação das instituições de controle externo se dá, via de regra, a posteriori, como é o caso dos relatórios previstos na LRF e o próprio parecer sobre as contas da Presidente, podendo também ser concomitante, como é o caso do relatório bimestral exigido pela LRF ou, em casos excepcionais, a priori. Todavia, o controle externo mais comum será sempre o de fatos pretéritos, cuja análise ensejará a responsabilização dos agentes públicos, o que não significa violar o princípio da segurança jurídica.

Caso fosse acatado o pedido de modulação temporal dos efeitos da decisão, conceder-se-ia um salvo-conduto às “pedaladas” fiscais, conforme conclusão do relatório da Secretaria de Macroavaliação Governamental (Semag), órgão auxiliar do TCU. Veja-se110:

Do ponto de vista substantivo, tem-se que a modulação temporal tal como suscitada nas contrarrazões representaria, na verdade, uma espécie de ‘salvo-conduto’ às ‘pedaladas fiscais’. Por consequência, essa situação criaria um grave problema de risco moral na Federação, na medida em que incentivaria os gestores das três esferas de governo a descumprirem condicionantes e proibições de ordem fiscal fixadas pela LRF, notadamente no que tange aos dispositivos voltados para o controle do endividamento público (arts. 32, 35 a 38), com base na crença de um possível ‘perdão’ pela via da modulação.

Dessa forma, não se justificam as razões que levam a Advocacia-Geral da União a suscitar a modulação temporal na aplicação de dispositivos da LRF sobre os quais

110BRASIL. Tribunal de Contas da União. Parecer. Relator: Ministro Augusto Nardes. Parecer Prévio das Contas do Governo da República de 2014. Brasília. p. 615.

não há qualquer discussão - nem no STF, tampouco no TCU - sobre a sua constitucionalidade, sendo plena a sua aplicação.

Em conclusão, impende registrar que a tentativa de aplicar a modulação para o caso concreto de flagrante descumprimento de dispositivos da LRF que estabelecem, de forma inequívoca, condicionantes e vedações acerca de operações de crédito, pressagia, na essência, um perigoso processo de banalização da técnica de interpretação constitucional positivada pelo art. 27 da Lei 9.868/1999.

Considerando que não houve nenhuma mudança brusca de entendimento por parte da Corte de Contas, tampouco decisões divergentes sobre o conceito e vedações de operações de crédito pelo Tribunal, o ministro Relator, Augusto Nardes, por sua vez, entendeu que, a partir da análise do caso concreto, o princípio da segurança jurídica deveria ser mitigado face ao princípio da legalidade, pois, tendo em vista que ambos têm matriz constitucional, a solução adequada depende de um juízo de ponderação que leve em conta todas as circunstâncias fáticas, seguindo a lição da melhor hermenêutica constitucional.

O Relator foi além e destacou que, independente da existência de similitudes entre os casos, é inválida a argumentação de que o TCU ofenderia o princípio constitucional da segurança jurídica na hipótese de concluir pela ocorrência de ilegalidades em 2014, não apontadas em exercícios pretéritos, pois as fiscalizações realizadas não são exaustivas, nem conferem um certificado de legalidade aos órgãos que passaram pela sua auditoria, como se observa a seguir111:

As decisões do TCU, por falta de disposição legal ou constitucional que o autorizem a assim proceder, não conferem salvaguarda à continuidade da prática de ato ilegal não abordado ou detectado por ocasião da análise fático-jurídica resultante de suas manifestações anteriores. Se assim fosse, diante das limitações por vezes operacionais e materiais a que este Tribunal se sujeita cotidianamente em seus trabalhos, especialmente no tocante à grande dimensão fática horizontal de matérias fiscalizadas, a prevalência da tese arguida levaria ao absurdo de impedir que o TCU exercesse suas competências, de plano, quando constatadas irregularidades e falhas antes não apontadas, em determinado órgão ou entidade.

Assim, teria que sempre alertar ao agente público ou ao órgão ou entidade jurisdicionados, como uma espécie de “aviso prévio”, antes de aplicar o que a Lei e a Constituição lhe determinam, o que caracterizaria ofensa máxima ao princípio da legalidade por parte deste Tribunal.

Portanto, uma vez que não há se falar em chancela de regularidade sobre matéria presente também em outras oportunidades – porém não apreciada de forma expressa e conclusiva –, não apenas por ocasião da última apuração em que foi constatado, é improcedente a tese de violação ao princípio da segurança jurídica com o propósito de obstar a atuação regular e temporânea deste Tribunal.

111BRASIL. Tribunal de Contas da União. Parecer. Relator: Ministro Augusto Nardes. Parecer Prévio das Contas do Governo da República de 2014. Brasília. p. 840.

Inclusive, a jurisprudência consolidada do TCU112 é no sentido de que as suas inspeções não fazem coisa julgada administrativa, pois apresentam exames muito específicos que, caso não sejam direcionados para captar uma irregularidade também específica, tornam- se ineficazes, sendo impossível para qualquer vistoria identificar com absoluta certeza que não há mais nenhuma irregularidade a ser sanada. Essa tese foi consolidada no Boletim de Jurisprudência n.º 80 do TCU:

As auditorias realizadas pelo TCU não conferem atestado de regularidade ao período ou ao objeto da fiscalização, pois apresentam exames específicos realizados de acordo com o escopo de cada fiscalização. Julgamentos pretéritos não fazem coisa julgada administrativa em relação a irregularidades não identificadas, por quaisquer motivos, na auditoria apreciada e posteriormente verificadas em novas fiscalizações. Em relação ao objeto específico do presente trabalho, verifica-se com facilidade que nunca houve mudança de entendimento do Tribunal de Contas da União, pois, além dos motivos elencados, os recursos da CEF nunca haviam sido utilizados de maneira habitual, ininterrupta e gradativa para cumprir as obrigações do Governo Federal perante o Bolsa Família, o Seguro-Desemprego e o Abono Salarial. A soma dos saldos dos benefícios na última década mostra a assimetria verificada a partir do segundo semestre de 2013, que se intensifica consideravelmente ao longo do exercício de 2014113:

Gráfico 7.

112 Acórdão nº 1.001/2015-TCU-Plenário, Relator: Ministro Benjamin Zymler: “A auditoria realizada no âmbito do Fiscobras/2009 na UFMS também não faz coisa julgada administrativa com relação às irregularidades em exame. As auditorias realizadas pelas equipes técnicas deste Tribunal não são um atestado de regularidade, apresentando apenas exames específicos realizados de acordo com o objeto de cada fiscalização. Assim, não impedem que, diante de novas situações, se apontem falhas anteriormente não identificadas por quaisquer outros motivos. Nesse sentido há remansosa jurisprudência desta Corte de Contas, por exemplo, os Acórdãos 3.257/2011, 2.843/2008, 444/2009, 1922/2011 e 3061/2011, todos do Plenário”.

113BRASIL. Tribunal de Contas da União. Parecer. Relator: Ministro Augusto Nardes. Parecer Prévio das Contas do Governo da República de 2014. Brasília. p. 635.

Desse modo, a existência de pequenos saldos isolados, de curta duração e aleatórios não caracteriza a mesma situação enfrentada no final de 2013 e durante o ano de 2014, como defendido pela AGU, pois a “constância do endividamento para muito além do tempo certo de pagamento é que se distancia da responsabilidade fiscal114”, fato este não observado em exercícios anteriores.

4.3 “Camuflagem” das contas públicas

Uma das consequências mais nefastas das “pedaladas” fiscais à economia do País é a “camuflagem” das contas públicas. Em termos mais técnicos, isso corresponderia à tentativa do Governo Federal de ludibriar o cálculo da Dívida Líquida do Setor Público, eivando-a de vícios, pois, como visto no primeiro capítulo deste trabalho, sem uma informação clara, completa, veraz e tempestiva, retira-se a possibilidade do controle social e da responsabilização dos agentes públicos, além de atentar-se contra os princípios do planejamento, da transparência e da gestão fiscal responsável, positivados pelo art. 1º, §1º, da LRF.

Além dos atrasos nos repasses de recursos pela União, constatou-se no TC 021.643-2014-8 que os passivos gerados em razão dos adiantamentos feitos pela CEF não eram registrados pelo Banco Central (Bacen) no rol de obrigações da Dívida Líquida do Setor Público (DLSP)115. Ou seja, de acordo com o apurado na investigação do TCU, a CEF pagava os referidos programas com dinheiro próprio, e o Departamento Econômico do Bacen não registrava as quantias devidas pelo Tesouro Nacional ao Banco Estatal, apesar de os valores serem reconhecidos pela União como devidos à Empresa Pública. Os montantes não registrados a título de passivos da União junto à CEF estão a seguir discriminados116:

De acordo com informações fornecidas pelo Departamento de Supervisão Bancária do Bacen (peça 92, fl. 21), o saldo total de referidos passivos ao final do mês de agosto de 2014 era de R$ 1.740,5 milhões, assim divididos: (i) Bolsa Família: R$ 717,3 milhões; (ii) Abono Salarial: R$ 936,2 milhões; e (iii) Seguro Desemprego: R$ 87 milhões.

114 BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 992. Relator: JOSÉ MÚCIO MONTEIRO. Acórdão 992/2015 - Plenário. Brasília.

115 A LDO-2014, em seu art. 11, inciso IV, dispôs que a Mensagem que encaminhar o Projeto de Lei Orçamentária de 2014 conterá a indicação do órgão que apurará os resultados primário e nominal, para fins de avaliação do cumprimento das metas presentes no Anexo de Metas Fiscais. Por sua vez, a Mensagem que encaminhou o Projeto da LOA ao Congresso Nacional assim dispôs: “Em observância ao art. 11, inciso IV, do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2014 (PLDO-2014), cumpre ressaltar que o Banco Central do

Brasil (Bacen) é o responsável, ao final do exercício, pela apuração dos resultados fiscais para fins de verificação do cumprimento da meta fixada no Anexo de Metas Fiscais do PLDO-2014.’ (Grifou-se)

116 BRASIL. Tribunal de Contas da União. Representação nº 021.643/2014-8. Relator: JOSÉ MÚCIO MONTEIRO. AC-0825-13/15-P. Brasília.

O registro das despesas primárias, de acordo com o método “abaixo da linha” (variação do nível de endividamento líquido do ente durante o período considerado) adotado pelo próprio Banco Central, deveria ser efetuado no exato momento em que a CEF fazia os adiantamentos à União, isto é, no instante em que a instituição financeira efetuava, em nome da União, o pagamento dos montantes referentes aos programas citados. Porém, até o mês de julho de 2014, como os passivos não eram registrados pelo Departamento Econômico do Bacen, as variações primárias deficitárias somente eram captadas quando a União repassava os recursos financeiros à CEF.

Como o Departamento Econômico do Bacen realizava o cálculo das estatísticas fiscais apenas no último dia de cada mês, e a União repassava os valores à CEF apenas no início do mês subsequente à apuração do Bacen, então, ao longo dos sete primeiros meses de 2014, as despesas referentes aos programas sociais em análise apenas eram captadas no mês subsequente ao que tinham sido realizadas. Essa situação de irregularidade permaneceu até o final do mês de agosto de 2014, quando o Bacen, após a abertura do TC 021.643/2014-8 pelo TCU, decidiu incluir nas estatísticas fiscais de endividamento os valores devidos à CEF. Veja-se um trecho do julgado117:

Vale dizer, a postergação do registro de tais dispêndios de natureza primária somente foi possível porque os adiantamentos não eram registrados pelo Departamento Econômico do Bacen. Também vale frisar que, como tais passivos passaram a ser registrados pelas estatísticas fiscais, as despesas primárias com o pagamento dos dispêndios do Bolsa Família, do Seguro Desemprego e do Abono Salarial passaram a ser captadas pelo Departamento Econômico do Bacen no mesmo mês em que efetivamente ocorrem.

Ademais, quando o Departamento Econômico do Bacen passou a registrar os adiantamentos no exato momento em que a CEF realizava os pagamentos, a referida irregularidade consistente na “camuflagem” da Dívida Líquida do Setor Público (DLSP) deixou de existir.

A partir do momento em que a variação do endividamento passa a ser captada pelo Bacen, a própria razão de existir das “pedaladas” fiscais se extingue, pois, mesmo considerando que os atrasos nos repasses continuem, o registro da dívida aumentaria de acordo com a realidade dos fatos, ou seja, no exato momento em que o agente financeiro retirasse o dinheiro de sua conta para honrar as obrigações da União. Nesse caso, não haveria

117 BRASIL. Tribunal de Contas da União. Representação nº 021.643/2014-8. Relator: JOSÉ MÚCIO MONTEIRO. AC-0825-13/15-P. Brasília.

nenhuma vantagem para o Governo Federal em atrasar o pagamento dos recursos, pois o impacto em suas contas seria imediato118:

Isso posto, vale extrair mais uma conclusão da situação hipotética acima, qual seja: o fato de as estatísticas fiscais não estarem registrando as obrigações junto à CAIXA permitiu que os atrasos na transferência de recursos da União à CAIXA tivessem o efeito de postergar, para o mês em que ocorreu o repasse do recurso (no caso, o mês subsequente), a variação primária deficitária, ou seja, a despesa primária. É o que ocorreu, por exemplo, na passagem do mês de fevereiro para o mês de março. Perceba-se que, como a dívida, até então, não estava sendo registrada pelo Bacen, a variação no endividamento ocorrida em razão do atraso no repasse dos recursos à CAIXA (o qual deveria ter ocorrido até 28 de fevereiro) não foi captada em fevereiro, mas apenas no primeiro dia do mês de março, quando ocorreu a queda do saldo das disponibilidades da União (coluna A). Ou seja, o mecanismo de postergar o impacto de dispêndios primários – conhecido pelo jargão ‘pedalada fiscal’ – somente é possível se as estatísticas fiscais oficiais não estiverem captando adequadamente todas as obrigações e ou haveres do respectivo ente federado. Não se pode confundir, no entanto, a natureza ilegal das operações de crédito com a consequência direta que elas causavam no orçamento, ou seja, necessário distinguir-se a legalidade da operação e a legalidade do registro contábil. Essa diferença é perceptível, inclusive, dentro da própria investigação do TCU, porquanto, após a percepção de que os registros dos passivos não estavam sendo corretamente computados pelo Banco Central, referida conduta foi imediatamente corrigida, pelo menos no que diz respeito aos atrasos ocorridos no âmbito do Bolsa Família, Seguro-Desemprego e Abono Salarial. Todavia, as ilegalidades consistentes na contratação de operações de crédito em descompasso com a Lei Complementar n.º 101/2000 não foram convalidadas pela simples correção da metodologia de cálculo da DLSP.

Desse modo, a contabilização não valida, de maneira nenhuma, as operações ilegais realizadas. Mas, pelo contrário, tem a função de demonstrar, de forma transparente, o impacto que a realização da operação vedada causa ao patrimônio público119.

Tendo em vista essa diferenciação, pelo menos uma das irregularidades foi sanada imediatamente pela investigação do TCU, qual seja: a ausência de registro dos passivos devidos à CEF pelo Tesouro Nacional, pois, após a correção da metodologia de cálculo “abaixo da linha”, não mais se atentou contra o princípio da transparência.

Cumpre informar, no entanto, que no tocante ao cálculo do resultado fiscal referente às operações de créditos realizadas junto ao Banco do Brasil, ao Banco Nacional do Desenvolvimento Social e ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, os passivos da União

118 BRASIL. Tribunal de Contas da União. Representação nº 021.643/2014-8. Relator: JOSÉ MÚCIO MONTEIRO. AC-0825-13/15-P. Brasília.

119 MINISTÉRIO DA FAZENDA. SECRETARIA DO TESOURO NACIONAL. MCASP – 6ª EDIÇÃO: Manual de Contabilidade Aplicada ao Setor Público. 6 ed. Brasília. 2014. p. 212.

continuaram sem o registro pelo Banco Central, postergando o déficit para o momento em que haveria a retirada do montante da Conta Única do Tesouro Nacional. Nesse contexto, o procurador Júlio Marcelo de Oliveira, doMinistério Público junto ao TCU, no âmbito da TC 021.643/2014-8, afirmou, inicialmente, que essa atitude do Bacen contribuiu para “maquiar’” as contas do resultado primário em cerca de R$ 7,11 bilhões no exercício de 2014. Chegando- se a seguinte tabela:

Tabela 10.

Após investigação mais profunda formulada para a emissão do Parecer Prévio das Contas do Governo Federal em 2014, chegou-se a um montante bem superior ao encontrado na investigação inicial120:

Com exceção da dívida da União para com a Caixa Econômica Federal em razão dos atrasos nos pagamentos dos benefícios do Bolsa Família, do Seguro Desemprego e do Abono Salarial, os demais passivos não compuseram as estatísticas fiscais

elaboradas pelo Banco Central do Brasil (Bacen), comprometendo a fidedignidade dos números da Dívida Líquida do Setor Público (DLSP) – em algo próximo a R$ 40 bilhões – e do resultado fiscal do exercício. (grifou-se)

Portanto, no caso das “pedaladas” fiscais no âmbito da CEF, os registros contábeis foram regularizados. Porém, permaneceram os erros nos demais programas de governo que, apesar de não terem sido detalhados na presente pesquisa, estão sendo citados para que se possa ter uma visão ampla do objeto de fiscalização da Corte de Contas. Conclui o parecer do Ministro Augusto Nardes121:

O Tribunal de Contas da União é de parecer que as Contas atinentes ao exercício financeiro de 2014, apresentadas pela Excelentíssima Senhora Presidente da República, Dilma Vana Rousseff, exceto pelos possíveis efeitos dos achados de auditoria referentes às demonstrações contábeis da União, consignados no relatório, representam adequadamente as posições financeira, orçamentária, contábil e patrimonial, em 31 de dezembro de 2014; contudo, devido à relevância dos efeitos das irregularidades relacionadas à execução dos orçamentos, não elididas pelas contrarrazões apresentadas por Sua Excelência, não houve observância plena aos princípios constitucionais e legais que regem a administração pública federal, às normas constitucionais, legais e regulamentares na execução dos orçamentos da

120BRASIL. Tribunal de Contas da União. Parecer. Relator: Ministro Augusto Nardes. Parecer Prévio das Contas do Governo da República de 2014. Brasília. p. 875.

121BRASIL. Tribunal de Contas da União. Parecer. Relator: Ministro Augusto Nardes. Parecer Prévio das Contas do Governo da República de 2014. Brasília. p. 897.

União e nas demais operações realizadas com recursos públicos federais, conforme estabelece a lei orçamentária anual, razão pela qual as Contas não estão em condições de serem aprovadas, recomendando-se a sua rejeição pelo Congresso Nacional.

Desse modo, em razão das ilegalidades apontadas ao longo deste capítulo, o Tribunal de Contas da União, pela primeira vez, em 80 (oitenta) anos de fiscalização, opinou pela rejeição das contas de um Presidente da República pelo Congresso Nacional.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Verificaram-se, portanto, atrasos sistemáticos nos repasses dos recursos destinados ao Programa Bolsa Família, ao Seguro-Desemprego e ao Abono Salarial. Esses atrasos foram promovidos dolosamente pela União com o intuito de fraudar a fiscalização financeiro-orçamentária realizada pelo Tribunal de Contas e “cumprir” de maneira artificiosa a meta fiscal estipulada para o exercício financeiro de 2014.

Por sua vez, os adiantamentos efetuados pela Caixa Econômica Federal para impedir a paralização dos benefícios do Bolsa Família, do Seguro-Desemprego e do Abono Salarial foram realizados em desconformidade com a Lei de Responsabilidade Fiscal, pois a União, entidade controladora, utilizou de forma desarrazoada da sua força institucional e de sua ingerência política sobre a Empresa Pública controlada, obrigando referida instituição financeira a funcionar não mais como uma intermediadora na promoção das políticas públicas, mas como verdadeira fonte de financiamento destas, fato este vedado pelo art. 36 da LRF.

Demonstrou-se, também, que a situação observada durante o exercício financeiro de 2014 nunca fora verificada em anos anteriores durante a vigência da Lei Complementar n.º 101/2000. Assim, restou comprovada a atipicidade das supostas condutas idênticas praticadas